domingo, 29 de janeiro de 2012

Devagar:não acelere a vida e não despreze o cuidado


(Antonio Rezende)

Não se pode viver sem mencionar a força da velocidade. Ela é uma marca do mundo contemporâneo. Derrubou regras e refez caminhos na comunicação. Mas é importante que você verifique o controle que ela exerce sobra a sua vida. Quantas vezes acordou antes do sinal do despertador? Costuma ler jornal e comer ao mesmo tempo? Desliga a TV antes de ouvir a última notícia? Resume história para ganhar tempo e aproveitar os minutos da noite, deixando seus filhos desconfiados das conversas e dos disfarces? Usa o telefone fixo, sem conseguir tirar o olho do celular, inquieto, celebrando cada toque com gestos nervosos?

Exemplos de pressa, de falta de paciência mínima não faltam. Aqui, estamos no blog, mas existe o e-mail. Muitos reclamam dos textos longos, quando eles têm no máximo 500 palavras. Estão esquecidos dos romances de Pamuk, do memorável Ulisses de Joyce ou de Cem anos de solidão de García Márquez. A quantidade incomoda, pois ela prende a passagem do tempo, argumentam os velocistas da vida. As questões de saúde provocadas pelas ansiedades assustam os governos, fazendo duvidar o valor das máquinas e suas fúrias aceleradas . O investimento é grande. Crianças possuem agendas, pais trabalham mais de 10 horas, surgem comportamentos estranhos. O afeto se desmancha, pois o cuidado com as pessoas é raro.

Há, porém, resistência. Nem todos embarcam no avião mais ligeiro, nem cultivam mensagens impessoais para ativar negócios e compromissos. Leia o que afirma Carlo Petrini do movimento internacional Slow Food: Ser Devagar significa controlar os ritmos de nossa vida. É você quem decide em que velocidade deve andar em determinado contexto. Se hoje quiser andar depressa, vou depressa; se amanhã quiser andar devagar, vou devagar. Estamos pelo direito de determinar nosso próprio andamento. O Slow Food conseguiu adeptos e reeducou a forma de se alimentar de muitos grupos sociais, sobretudo na Europa.

O que Petrini coloca não é o fim das tecnologias. Não vamos apagar conhecimento e se desfazer das facilidades que também auxiliam o bem-estar das coletividade. Novamente, a volta do debate sobre autonomia entra em cena. Qual o espaço de escolha que temos de conquistar para seguir a vida? Portanto, a velocidade não é um mal em si. Ela compõe a história e suas circunstâncias. A política da acumulação de riquezas é que nos leva a considerar os ritmos que podem nos assegurar confortos, nos encher de objetos sofisticados para diversão constante.

Observar a construção das relações sociais é fundamental para avaliar por onde trilha o lugar da autonomia. A prevalência da concentração de poder, a exaltação ao narcisismo, a expansão dos simulacros firmam a superficialidade. Estima-se, então, que o maior valor da vida é transformar o tempo em dinheiro. Daí, o menosprezo pelo cuidado, o avesso à alegria esticando os azares da depressão. Transformar a sociedade, numa vitrine, parecer ser o gosto da velocidade sem reflexão. Todos seríamos manequins orientados por fórmulas mágicas. Quebrar a autonomia é desfiar o fio de Ariadne, no temer o labirinto.Leia Devagar de Carl Honoré e não deixe escapar o sossego da vida.

Fonte: http://www.astuciadeulisses.com.br/

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