28/04/2012
A ALIANÇA DO PACÍFICO E A NOVA ESTRATÉGIA NEOCOLONIAL
Com a queda do muro de Berlim, vicejou a teoria, em meio a certos “pensadores” ocidentais – festejada e divulgada por diferentes grupos de comunicação - de que chegáramos ao “fim da história”, com a imposição definitiva do ideário neoliberal em um novo mundo, de permanente “Pax Americana”. Nesse período, que durou até a chegada do novo milênio, o Ocidente achou que poderia redividir o planeta e a Espanha alimentou, baseada em sua súbita e artificial prosperidade, o sonho neocolonial de promover nova reconquista no espaço geopolítico latino-americano.
Para
isso, a diplomacia e os ”think-tanks” espanhóis resgataram até mesmo um velho
termo, a “Íbero-américa”, um continente mítico que, começando nos Pirineus,
chegaria até a Terra do Fogo, englobando a Espanha, Portugal, México, a América
Central, e todos os países da América do Sul, até os limites do Estreito de
Magalhães.
Transformados,
de repente, em novos-ricos – esquecendo-se de que sua qualidade de vida assim
como o relativo poder de suas empresas advinha de bilhões de euros em ajuda da
União Européia para o desenvolvimento, repassada pela França e a Alemanha; e de
dinheiro barato, a juros baixíssimos, emprestado a seus bancos pelo Banco
Central Europeu - a Corte, os banqueiros, os políticos neo-liberais espanhóis e
os aventureiros de ocasião se lançaram, com o ânimo de um Cortez, ao saqueio da
América Latina.
O
estrangulamento da maioria dos nossos países pela inflação – e por dívidas
questionáveis -, e a ausência de iguais condições de acesso a crédito farto e
barato por parte do nosso empresariado levou ao maior processo de
desnacionalização da história.
Um
processo que foi trágico para a iniciativa privada, com a entrega de empresas
centenárias e de sua tecnologia para estrangeiros como aconteceu com a Metal
Leve, do saudoso José Mindlin, por exemplo. Mas que foi muito pior, e
particularmente nefasto, no setor público, no qual novos cruzados ibéricos como
Emilio Botin, do Santander, Antonio Brufau, da Repsol, Cesar Alierta, da
Telefónica e oportunistas como Gregorio Marin Preciado – alguns deles hoje
investigados por sonegação de impostos e lavagem de dinheiro - contaram com a
abjeta e interessada cumplicidade dos colaboracionistas de sempre para o
desmonte, esquartejamento e desnacionalização do patrimônio nacional e dos
nossos ativos estratégicos.
No
Brasil, está provado, hoje, que os excitados seguidores do Consenso de
Washington gastaram mais dinheiro (engordando as galinhas para a entrega às
raposas durante a “preparação” das estatais para a privatização) do que
arrecadaram, para o Tesouro, com os leilões dessas
privatizações.
Alegou-se
à época, que seria abatida a dívida pública, mas a relação dívida/PIB
praticamente dobrou em oito anos. Foi dito que o preço das tarifas ia diminuir
para o consumidor, mas em telefonia ou banda larga, por exemplo, pagamos,
segundo instituições internacionais, as mais altas faturas do mundo. Isso sem
falar, em primeiro lugar, da péssima qualidade dos serviços - que já levou à
proibição da venda do Speedy da Telefónica em São Paulo durante algum tempo.
Quem
quiser confirmar o extravagante e nocivo conteúdo da Lei Geral de
Telecomunicações - aprovada no governo FHC e voltada para penalizar o tempo todo
o consumidor - que se informe na ANATEL, ou tente resolver algum problema – por
telefone -com a sua operadora. A Lei prevê até mesmo orelhões que não “precisam”
completar chamadas interurbanas. E nem é necessário falar da propalada
universalidade de acesso à telefonia e à internet. Quem mora no interior, que se
habilite.
Outro
argumento da época era o da existência de “cabides de emprego” nas estatais.
Neste quesito, basta lembrar que Antonio Carlos Valente, Presidente da Vivo no
Brasil, foi um dos homens que comandou, desde o início, a privatização da
telefonia em nosso país, e um dos primeiros conselheiros da ANATEL - criada
justamente para fiscalizar seus futuros patrões. E que o genro do Rei da Espanha
- que, como entendido em telecomunicações é um excelente jogador de polo -
encontra-se “pendurado no cabide” no Conselho da Telefónica do Brasil, ganhando,
há muito tempo, dezenas de milhares de euros por ano.
A
farra privada com as estatais foi tão grande, e os ganhos tão fartos, que
Francisco Luzón, o “executivo” do Santander que comandou o processo de aquisição
do BANESPA, aposentou-se há poucos meses, levando para casa, como recompensa por
seu trabalho na América Latina, uma gratificação de 70 milhões de euros, ou a
módica quantia de 175 milhões de reais.
Na
telefonia, no petróleo, no sistema financeiro, a tática espanhola é investir o
mínimo e levar o máximo de lucro para a Europa. Se for preciso colocar dinheiro,
que outros o façam, como ocorreu com Santander Brasil, que quando precisou
levantou dinheiro no nosso próprio mercado com uma OPA : e com a Repsol do
Brasil que vendeu parte do capital para a SINOPEC chinesa.
Precisou
de recursos para cumprir sua obrigação: investir em expansão da infraestrutura,
por exemplo? Pegue-se com o BNDES, a juros subsidiados, como aconteceu como a
Vivo no ano passado que recebeu do nosso principal banco de fomento três bilhões
de reais emprestados. Sem deixar, nem por um momento, de enviar, para a matriz,
suas remessas de lucro de bilhões de euros por ano.
Pois
é, como dizem os italianos, tanto trovejou, que chove. A Argentina se cansou do
descaramento das empresas espanholas. Transformada - graças às privatizações -
de nação produtora em país importador de petróleo, resolveu retomar o controle
da YPF, Yacimientos Petroliferos Fiscales, desnacionalizada no governo
neoliberal de Carlos Saul Menem.
O
de Cristina Kirchner interveio na empresa na semana passada, destituindo os
“executivos” espanhóis da Repsol e trocou a segurança do prédio. Os bons moços,
como abutres, “secaram” os poços que encontraram funcionando quando compraram a
empresa, mandando os lucros para o exterior, sem arriscar um centavo de peso
para explorar novas reservas.
Com
um risco-país de quase 500 pontos, o povo espanhol se encontra acossado pela
desastrada situação em que o meteu a incompetência de sua elite dirigente. Mesmo
assim, a direita conseguiu se eleger, usando a xenofobia para colocar a culpa
não nos banqueiros, mas na imigração. E trata de ir, agora, ainda mais fundo
contra os cidadãos, retirando e ”flexibilizando” os direitos dos trabalhadores,
na saúde, na educação e no trabalho.
O
Governo do Primeiro-Ministro Mariano Rajoy - como o rato que ruge – ameaçou agir
com “contundência” e afirmou que a decisão da Presidente Cristina Kirchner
acarretará para a Argentina, “duras consequências”.
Como
a Itália, no caso Battisti, a Espanha pediu ajuda da Comunidade Econômica
Européia, que - com exceção de algumas declarações protocolares – lavou as mãos
e disse que não existem tratados que lhe permitam interferir no assunto, que
deve ser visto como uma questão bilateral. A mídia ocidental exerceu - com
alguns de seus representantes locais - seu direito de espernear. Em visita ao
Brasil, Hillary Clinton afirmou que a Argentina deve "justificar e assumir sua
decisão" e, coerente com a cantilena - tão desfiada e tão praticada pelos EUA -
de defesa do "livre mercado, lembrou que em energia e commodities a liberdade é
o melhor modelo de concorrência e de acesso aos mercado.
A
Espanha, no entanto, ficou decepcionada. Seu Ministro de Relações Exteriores
disse que esperava mais de seu "aliado" norte-americano, ao qual seu país tem
sido tão subserviente nos últimos anos, participando, entre outras coisas, de
operações militares na Líbia e da guerra do Afeganistão. E acabou reconhecendo o
fato de que os Estados Unidos, atualmente, "têm seus próprios interesses na
Argentina."
Com
23% de desemprego, um alto déficit em suas contas públicas, que a UE já
reconheceu que o país não conseguirá diminuir antes de 2017; uma dívida externa
de 165% do PIB (ado Brasil, por exemplo, é de 13%); 80% de dívida interna
líquida (a do Brasil é de 39%) e cerca de 35 bilhões de dólares em reservas
internacionais (as do Brasil são de mais de 10 vezes mais, ou 372 bilhões de
dólares); o governo espanhol está aproveitando o episódio da Repsol para tentar
desviar a atenção da opinião pública da crua realidade desses números.
Os
jornais tem apresentado, em seus editoriais, e na cobertura do fato, a
expropriação da empresa petrolífera como um insulto, uma traição à Espanha.
Assim como aconteceu no caso da adoção de medidas de reciprocidade - para a
entrada de cidadãos espanhóis no Brasil - por parte das autoridades brasileiras,
agora, na rede, grande número de internautas espanhóis prega que as empresas
espanholas demitam os seus empregados argentinos na Espanha. Alguns, também a
exemplo do conflito diplomático com o Brasil, exigem que se promova a expulsão
pura e simples de todos os imigrantes argentinos que vivem naquele país,
esquecendo-se da solidariedade argentina no século XX, e do fato de que mais
espanhóis vivem hoje na Argentina, do que argentinos na terra de Cervantes. Em
compensação, uma minoria se pergunta, ironicamente, quantos acionistas da Repsol
há entre os que estão defendendo a empresa nos fórums dos jornais e nas redes
sociais. Lembram que a Repsol, há muito, já não pertence ao povo ou a capitais
majoritariamente espanhóis; que no seu capital há participação chinesa; de
fundos de investimento dos Estados Unidos; e de "investidores" que enriqueceram,
de forma suspeita, nos "anos dourados" da entrada da Espanha na UE - e que
também são responsáveis pela crise em que se encontra mergulhado o país.
A
aparente indignação do governo espanhol, portanto, está dirigida não à defesa
dos interesses de sua nação ou do seu povo, mas de "investidores" privados.
Moral para questionar a decisão argentina, o Reino da Espanha não tem. Sua
constituição, no artigo 128, reza: "Toda a riqueza do país em suas distintas
formas e seja qual seja sua titularidade está subordinada ao interesse geral. Se
reconhece a iniciativa pública na atividade econômica. Mediante a lei se poderá
reservar ao setor público recursos ou serviços essenciais, especialmente em caso
de monopólio e, assim mesmo, acertar a intervenção em empresas quando assim o
exigir o interesse geral."
Com
decrescente influência na América Latina, se é que teve alguma influência
genuína nas últimas décadas, a Espanha busca aliados aonde pode. O Presidente
Felipe Calderón - por isso censurado por deputados da oposição - manifestou-se
em Cartagena, na Cúpula das Américas, e no "Fórum Mundial na América Latona, em
Puerto Vallarta, onde recebeu o Primeiro-Ministro espanhol, contra o
"protecionismo e as nacionalizações". No caso do "protecionismo" mandou um
recado ao Brasil, que exigiu a imposição de quotas para veículos "mexicanos",
depois da valorização do real com relação ao peso em 88% em dez anos, e também
depois que terceiros países passaram a mandar autopeças para juntá-las no México
para burlar as leis brasileiras e entrar em nosso mercado automobilístico, que
já é o quarto maior do mundo, sem pagar tarifas de importação.
O alerta quanto à "nacionalizações estava dirigido à Argentina. A Pemex mexicana
possui quase dez por cento da Repsol, e, com figuras como Carlos Slim, dono da
America Móvil e homem mais rico do mundo - o México foi o único país da América
Latina, além do Chile, que se aproveitou das privatizações na América do Sul,
nos anos 90.
México
e Espanha precisam muito mais do exterior do que o Brasil, cuja corrente de
comércio não chega a 13% do PIB. O fato de depender em mais de 90% do mercado
norte-americano para suas exportações, e de ser um país que, basicamente,
"maquila" - devido aos seus baixos salários - produtos destinados aos Estados
Unidos, limita a possibilidade do México de adotar, uma política de comércio
exterior verdadeiramente independente. E o mesmo acontece com a Espanha - que
teve suas "notas" novamente rebaixadas pelas agências classificadoras de risco
esta semana - que se submete, na economia e no comércio, às decisões e regras da
União Européia.
Fracassada
a tese da “ibero” América - a última cúpula “iberoamericana” realizada no final
do ano passado em Assunção, no Paraguay, brilhou pela ausência de 16 dos 22
presidentes convidados, que deixaram plantados a ver navios o rei Juan Carlos e
Zapatero - a Espanha, junto com os Estados Unidos, aposta, agora, na “Aliança do
Pacífico”.
A
intenção é usar o México para cooptar governos de corte mais neoliberal, como a
Colômbia e o Chile, para se contrapor, junto com o Peru, e observadores como
Panamá e Costa Rica, ao processo de integração continental capitaneado pelo
Brasil, em organismos como o Mercosul, a UNASUL e o Conselho de Defesa
Sul-americano.
Este
último movimento da estratégia neocolonial parece, no entanto, também estar
condenado ao fracasso. O presidente peruano Omanta Humalla não demonstra
entusiasmo pela iniciativa, lançada pelo seu antecessor, Alan Garcia, e já disse
que não vai participar da primeira cúpula presidencial do grupo, marcada para
junho deste ano, em Santiago do Chile.
Nenhum comentário:
Postar um comentário