terça-feira, 29 de abril de 2008

QUARTA VIA: roda mundo, roda pião

O retorno do rei

Novas barreiras discriminatórias são erguidas pelo mundo. Raça e cor, aparentemente, não contam mais. Isso ainda existe, mas não se fala mais. Em seu lugar entram a religião, a fé e... a cultura!

Flávio Aguiar

“Se ainda está por vir, cá não pode estar”. A frase, ouvi-a diante do túmulo que, diz a tradição, guarda os restos mortais de D. Sebastião, aquele que desapareceu na batalha de Alcácer-Quibir (dos Três Rios, para os muçulmanos), e deu origem a um dos mitos fundacionais da nossa cultura política e do nosso Estado, o brasileiro.

A frase não partiu de algum beato saído de um livro de Euclides da Cunha ou de um filme de Glauber Rocha. Disse-a uma estudante bem jovem para um outro jovem, também estudante, na igreja do Mosteiro dos Jerônimos, na Lisboa moderna e em pleno século XXI.

Ela transportou-me a um outro mundo, a uma outra data: Brasil, Salvador-Rio de Janeiro, março de 1808. Num lance político algo inusitado, mas de há muito tramado, a família real portuguesa se muda para o Rio de Janeiro, com escala em Salvador e a proteção da armada britânica, encarregada também de proteger a fonte brasileira de algodão para as máquinas da revolução industrial na ilha de Sua Majestade, contra os interesses napoleônicos.

Durante fevereiro, março e o começo de abril, muita tinta rolou no Brasil discutindo (e saudando...) essa transferência realmente única na história das conquistas européias dos mercados mundiais. Um tipo de imprensa de divulgação acadêmica, aliás, muito interessante, empenhou-se a fundo nas considerações do acontecimento.

Houve uma inflexão curiosa, é verdade, nessas considerações, que se davam na comemoração dos 200 anos do acontecimento.

Uma caricatura pode nos ajudar. Quando eu estudei na escola, mais de 50 anos atrás, aprendi que num movimento genial, D. João VI driblou Napoleão e veio para o Brasil, trazendo, além da família e corte, uma série de instituições, como a Biblioteca Régia, matriz da Nacional, a imprensa, fundou um teatro digno do nome, o Banco do Brasil, e abriu os portos brasileiros para o mundo. Tudo isso “ajudou o Brasil”.

Há trinta anos, quando minhas filhas começaram a freqüentar a escola, elas aprenderam que, covardemente, o rei português fugiu para o Brasil, sob a escolta dos navios britânicos (que praticamente o obrigaram a fazer isso). Trouxe para nós uma corte venal e corrupta, que desalojou os habitantes do Rio de Janeiro de suas melhores casas. Abriu os portos para os navios e os interesses britânicos, fundou o Banco do Brasil que quebrou quando ele foi embora levando seus capitais, e assim fundou a inflação, o dinheiro nacional sem fundos.

Agora, neste começo do século XXI, o discurso mudou, recuperando uma tese e uma ascendência antigas. D. João não “trouxe” nada para o Brasil. Sua vinda “fundou” o Brasil, que não existia antes. A colônia portuguesa era um arquipélago; foi D. João VI quem “integrou” o aglomerado numa coisa única, fundando os alicerces da “identidade nacional”.

É sutil, mas não é pouco. Voltamos à tese pré-romântica (em que até o grande José Bonifácio acreditava), que também anda disseminada em comentaristas de política internacional, de que somos uma “nação européia” encravada quase toda ao sul do Equador, é claro que com alguns ademanes, atabaques, acarajés e redes nativas que nos dão a cor local. Mas é só. “Nós”, ao contrário “Deles”, pertencemos ao mundo do “Ocidente”, esse outro conceito encravado nas conquistas dos espaços territoriais ou de mercado ao longo da história. Quem são esses “outros Eles”? Ah, o mundo da “indiada” que nos cerca nessa “América Lationa” das qual, “infelizmente”, somos “vizinhos”.

Essa sutil reviravolta segue tendência mundial. Os preconceitos hoje não seguem mais, pelo menos da boca para fora, as balizas da cor ou da raça. Isso ainda existe, mas não se fala mais. Eles seguem as barreiras da religião, por exemplo, e da cultura. Outro dia, em prestigiosa reunião de prestigiosa instituição alemã, (é verdade que sem a concordância dos representantes da própria instituição), prestigioso escritor europeu se pôs a fazer considerações sobre ter visto no metrô um africano, e como isso despertou-lhe o pensamento de que “ele”, o africano, estava deslocado numa paisagem que lhe era completamente estranha, enquanto “ele”, o escritor europeu, pertencia de corpo e alma àquela paisagem, àquela cultura, a européia. Felizmente houve muita gente perplexa e escandalizada na sala.

Isso nos leva à interessante consideração de que não são só os beatos e o povo da tradição euclidiana ou do nosso cinema que são “messiânicos” ou “sebastianistas”. Nossa elite, ou élite, como gosto de sublinhar, também o é, sempre à espera de um rei europeu, ou de um príncipe... encantado ou desencatado, pouco importa, que a livre do pesadelo de abrir a janela e (parodiando livremente o Retrato do Brasil, de Sérgio Buarque), não ver o Sena, nem o Hudson, mas um rio qualquer de nome indigena, mesmo que majestoso.

Fonte: http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=14959&alterarHomeAtual=1

######################################################


NOVA CORRIDA IMPERIALISTA

Provavelmente, Deus não é africano


Na “era dos impérios”, no final do século XIX, as potências européias conquistaram e submeteram - em poucos anos - todo o continente africano, com exceção da Etiópia. Agora, neste início do século XXI, tudo indica que a África será – pela terceira vez - o espaço privilegiado da competição imperialista que está recém começando. A menos que exista um outro Deus, que seja africano. A análise é de José Luís Fiori.
José Luís Fiori


A África ocupou mais da metade do tempo, da última reunião do Conselho de Segurança das Nações Unidas, na terceira semana do mês de abril de 2008. Na pauta: o impasse nas eleições presidenciais do Zimbabwe e as crises políticas da Republica Democrática do Congo e da Kenya, além dos conflitos armados, na Somália, e em Darfur, no Sudão. Trazendo de volta a imagem de um continente aparentemente inviável, com “estados falidos”, “guerras civis” e “genocídios tribais”, com apenas 1% do PIB mundial, 2% das transações comerciais globais e menos de 2% do investimento direto estrangeiro dos últimos anos. Mas a África não é tão simples nem homogênea, com seus quase 800 milhões de habitantes e seus 53 estados nacionais, que foram criados pelas potências coloniais européias, e foram mantidos juntos, graças à Guerra Fria, que chegou à África Setentrional, com a crise do Canal de Suez, em 1956; à África Central, com a guerra do Congo, dos anos 60; e finalmente, à África Austral, com a independência de Angola e Moçambique, e a sua guerra com a África do Sul, nos anos 80.

A independência africana, depois da II Guerra Mundial, despertou grandes expectativas com relação aos seus novos governos de “libertação nacional” e seus projetos de desenvolvimento, que foram muito bem sucedidos – em alguns casos - durante os primeiros tempos de vida independente. Este desempenho inicial, entretanto, foi atropelado por sucessivos golpes e regimes militares, e pela crise econômica mundial, da década de 1970, que atingiu todas as economias periféricas, e provocou um prolongado declínio da economia africana, até o início do século XXI. Mesmo na década de 90, depois do fim do mundo socialista e da Guerra Fria, e no auge da globalização financeira, o continente africano ficou praticamente à margem dos novos fluxos de comércio e de investimento globais.

Depois de 2001, entretanto, a economia africana ressurgiu, acompanhando o novo ciclo de expansão da economia mundial. O crescimento médio, que era de 2,4% em 1990, passou para 4,5, %, entre 2000 e 2005, e alcançou as taxas de 5,3% e 5,5%, em 2007 e 2008. E, no caso de alguns países produtores de petróleo e outros minérios estratégicos, estas cifras alcançaram níveis ainda mais expressivos, como em Angola, Sudão e Mauritânia. Esta mudança da economia africana - como no resto do mundo -se deveu ao impacto do crescimento vertiginoso da China e da Índia, que consumiam 14 % das exportações africanas, no ano 2000 e hoje consomem 27%, igual que a Europa e os Estados Unidos, que são velhos parceiros comerciais do continente africano.

Na direção inversa, as exportações asiáticas para a África vêm crescendo à uma taxa média de 18% ao ano, junto com os investimentos diretos chineses e indianos, sobretudo em energia, minérios e infra-estrutura. Neste momento, existem cerca de 800 empresas, e 80.000 trabalhadores chineses na África, com uma estratégia conjunta de “desembarque econômico” no continente, como acontece também, em menor escala, com o governo e os capitais privados indianos. Neste sentido, não cabe mais duvida, devido ao volume e a velocidade dos acontecimentos: a África é o hoje, o grande espaço de “acumulação primitiva” asiática, e uma das principais fronteiras de expansão econômica e política, da China e da Índia. Mas ao mesmo tempo, não há o menor sinal de que os Estados Unidos e a União Européia estejam dispostos a abandonar suas posições estratégicas, conquistadas e controladas dentro deste mesmo território econômico africano.

Depois da frustrada “intervenção humanitária” dos Estados Unidos, na Somália, em 1993, o presidente Bill Clinton visitou o continente, e definiu uma estratégia de “baixo teor” para a África: democracia e crescimento econômico, através da globalização dos seus mercados nacionais. Mas depois de 2001, os Estados Unidos mudaram radicalmente sua política africana, em nome do combate ao terrorismo, e da proteção dos seus interesses energéticos, sobretudo na região do “Chifre da África” e do Golfo da Guinéa, que até 2015, deverá fornecer 25% das importações norte-americanas de petróleo.

Faz pouco tempo, os Estados Unidos criaram um novo comando estratégico regional no nordeste africano, e neste momento, estão instalando as bases de apoio de sua mais recente iniciativa militar, no continente: a criação do África Coomand - AFRICOM, que segundo o jornal inglês Financial Times, “ marca o inicio de uma nova era de engajamento, sem precedente, da Marinha Norte-Americana na costa oeste da África.” (15/04/2008). Este aumento da presença militar americana, entretanto, não é um fenômeno isolado, porque a União Européia, e a Grã Bretanha, em particular, têm dedicado uma atenção cada vez maior à África. E a Rússia, acaba de assinar um acordo econômico e militar com a Líbia, e logo em seguida, assinará um outro, com a Nigéria, envolvendo venda de armas e dois projetos bilionários de suprimento de gás para Europa, através da Itália, e do deserto do Saara.

Num jogo de xadrez que se complicou ainda mais, nos últimos dias, com a descoberta de um carregamento de armas chinesas enviadas para o governo de Robert Mugabe, no Zimbabwe, através da África do Sul, e com o apoio do governo sul-africano de Thabo Mbeki, segundo denuncia do líder da oposição, no Zimbabwe, Morgan Tsvangirai.

Este quadro fica ainda mais complicado, quando se percebe que tudo isto está acontecendo no momento em que o sistema mundial ingressa numa nova “corrida imperialista”, entre as suas “grandes potências”. Como aconteceu com o primeiro colonialismo europeu que começou com a conquista da cidade de Ceuta, no norte da África, em 1415, estendendo-se em seguida, pela costa africana, e transformando a sua população negra na principal commodity da economia mundial, no início da globalização capitalista. Depois, de novo, na “era dos impérios”, no final do século XIX, as potências européias conquistaram e submeteram - em poucos anos - todo o continente africano, com exceção da Etiópia. E agora, neste início do século XXI, tudo indica que a África será – pela terceira vez - o espaço privilegiado da competição imperialista que está recém começando. A menos que exista um outro Deus, que seja africano.

Fonte: http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=14966&editoria_id=6

#########################################

A América Latina e a 4a Frota americana
Por André Araújo


No espaço latino americano um fato a registrar é a reconstituição da 4ª Frota da Marinha dos EUA, com base na Florida e área de atuação predominante no Atlântico Sul. Essa força tenha sido desincorporada em 1950 e o seu relançamento deve-se a quatro fatores:
1. A formação de um eixo anti-americano na América do Sul a partir do projeto bolivariano de Hugo Chavez, incluindo hoje o Equador, a Bolívia, o Paraguai e de certo modo a Argentina.
2. A crescente importância do continente (especialmente do Brasil) no fornecimento mundial de alimentos, minérios e combustível.
3. A incapacidade diplomática, política e militar do Brasil, maior pais do continente, em servir de contrapeso a regimes populistas que estão se fortalecendo na região.
4. A obsolescência, sucateamento e enfraquecimento da estrutura militar brasileira, hoje em quinto lugar na relação das forças armadas sul-americanas, em termos de equipamento,outrora uma parceira confiável dos EUA, hoje incapaz de qualquer ação militar de contenção e arbitramento no continente.
Essa grande unidade da Marinha dos EUA foi reconstituída com 11 navios, liderados por um porta aviões nuclear e deve ser oficialmente comissionada em 1º de setembro próximo, com o comandante já definido, contra-almirante Joseph Kernan.
Os EUA sempre viram o Brasil como o líder natural da América do Sul mas hoje se preocupam com a fraqueza do establishment militar brasileiro, que vem sendo desmontado desde 1990.
Por Fabio Passos
Como negar que é o interesse dos EUA manter o "apartheid tecnológico"? E por que negar que os EUA fazem pressão e o Brasil obedece?
"Os sonhos de mísseis de Hugo Piva foram rudemente interrompitos pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, que cortou as verbas para o desenvolvimento de mísseis... De fato, o Brasil foi forçado a fazer uma escolha. O grande foguete lançador que está desenvolvendo, o VLS, não será capaz de competir com lançadores de satélites estadunidenses, russos, chineses ou europeus, a menos que seja aperfeiçoado. Mas ele não poderá ser aperfeiçoado sem importações. E o Brasil não pode obter material importado sem desistir do seu programa de mísseis... Então, a decisão de Cardoso de desistir dos mísseis brasileiros foi uma vitória para o controle de exportações."

######################

Agricultura familiar + agro negócio


Desdobramento da grande revolução demográfica mundial, a crise de alimentos/energia vai trazer algumas mudanças relevantes.
Primeiro, nas relações norte-sul.
Não será possível resolver a crise de alimentos sem um amplo estímulo à agricultura tropical e uma redução nos subsídios dos países avançados.
Depois, nas relações agronegócios-agricultura familiar.
Nos países emergentes-avançados – como o Brasil – não será possível resolver a crise dos alimentos sem um estímulo forte à agricultura familiar.
É um paradoxo interessantíssimo. O agro negócio critica a falta de eficiência da agricultura familiar; os defensores da agricultura familiar criticam o caráter concentrador do agro negócio.
Só que um depende do outro. O agro negócio gera divisas, empregos, riqueza. Mas expõe os preços internos aos preços internacionais, provoca êxodo no campo (substituído por emprego de melhor qualidade, mas em menor número e pegando um público distinto daquele da agricultura familiar).
A agricultura familiar está próxima aos centros urbanos, não está exposta às intempéries dos movimentos internacionais de commodities. Segura o homem no campo e garante renda ou de sobrevivência ou para o consumo. Além disso, pode ser uma excelente alavanca para grandes empreendimentos, quando organizada em torno de cadeias produtivas – como a do frango e do leite.
Essa será a grande síntese final da agricultura brasileira: o agro negócio convivendo com a agricultura familiar.

Fonte: http://www.projetobr.com.br/web/blog/

#####################

O 'abril verde' do outro lado do MST


O projeto de biodiesel de José Rainha quebra a linha política e ideológica do “abril vermelho” da outra facção do movimento
José de Souza Martins*


A facção do MST liderada por José Rainha no Pontal do Paranapanema, em São Paulo, não participou do “abril vermelho”, mas fez, nesta semana, o seu surpreendente “abril verde”. Sob imensa lona de circo, em Mirante do Paranapanema, no assentamento São Bento, Rainha anunciou aos 3 mil assentados presentes, quase metade do total na região, um plano de adesão às oportunidades econômicas que estão sendo abertas pela era do biocombustível.

Os assentados fornecerão a matéria-prima para produção de biodiesel na própria região do Pontal. Nos três primeiros anos, os de implantação do projeto, cada família receberá do governo um salário mínimo mensal por meio da cooperativa de assentados. O governo também bancará, com R$ 50 milhões, a implantação das lavouras de pinhão-doce para extração de óleo. A opção pelo pinhão-doce foi feita com base em estudos da Unicamp que o indicam como a planta apropriada para a região. Cada família cultivará 2,5 hectares de terra, para se chegar a 60 mil hectares em dez anos. Um escalonamento prudente do uso da terra, de modo que a família de agricultores possa se dedicar a cultivos adicionais e complementares na terra de sua parcela.

Rainha anunciou parceria com o agronegócio e empresas estrangeiras, uma portuguesa e uma espanhola, representadas na ocasião, que se interessaram por participar da construção da fábrica. Ele afirmou que os trabalhadores querem para a Federação das Associações dos Assentados e Agricultores Familiares do Oeste Paulista o controle de 60% da indústria. Deixou claro que os assentados querem vender o óleo, e não simplesmente o produto agrícola. Querem uma agricultura que agregue valor ao seu produto.

O projeto já tem o apoio do presidente Luiz Inácio, dos Ministérios do Desenvolvimento Agrário, do Trabalho e do Meio Ambiente, da Caixa Econômica Federal, da Petrobrás e do Banco do Brasil. Todos representados no ato, além da CUT. Houve fila para assinar o documento de adesão ao projeto do biodiesel. Rainha considera indispensável o apoio do governador José Serra. O projeto não é apoiado pelo MST. Em tudo, o “abril verde” quebra a linha ideológica e política do MST do “abril vermelho”. É evidente que, para chegar ao estágio do anúncio público do projeto, com a presença de representantes de todos os organismos e setores envolvidos, com claro apoio financeiro, técnico e político do governo e do próprio presidente da República, trata-se de plano que vem sendo elaborado há muito.

Esse é o MST do governo que, com as manifestações sindicais festivas poupadoras de Lula, no primeiro de maio, e o cabresto das doações sociais compensatórias, expressa a dinâmica do amplo círculo de um poder trabalhista e popular que imuniza o presidente e o PT contra os efeitos políticos das contradições sociais. Está em andamento uma clara neutralização dos focos de tensão social que, a seu modo, representam um dos fermentos da democracia na disputa aberta e livre pelos canais de sua expressão política e partidária. Nessa neutralização a própria política é neutralizada, no esvaziamento dos partidos, que aliás, no geral, se abstiveram, pois nunca entenderam, ou pouco entenderam, o que é a luta pela terra no Brasil e a grave crise das relações de trabalho no campo.

Não obstante, o “abril verde” do MST do Pontal representa o que parece ser, enfim, uma saída que dá consistência e legitimidade à reforma agrária, que foi bloqueada pelas dificuldades doutrinárias e limitações de perspectiva histórica do MST. Sobretudo as limitações políticas da problemática opção pela tradição pré-política de uma linhagem de contestadores que vem dos “quebradores de máquinas”. Os que, na Inglaterra do século 18, e em diferentes lugares onde se deu a crise da sociedade tradicional, levaram a formas primitivas de ação, das respectivas vítimas, no processo de afirmação de seus interesses e direitos. Abre-se publicamente um embate entre o MST de resultados e o MST ideológico, que é, no fundo, expressão de uma metamorfose política criativa e interessante.

O anúncio do Pontal foi, também, uma resposta praticamente oficial ao “abril vermelho”, com clara cisão na liderança do MST. Cisão, aliás, que vem de longe. José Rainha tem um perfil diferente das demais lideranças da organização política, da qual parece conservar apenas nome e bandeiras. Perfil diferente porque é a única liderança importante do movimento que esteve na cadeia e é assentado. É também o único cuja esposa, trabalhadora rural, participa ativamente das ações políticas da organização e também ela já esteve presa. Isso dá à facção uma legitimidade e um perfil que as demais lideranças não têm.

Os fatos desses dias parecem confirmar que, onde prevalece a prática sobre a doutrina, o projeto social dos assentados vai na direção do aproveitamento das brechas que se abrem no sistema econômico globalizado para afirmar a racionalidade, a economicidade e a legitimidade da agricultura familiar e da reforma agrária. No fundo, essa ala do MST está propondo e concretizando o agronegócio familiar. A previsão é de que, quando o projeto estiver em funcionamento, cada família terá o rendimento de R$ 1,2 mil provenientes da comercialização internacional do óleo, sem contar os rendimentos adicionais da parcela agro-reformada.

Já onde prevalece a doutrina sobre a prática, a tendência é a luta permanente por doações e subsídios do governo, com pouca possibilidade de dar aos assentados dessa facção a oportunidade de mostrar os resultados econômicos de sua concepção de reforma agrária. Não que não os haja. Mas a falta de visibilidade dessa economia que pouco tem de alternativa acaba arrastando os assentados para as demonstrações dos sem-terra, que eles já não são. No equívoco desse misticismo sugerem à opinião pública sua própria derrota e que a agricultura agro-reformista é antieconômica. Para o contribuinte que paga a pesada conta da política social, é difícil explicar que essa luta é justa.


*José de Souza Martins é professor titular de Sociologia da Faculdade de Filosofia da USP

(artigo publicado em 16.05.2007)

Fonte: http://br.groups.yahoo.com/group/grupoagroecologia/message/161

Um comentário:

Grupo Colibris disse...

Luíza, o seu Blogger é show de bola! visito-o quase que diariamente. Sou também dessa terra gostosa! (Família MACIEL). Sou neto de Ambrozina Maciel que é irmã de Cili, João Maciel, Manacésar(todos falecidos). Moro em Petrolina-PE,mas não consigo esquecer essa pérola (Ipaumirim)e muito menos o Ôlho D'água (Felizardo).
Abraços.