quinta-feira, 24 de abril de 2008

Nossa terra, nossa gente

Bom Jesus
PB/CE

O drama do limite geográfico

Jornal A União
08 de abril de 2008



Morar numa cidade que partilha as divisas da Paraíba com o Ceará, onde as ruas paraibanas e cearenses literalmente se cruzam num verdadeiro quebra-cabeças geográfico, não se constitui em nenhuma novidade para os habitantes de Bom Jesus, no Sertão Oeste da Paraíba, a 485 km de João Pessoa. Aqui, qualquer pessoa pode colocar um pé lá e outro cá, sem enfrentar os típicos entraves burocráticos das fronteiras.
Para entender um pouco esta curiosa divisão geográfica, basta citar que a Av. Pedro Carlos de Morais, apesar de ser o único acesso a Bom Jesus (PB), pelo lado da BR-230, localiza-se no centro do distrito de Aroeiras, que pertence ao vizinho município de Ipaumirim (CE). O carro percorre mais uns passos adiante e entra na Rua Antônio Caetano Leite, que tem o papel de dividir, ao meio, as terras do Ceará e da Paraíba.
A fim de se ter uma idéia aproximada, de como o Ceará e a Paraíba se misturam em Bom Jesus e Ipaumirim, basta acrescentar que a padaria Padre Cícero está do lado cearense e serve aos dois municípios. A casa de nº 10, da paraibana Rua Antônio Caetano de Brito, está menos de oito metros de distância do Ceará. Os moradores desta casa, simplesmente atravessam menos de cinco metros de uma rua da Paraíba, para comprar pães em território cearense.
Em Bom Jesus e Ipaumirim, as populações cearenses e paraibanas são predominantemente católicas. Então, não é simples coincidência o fato de a Igreja do Sagrado Coração de Jesus situar-se no meio da linha imaginária que separa o Ceará da Paraíba. Do centro do altar-mor , o Menino-Deus abençoa, indistintamente, tabajaras e alencarinos.
A praça Antônio Rolim é uma estratégica referência para Bom Jesus e Ipaumirim. Por que? Quem explica esta situação são os primos Joseildo Sampaio Santos, 63 e Francisco Guedes de Aquino, 61, antigos moradores de Bom Jesus. Sampaio aponta para uma depressão semelhante a um quebra-molas, situado no final da praça. Esta lombada divide os limites da Paraíba com o Ceará, como um verdadeiro divisor de águas.
De acordo com Aquino e Sampaio, as águas que correm para a esquerda da lombada, delimitam o território paraibano. Já as que seguem a trajetória da direita, penetram em terras do Ceará. Neste local, já houve confusões eleitorais. Há alguns anos, cerca de 300 eleitores cearenses moravam em Bom Jesus. Depois de alguns ajustes realizados pela Justiça Eleitoral, hoje, eles são apenas 18.
"Apesar do Ceará está a poucos metros de distância, os moradores de Aroeira, quando necessitam, procuram a Prefeitura de Bom Jesus", afirma Sampaio. "Ipaumirim, o município que deveria assistir os moradores de Aroeiras, está a 12 km de distância".Sampaio admite que a prefeitura paraibana de Bom Jesus atende, indistintamente, aos dois lados, pois está apenas a 10m da fronteira com o Ceará.
No mapa geográfico que divide os limites da Paraíba com o Ceará, já houve casos inusitados. Um deles ocorreu há 15 anos, quando uma briga entre vizinhos resultou em morte. Perseguido, o agressor pulou o muro do quintal de casa e entrou numa rua cearense. A polícia paraibana deixou de perseguí-lo. Recorreu às autoridades do Ceará, para prender o fugitivo.
Hildon Sampaio é muito conhecido em Bom Jesus e Ipaumirim. Por telefone, ele marcou um encontro de negócios com um comerciante de Campina Grande. Ao chegar a Bom Jesus e perguntar por Hildon, o homem ficou furioso. Soube que Hildon tinha ido para o Ceará. Calmamente, Sampaio apontou o outro lado da rua e mostrou o local onde Hildon se encontrava. E explicou: "O Ceará é ali, do outro lado".
Confusões territoriais à parte, a Justiça Eleitoral já conseguiu resolveu uma delas. Agora, quem paga água e luz em Bom Jesus, pode votar na Paraíba. Mesmo que more do lado cearense. Bom Jesus tem, atualmente, cerca de 3.200 habitantes. Aroeiras possui 1.200. A superioridade numérica de habitantes em Bom Jesus, não impede os repetidos casamentos entre moradores de um e do outro lado.
Situado na microrregião de Cajazeiras, Bom Jesus tem uma área territorial de 47,421 km quadrados. Está a 318m de altitude, em relação ao nível do mar. Sua economia, basicamente agrícola, obtém respaldo nas produções de arroz, milho e feijão. Município ordeiro, há 15 anos não registra um homicídio. E, segundo o IBGE, a população de homens é quase equiparada a de mulheres. Lá, só existem 10 mulheres a mais.
Quem sai de Cajazeiras com destino ao Ceará, encontra Bom Jesus 15 km adiante, do lado direito da BR-230. Limita-se com os municípios de Cachoeira dos Índios e Santa Helena (PB) e Ipaumirim (CE). A Avenida Pedro Carlos de Morais, no lado cearense, é o principal acesso a Bom Jesus. Nela, mora a comerciante Maria Genilda, que preferiu votar e pagar impostos no Ceará. "Não há conotação política na minha escolha", esclarece . "A Paraíba está mais perto mas eu movimento meu negócio através de Ipaumirim, que possui atividade comercial maior do que Bom Jesus".
No sítio Retiro, nas imediações da Barragem Lagoa do Arroz, o agricultor Sotero Gomes da Silva, natural de Bom Jesus, conta histórias dos tempos do cangaço. Por ali passaram Lampião e Corisco, seu lugar-tenente. Os cangaceiros pintaram e bordaram, extorquindo, roubando e matando gente. O próprio Sotero jura que os buracos da janela de sua casa foram feitos por coronhadas de rifle desferidas pelos homens de Corisco e Virgolino.
Lampião, depois de tentar enfiar um prego na cabeça de um tio de Sotero, a quem torturava para obter dinheiro, avisou: "Atenção pessoá, a gente vai aproveitar para fazer o máximo de baderna aqui, pois logo mais a gente entra no Ceará e eu não quero bagunça na terra do meu padim Ciço". Corria o mês de julho de 1931. Sete anos depois Lampião era morto em Angicos (SE), por uma volante da Polícia Militar de Alagoas. Até chegar no Ceará, Lampião matou três pessoas em território paraibano, inclusive um vaqueiro, a quem pediu para ensinar o caminho.

Hilton Gouvêa
Fonte: www.auniao.pb.gov.br/

Um comentário:

Beto de Freitas disse...

Que texto excelente, muito bem escrito. Morei durante quatro anos nessa situação onde atravessava a rua e estava em outro estado.