Foto: Paulo Cavalcanti
Por que o PT fica passivo diante dos ataques que sofre da mídia? Por que o partido não reage diante de óbvios vícios no chamado processo do mensalão? Por que não colocou em pauta a CPI da Privataria? Essa passividade foi meticulosamente construída para fazer da sigla uma máquina eleitoral eficiente, mas desfibrada para disputar a hegemonia na sociedade.
por Gilberto Maringoni, na Carta Maior
A passividade quase letárgica que o PT exibe nesses dias de ataques da mídia não é obra do acaso. É construção de mais de duas décadas, desde pelo menos o início dos anos 1990. Naquela ocasião, a direção do então Campo Majoritário decidiu que o partido precisaria se apresentar de forma mais moderada para ganhar o eleitorado de classe média e facções do empresariado em sua jornada para fazer de Lula presidente do Brasil.
Começou ali um processo de duas vias. De um lado, isolava-se a esquerda interna, tirando-a de postos de direção. De outro, tinha início uma paulatina moderação nas propostas programáticas. Não foi uma rota tranqüila. Houve expulsões de correntes – como a Convergência Socialista, em 1992 – e o episódio traumático da cassação da candidatura de Wladimir Palmeira a governador do Rio, em 1998.
A postulação do então deputado federal pela sigla jogava areia numa articulação maior, que visava fazer de Leonel Brizola vice na chapa de Lula. Para tanto, o PDT reivindicava Antony Garotinho na cabeça de chapa estadual.
No terreno programático, temas como renegociação da dívida externa ou estatização do sistema financeiro deram lugar à Carta aos Brasileiros, em 2002, que advogava o cumprimento estrito dos contratos firmados pelos governos tucanos.
Como tática eleitoral, a moderação e o transformismo foram um sucesso. O PT cresceu em número de votos pelo país. Mas começou a ficar perigosamente parecido com os demais.
Rebeldia como problema
A expansão da máquina partidária e a profissionalização de parte da militância como funcionários de prefeituras e governos de estado, ao longo desses anos, acentuaram uma diluição tática. A rebeldia deixava de ser vista como fenômeno positivo e passara a ser encarada como ruído a ser removido do comportamento político coletivo.
A partir da eleição de Lula, em 2002, a passividade ganhou ares de grande sabedoria. “Agora somos governo e temos de ir com calma” e “olhem a correlação de forças” passaram a ser o fraseado corrente, a justificar a defesa e aprovação de propostas impensáveis à agremiação de anos antes, como a reforma da previdência, a lei de falências ou a entrada de capital externo nas empresas de mídia.
O partido paulatinamente deixou de disputar hegemonia na sociedade; passou a disputar apenas votos. Abandonou um projeto de poder – entendido aqui como projeto para dirigir o país – e tornou a conquista de pedaços do aparelho de Estado em sua atividade-fim. Nessa lógica de eleição a qualquer custo, o centro da atividade partidária passou a ser a constituição de governos de coalizão.
Coalizões amplas são necessárias para se potencializar a luta política e isolar adversários. Para o PT real, as coalizões tornaram-se úteis para a obtenção de maiorias parlamentares, mesmo que inimigos de outros tempos estejam abrigados sob o guarda-chuva da máquina pública.
O ambiente de pragmatismo a toda prova pauta a montagem do governo federal. Como a militância poderia investir contra a direita, se vários de seus membros mais ilustres, como Jorge Gerdau, Paulo Maluf, José Sarney, Michel Temer e outros estão abrigados sob as asas do condomínio governista?
Ambigüidades nas críticas
Os petistas não podem se rebelar contra o STF, por um motivo simples: quem nomeou oito dos 11 membros daquela corte foram os presidentes Lula e Dilma. Assim, atacar a cúpula do Judiciário — se a crítica for sincera — significa investir contra os responsáveis últimos por sua composição.
Tampouco os petistas podem ir muito fundo em suas investidas contra a imprensa, uma vez que o ministro Paulo Bernardo cuida zelosamente, na administração federal, para que nenhuma iniciativa sobre regulação dos meios de comunicação prospere no âmbito oficial. A ministra Helena Chagas, Secretária de Comunicação Social da Presidência da República, por sua vez, atua para que a presidenta conceda entrevistas exclusivas para a TV Globo e a revista Veja, entre outros, além de manter alentados contratos de publicidade governamental com esses e outros órgãos da grande mídia.
Para a mídia alternativa, o regime é na base do pão é água, em geral sem um e outro.
Os membros do Partido dos Trabalhadores, alem disso, não podem ir muito além da superfície na crítica à mola mestra dos governos FHC, as privatizações. O PT no governo vendeu estradas, aeroportos, bancos estaduais, empresas de telefonia (na gestão Antonio Palocci, em Ribeirão Preto) e se esmera nas parcerias com as Organizações Sociais (OSs), modalidade de privatização disfarçada, criada nas gestões tucanas.
Por isso, o partido – na figura do presidente da Câmara, Marco Maia – engavetou a CPI da Privataria, no início de 2012. Atacar os adversários equivaleria a se voltarem para as próprias responsabilidades na questão.
Indignação burocrática
Como tem agido a direção partidária? Não formula e não se defende. Justifica. Tenta explicar, num grande contorcionismo verbal, todas as ações do governo.
Isso não mobiliza e não incentiva a saudável rebeldia de outros tempos.
Assim, a cúpula petista construiu o partido que queria. Os vídeos com falas monocórdias, mas pretensamente indignadas, de Rui Falcão, presidente da sigla, nas últimas semanas, veiculados pelo site do partido, são o melhor retrato da inércia dirigente.
Não é de se estranhar, depois disso tudo, que nem a popularidade recorde do governo – motivada por políticas positivas de aumentos do salário mínimo e expansão do crédito — incentive as lideranças a mudarem de posição e irem à luta. Tais iniciativas são positivas, mas parecem estar batendo no teto. Os serviços públicos seguem deficientes e não há no horizonte propostas de mudanças na estrutura do Estado.
O raciocínio que se vê entre petistas é algo como “com todos os ataques, Lula e Dilma seguem em alta”. Ou seja, “não se mexe em time que está apanhando”… (Apesar de tudo, a mídia de direita deve ser frontalmente combatida, o sistema financeiro tem de ser enquadrado e o STF deve ser denunciado. Que presidentes da república tenham mais responsabilidade na hora de compor o órgão máximo da Justiça brasileira).
Gilberto Maringoni, jornalista e cartunista, é doutor em História pela Universidade de São Paulo (USP) e autor de “A Venezuela que se inventa – poder, petróleo e intriga nos tempos de Chávez” (Editora Fundação Perseu Abramo).
por Gilberto Maringoni, na Carta Maior
A passividade quase letárgica que o PT exibe nesses dias de ataques da mídia não é obra do acaso. É construção de mais de duas décadas, desde pelo menos o início dos anos 1990. Naquela ocasião, a direção do então Campo Majoritário decidiu que o partido precisaria se apresentar de forma mais moderada para ganhar o eleitorado de classe média e facções do empresariado em sua jornada para fazer de Lula presidente do Brasil.
Começou ali um processo de duas vias. De um lado, isolava-se a esquerda interna, tirando-a de postos de direção. De outro, tinha início uma paulatina moderação nas propostas programáticas. Não foi uma rota tranqüila. Houve expulsões de correntes – como a Convergência Socialista, em 1992 – e o episódio traumático da cassação da candidatura de Wladimir Palmeira a governador do Rio, em 1998.
A postulação do então deputado federal pela sigla jogava areia numa articulação maior, que visava fazer de Leonel Brizola vice na chapa de Lula. Para tanto, o PDT reivindicava Antony Garotinho na cabeça de chapa estadual.
No terreno programático, temas como renegociação da dívida externa ou estatização do sistema financeiro deram lugar à Carta aos Brasileiros, em 2002, que advogava o cumprimento estrito dos contratos firmados pelos governos tucanos.
Como tática eleitoral, a moderação e o transformismo foram um sucesso. O PT cresceu em número de votos pelo país. Mas começou a ficar perigosamente parecido com os demais.
Rebeldia como problema
A expansão da máquina partidária e a profissionalização de parte da militância como funcionários de prefeituras e governos de estado, ao longo desses anos, acentuaram uma diluição tática. A rebeldia deixava de ser vista como fenômeno positivo e passara a ser encarada como ruído a ser removido do comportamento político coletivo.
A partir da eleição de Lula, em 2002, a passividade ganhou ares de grande sabedoria. “Agora somos governo e temos de ir com calma” e “olhem a correlação de forças” passaram a ser o fraseado corrente, a justificar a defesa e aprovação de propostas impensáveis à agremiação de anos antes, como a reforma da previdência, a lei de falências ou a entrada de capital externo nas empresas de mídia.
O partido paulatinamente deixou de disputar hegemonia na sociedade; passou a disputar apenas votos. Abandonou um projeto de poder – entendido aqui como projeto para dirigir o país – e tornou a conquista de pedaços do aparelho de Estado em sua atividade-fim. Nessa lógica de eleição a qualquer custo, o centro da atividade partidária passou a ser a constituição de governos de coalizão.
Coalizões amplas são necessárias para se potencializar a luta política e isolar adversários. Para o PT real, as coalizões tornaram-se úteis para a obtenção de maiorias parlamentares, mesmo que inimigos de outros tempos estejam abrigados sob o guarda-chuva da máquina pública.
O ambiente de pragmatismo a toda prova pauta a montagem do governo federal. Como a militância poderia investir contra a direita, se vários de seus membros mais ilustres, como Jorge Gerdau, Paulo Maluf, José Sarney, Michel Temer e outros estão abrigados sob as asas do condomínio governista?
Ambigüidades nas críticas
Os petistas não podem se rebelar contra o STF, por um motivo simples: quem nomeou oito dos 11 membros daquela corte foram os presidentes Lula e Dilma. Assim, atacar a cúpula do Judiciário — se a crítica for sincera — significa investir contra os responsáveis últimos por sua composição.
Tampouco os petistas podem ir muito fundo em suas investidas contra a imprensa, uma vez que o ministro Paulo Bernardo cuida zelosamente, na administração federal, para que nenhuma iniciativa sobre regulação dos meios de comunicação prospere no âmbito oficial. A ministra Helena Chagas, Secretária de Comunicação Social da Presidência da República, por sua vez, atua para que a presidenta conceda entrevistas exclusivas para a TV Globo e a revista Veja, entre outros, além de manter alentados contratos de publicidade governamental com esses e outros órgãos da grande mídia.
Para a mídia alternativa, o regime é na base do pão é água, em geral sem um e outro.
Os membros do Partido dos Trabalhadores, alem disso, não podem ir muito além da superfície na crítica à mola mestra dos governos FHC, as privatizações. O PT no governo vendeu estradas, aeroportos, bancos estaduais, empresas de telefonia (na gestão Antonio Palocci, em Ribeirão Preto) e se esmera nas parcerias com as Organizações Sociais (OSs), modalidade de privatização disfarçada, criada nas gestões tucanas.
Por isso, o partido – na figura do presidente da Câmara, Marco Maia – engavetou a CPI da Privataria, no início de 2012. Atacar os adversários equivaleria a se voltarem para as próprias responsabilidades na questão.
Indignação burocrática
Como tem agido a direção partidária? Não formula e não se defende. Justifica. Tenta explicar, num grande contorcionismo verbal, todas as ações do governo.
Isso não mobiliza e não incentiva a saudável rebeldia de outros tempos.
Assim, a cúpula petista construiu o partido que queria. Os vídeos com falas monocórdias, mas pretensamente indignadas, de Rui Falcão, presidente da sigla, nas últimas semanas, veiculados pelo site do partido, são o melhor retrato da inércia dirigente.
Não é de se estranhar, depois disso tudo, que nem a popularidade recorde do governo – motivada por políticas positivas de aumentos do salário mínimo e expansão do crédito — incentive as lideranças a mudarem de posição e irem à luta. Tais iniciativas são positivas, mas parecem estar batendo no teto. Os serviços públicos seguem deficientes e não há no horizonte propostas de mudanças na estrutura do Estado.
O raciocínio que se vê entre petistas é algo como “com todos os ataques, Lula e Dilma seguem em alta”. Ou seja, “não se mexe em time que está apanhando”… (Apesar de tudo, a mídia de direita deve ser frontalmente combatida, o sistema financeiro tem de ser enquadrado e o STF deve ser denunciado. Que presidentes da república tenham mais responsabilidade na hora de compor o órgão máximo da Justiça brasileira).
Gilberto Maringoni, jornalista e cartunista, é doutor em História pela Universidade de São Paulo (USP) e autor de “A Venezuela que se inventa – poder, petróleo e intriga nos tempos de Chávez” (Editora Fundação Perseu Abramo).
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