quinta-feira, 20 de maio de 2010

Ficha Limpa é show pirotécnico em ano de eleição, diz juiz

Por Chico Ludermir

No dia seguinte à aprovação unânime do Ficha Limpa no Senado restam ainda muitas dúvidas sobre os reais efeitos do projeto. O caráter de urgência veio como consequência de um apelo popular que movimentou todo o Brasil na luta contra a corrupção na política, mas que possivelmente não vai mudar a situação brasileira. A previsão é do juiz criminal pernambucano Ailton Alfredo de Souza, que diz em entrevista exclusiva ao Blog de Jamildo, considerar o Ficha Limpa apenas mais um movimento do "show pirotécnico" de políticos em ano de eleição.
Para ele, a manobra não passou de uma "lei para inglês ver" que morrerá nos tribunais quando se deparar com cláusulas máximas da Constituição que afirmam que nenhum cidadão pode ser considerado culpado antes do processo transitado em julgado.
“Os políticos já aprovaram sabendo que isso não vai ter nenhuma eficácia concreta porque quebra uma garantia constitucional, que é a da presunção de inocência. Essa unanimidade reflete a certeza de que o projeto é totalmente ineficaz”, afirma o magistrado.

Confira abaixo a íntegra da entrevista.

Blog de Jamildo – Qual é a sua opinião em relação ao projeto Ficha Limpa que acabou de ser aprovado no Senado?
Ailton Alfredo de Souza – Primeiramente a opinião que tenho é que a Associação dos Magistrados (AMB) jamais deveria estar patrocinando a quebra de uma garantia constitucional. A conclusão que chego é que, na verdade, esse projeto que foi aprovado não vai mudar em nada a realidade da corrupção no País. É um engodo, “coisa para inglês ver”. Os políticos já aprovaram sabendo que isso não vai ter nenhuma eficácia concreta. Primeiro, porque não há retroatividade e, sobretudo, porque quando chegar no Supremo Tribunal Federal deve ser declarada a inconstitucionalidade dessa lei, porque quebra uma garantia constitucional que é a da presunção de inocência.
Blog de Jamildo - Qual é a diferença entre a teoria e a prática do projeto?
Ailton - O que o projeto propõe é que todos aqueles condenados por um tribunal, colegiado de juízes, por crimes de improbidade administrativa, crimes contra administração pública e crime eleitoral, fiquem inelegíveis por oito anos. Na pática todas aquelas pessoas que são condenadas por esse crimes, mesmo que seja pelo TRE (Tribunal Regional Eleitoral), por crime eleitoral, tem direito a recurso no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e pode recorrer até mesmo ao Supremo Tribunal Federal. Enquanto couber recurso, não pode se tomar nenhuma medida de restrição de direitos, suspensão de direitos, porque isso está escrito como cláusula pétrea da constituição. Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado e a certeza penal condenatória. Essa garantia não pode ser alterada.
Blog de Jamildo - O que os político irão fazer se tiverem sua candidatura negada?
Ailton - Acho que qualquer político que tiver sua candidatura impugnada ou indeferido o registro por conta do Ficha Limpa, vai recorrer até o Supremo Tribunal Federal e alegar inconstitucionalidade que fatalmente deve ser declarada. Depois ainda vai se colocar a culpa no Judiciário que promoveu a candidatura de algum corrupto, porque o liberou para ser candidato, quando na verdade o que garante isso é a Constituição que não pode ser mudada nesse aspecto.
Blog de Jamildo - O que poderia ser mudado para diminuir a corrupção na política?
Ailton - Se quisessem realmente dar uma resposta eficaz, ao invés de, no ano de eleição estar fazendo show pirotécnico para o eleitorado, poderia ter alterado o processo penal, para reduzir o número de recursos e a gente ter uma resposta da justiça o mais rápido possível. Ou seja, o trânsito em julgado da sentença ser alcançada em menos tempo do que ocorre hoje por conta da infinidade de recursos que se tem.
Blog de Jamildo - Por que então a aprovação de uma lei que possivelmente não mudará muito?
Ailton - Ficou muito comum o ditado de que toda a unanimidade é burra. Essa unanimidade reflete a certeza de que o projeto é totalmente ineficaz. Não vai produzir nenhum efeito, a não ser o efeito eleitoral a que se está pretendendo. E é lamentável que a associação de magistrados esteja patrocinando isso.
Blog de Jamildo - O políticos estariam votando com a certeza de que nada vai mudar?
Ailton -Perfeitamente.
Fonte: http://jc3.uol.com.br/blogs/blogjamildo/canais/noticias/2010/05/20/

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