João Goulart

O artigo de ontem “Dilma e a reabilitação de Jango” (http://bit.ly/18AVE49) suscitou um bom debate no meu blog.  Um dos debatedores – ilustre – foi o historiador brasileiro radicado na França, Luiz Felipe de Alencastro.
Sua hipótese é de que o golpe foi precipitado devido à quase certeza de eleição de Juscelino Kubitscheck nas eleições de 1965.
Faz todo sentido.
Há alguns anos o Ibope liberou seus arquivos para a Unicamp. Neles, há pesquisas feitas em 1964, antes do golpe. A pesquisa revelava um fenômeno até hoje atual: a diferença entre a opinião pública ampla e a chamada “opinião publicada” – aquela mais diretamente influenciada pelos grandes grupos de mídia.
No público em geral havia ampla aprovação para as “reformas de base” anunciadas por Jango. 
Em qualquer cenário eleitoral – com Jango ou Juscelino Kubitscheck do lado da situação, com Carlos Lacerda, Magalhães Pinto ou Ademar de Barros, do lado da oposição – havia folgada maioria pró-governo.
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Pouco antes de 31 de março, JK teve uma recepção consagradora em São Paulo – cidade que sempre o olhava com um pé atrás. Terminou com uma missa na Catedral da Sé e JK sendo literalmente levado nos ombros do povo até o prédio da Associação Comercial, onde iria falar.
Influenciaram esse entusiasmo o clima de euforia do período JK e os problemas econômicos herdados por Jango e tratados de forma um tanto atabalhoada. Os empresários também queriam a volta de JK.
Para uma oposição sem nenhuma viabilidade eleitoral, só havia espaço para soluções extra-eleitorais– o golpe.
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A gestão econômica de Jango equilibrava-se entre a necessidade de uma política mais ortodoxa, para combater a inflação e o desequilíbrio fiscal, e as demandas políticas, para assegurar a governabilidade.
De um lado, orientava-se por políticos mais cautelosos e inseridos no meio econômico e político convencional – como Tancredo Neves, San Thiago Dantas, Walther Moreira Salles, André Franco Montoro, Carvalho Pinto etc. Na outra ponta, era constantemente pressionado pelo ímpeto gauchesco do cunhado Leonel Brizola e de um conjunto de economistas nacionalistas, preocupados em manter a base unida.
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Sinal eloquente dessa perda de rumo ocorre em episódio que me foi narrado pelo ex-Ministro da Fazenda Walther Moreira Salles.
Ele assumiu o Ministério dentro de uma solução de compromisso com os militares, que acabou assegurando a posse de Jango em um regime parlamentarista.
Eram frequentes os atropelos nas contas públicas ou na concessão de financiamento pelo Banco do Brasil, para desalento dele e do primeiro-ministro Tancredo Neves.
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Caiu o gabinete de Tancredo, substituído por Brochado da Rocha.
Na primeira reunião do novo gabinete, foi colocado na frente de cada Ministro um trabalho escrito por Cibilis da Rocha Viana, que atropelava os planos de estabilização da economia. Moreira Salles pensou em pedir demissão, mas recebeu uma visita em seu apartamento, de Brizola e Brochado, rogando-lhe que não saísse de imediato.
Com problemas na frente fiscal e externa, no combate à inflação e no baixo crescimento, o Brasil ficou inadimplente com o Clube de Paris e havia necessidade urgente de renegociar o acordo.
Moreira Salles aceitou a missão e viajou para Paria para negociar com Giscard D’Estaing, que ele conhecia há tempos e de quem se antipatizara devido ao ar permanentemente arrogante do francês.
Antes de viajar, conseguiu o compromisso de Jango de que não autorizaria determinado projeto de lei que descontentava os franceses. Jango deu-lhe a garantia.
Moreira Salles atravessou o oceano e, ao entrar na sala de Giscard, enfrentou seu sorriso irônico. Giscard indagou-lhe da lei. Moreira Salles narrou-lhe o compromisso firmado com Jango. Giscard sorriu: “Aparentemente o senhor não está informado sobre seu governo. Ontem, o presidente Jango deu sequencia à aprovação da lei”.
A conversa morreu ali. Moreira Salles pegou o avião de volta e mandou aviso para Jango comunicando sua demissão.
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Esses volteios, idas e vindas tornaram-se cada vez mais frequentes devido à própria falta de comando de Jango. Celso Furtado assumiu a Fazenda propondo o Plano Trienal, de estabilização da economia, mas que jamais foi implementado devido às restrições políticas do grupo mais à esquerda do presidente.
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Desde o governo Vargas, a política brasileira dividira-se em duas vertentes. Do lado de Vargas, o trabalhismo e o PSD, juntando aliados de oportunidade, políticos de estados nordestinos ou da área rural, alguns industrialistas; do lado contrário, grupos empresariais paulistas apostando firmemente no udenismo de Carlos Lacerda.

Lacerda era o porta-voz de uma campanha sistemática da mídia mais influente da época – de jornais de maior peso, como o Estadão, o Jornal do Brasil, a rádio Globo, mas especialmente os Diários Associados, de Assis Chateaubriand.
 A estratégia era sempre passar a sensação do “eles contra nós”. Podem ser explorados desde fantasmas da Guerra Fria até preconceitos contra classes sociais ou categorias profissionais. Sempre superdimensionando os adversários.
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Na época, o fantasma eram as Ligas Camponesas, de Francisco Julião, que atuavam no nordeste. O cientista político Wanderley Guilherme dos Santos, em um estudo clássico de 1962 – onde previa o golpe - chegou a conviver por algum tempo com elas e, em seu trabalho, mencionava a irrelevância do movimento. Servia apenas para a criação de fantasmas inexistentes.
No seu trabalho, Wanderley antecipava que o principal estímulo ao golpismo seria a suspeita – por menor que fosse – de que haveria radicalização da parte das forças que apoiavam Jango. E não recomendava as grandes manifestações populares, por poder provocar manifestações de rua ainda maiores, mas contra o governo.
Em artigo relevante em 1963, Afonso Arinos de Mello Franco – da UDN – alertava sobre o que considerava um anacronismo de seus pares, de levantar o fantasma da guerra fria. Mas alertava que, se o governo não mostrasse pulso – e não mostrava – tudo terminaria em um golpe militar.
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A esse clima, some-se o próprio desconforto com a inflação e com as políticas econômicas erráticas de Jango. Ora se afastava das bases, tentando se fortalecer junto aos setores tradicionais; quando dava-se conta das dificuldades, voltava para buscar apoio dos correligionários. Sem comando, as bases tomaram o freio aos dentes e passaram a radicalizar.
A radicalização culminou com o Comício da Central e com o manifesto dos marinheiros, que passou aos militares a sensação de quebra de hierarquia.
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Nenhum desses fatores está presente atualmente, nos níveis em que existiam naqueles tempos.
Em comum com aqueles anos, o fato da democracia ainda não ser um valor totalmente consolidado no país; a oposição ainda não ter desenvolvido um discurso competitivo.
Como diferença, um estamento militar mais legalista, e as novas formas de manifestação, através das redes sociais, diluindo as distorções do excesso de concentração na mídia.
Fonte: http://jornalggn.com.br/noticia/as-razoes-para-a-queda-de-jango