sexta-feira, 18 de abril de 2008

Quando o sertão não agüenta mais chuva: o rastro das cheias no Ceará

Breno Castro Alves
Especial para o UOL
No Ceará
15/04/2008 - 08h00
"Vai atolar. Sorte sua que nós estamos aqui para ajudar depois." O Gol branco, valente, de propriedade da Prefeitura de Ipaumirim (CE), contrariou a previsão e não atolou nas estradas em péssimas condições da zona rural do município. No volante está Olavo Vicente, secretário de obras da cidade, vistoriando os danos causados pelas chuvas que comprometeram cerca de 250 km de estradas de terra, arrastaram plantações e suspenderam as aulas na cidade de 12.500 habitantes no centro-sul cearense."
O pessoal lá de fora pensa que não chove no sertão, não é?", diz Olavo, um dia após a cidade receber mais água do que em semestres inteiros de seca. O clima semi-árido do sertão nordestino possui apenas duas estações: inverno chuvoso, de janeiro a junho, e verão seco e mais quente, de julho a dezembro. A quadra chuvosa, que concentra as precipitações, vai de fevereiro a maio e é influenciada ou pelo fenômeno El Niño, quando chove menos, ou por La Niña, onde as águas descem com mais força. É o caso deste ano.
Até o dia 11 de abril (sexta-feira passada), choveram 1.149 milímetros em Ipaumirim, contra 574 milímetros nos seis meses do inverno de 2007. A medida em milímetros aponta o nível que as águas alcançariam se acumulassem em uma superfície impermeável e plana, como uma piscina, por exemplo. As chuvas deste ano já atingiram a marca de 1,149 metro, equivalente a 1.149 litros/metro quadrado. Apenas no dia 9 (quarta), quando Ipaumirim recebeu mais água do que qualquer outra cidade do Ceará, foram 102 milímetros.
O grande problema das chuvas no sertão é sua irregularidade. "Se chover só 600 milímetros por ano, o que é pouco, mas bem distribuídos, dá para plantar o que quiser aqui", avalia Antonio Saraiva, gerente na cidade da Empresa de Assistência e Extensão Rural do Ceará (Ematerce), responsável por medir o volume de águas e prestar apoio ao produtor do campo. O banco de dados da empresa demonstra a irregularidade das precipitações: em janeiro de 2001 foram apenas 44,8 milímetros de chuva, enquanto no mesmo período do ano seguinte caíram 508,7, volume quase 12 vezes superior.
Em anos de grandes cheias, plantações inteiras apodrecem ou são levadas pela água. É o caso das terras de José Almir, agricultor da vizinha Umari, que avalia ter perdido 150 sacas de milho. Sessenta quilos por saca a R$ 35 cada, chegamos a um prejuízo total de R$ 5.250 para Almir. "O cabra fica com a fé em Deus e os olhos nas previsões do homem, torcendo para tudo encaixar", avalia o agricultor sertanejo, bem humorado no meio do dilúvio.


Destruição


Mas são as estradas da zona rural, responsabilidades do veterano Olavo, que mais sofrem com as chuvas. Vias de terra nunca compactadas, sem a cobertura vegetal original e carentes de sistemas de drenagem e escoamento são alvo fácil para erosão. À medida que o raso solo nordestino encharca, torna-se cansativamente comum nas vias de terra o aparecimento de lama, valas e buracos - desde os que fazem a suspensão dos carros rangerem até os que carregam carros inteiros. Quase 100% da zona rural do município ficou isolada após as chuvas do dia 9, o que levou à paralisação de todas as aulas até pelo menos o próximo dia 22.

Olavo acredita que apenas com recuperação de estradas devem ser gastos R$ 60 mil ou 70 mil nos próximos três meses. "Está vendo esse buraco aqui? Tapamos ele em janeiro e no ano passado também, agora olha ele aí de novo" diz, apontando para um vão entre estrada e cerca de arame farpado onde um homem adulto poderia perder a vida com um pouco de distração.

Ele informa que o rolo compressor necessário para compactar estas estradas está além do orçamento do município. Asfalto, então, nem pensar. A solução paliativa é utilizar tratores para encher buracos e poças de lama com piçarra, terra amarelada e grossa, recheada de pedras e cascalho, que permanecerá no lugar até as próximas chuvas, quando o trabalho de tapar buracos recomeçará.

Fonte: http://noticias.uol.com.br/ultnot/2008/04/15/ult23u1886.jhtm

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