O sonho do ouro volta a assolar o Pará; Victor Lopes conta o que sobrou da Serra
Pelada
Com a notícia de que ainda há 50 toneladas de metais preciosos
no subsolo de Serra Pelada, o sonho do ouro volta a assolar o sul do Pará. O
cineasta Victor Lopes conta o que sobrou da lenda do Eldorado brasileiro, um
lugar síntese do país com sua mistura de miséria e riqueza extremas
Raimunda tem 66 anos e foi uma das primeiras mulheres a entrar no garimpo de
Serra Pelada. Olhos vivos, mente ágil, na tarde quente a ex-garimpeira está
sentada na entrada de sua casa, a menos de 1 km da antiga cava. Uma casa típica
do sul do Pará, de madeira de castanheira, erguida sólida o suficiente para
resistir em pé e ser movida entre as chuvas, ou abandonada quando chegar a hora.
Nas paredes cor-de-rosa esmaecidas da madeira gasta, retratos e calendários se
misturam a galhardetes de campanha política.
Começo com a pergunta eleita para abrir quase todas as entrevistas, um
artifício a mais na construção do filme: “Qual foi a primeira vez que você ouviu
falar de Serra Pelada?”. E apareceu a primeira de três respostas que ninguém
esperava.
“A primeira vez que eu ouvi falar de Serra Pelada, foi eu que vim aqui em
sonho, voando, então eu cheguei naquelas terras acolá, cheguei em casa e falei
pra esse José Fragoso de Almeida, meu marido então: José eu fui num lugar assim
que é muito bonito, tem tanta serra... Aí ele disse assim, você tá ficando é
doida, e eu digo, não, eu ainda vou morar lá...”
Imagem: Antonio Venâncio
Dois garimpeiros, um deles coberto da lama de ouro preto, se preparam para receber a visita de João Figueiredo
Raimundo Benigno é presidente do Sindicato de Garimpeiros de Serra Pelada.
Ameaçado de morte há muitos anos, tem escolta constante de dois soldados, entra
e sai da vila sempre em segredo. Durante a pesquisa do documentário, depois de
dias de expectativa somos levados até ele, que chegou do nada algumas horas
antes. Sentamos na sala da casa de um parente e começamos a conversar. Depois de
alguns minutos, ele pede para fechar a janela atrás de mim, pois estamos ambos
na linha de tiro de pistoleiros que cercam a casa no morro em frente.
Continuamos a falar antes de os seguranças nos pedirem pra fazer a entrevista na
cozinha nos fundos da casa.
“Se a fé remove montanhas, nós removemos uma usando apenas os braços. Em
serra pelada, até as profecias bíblicas viram realidade”
“Em dezembro de 1979 eu tive um sonho, eu era estudante de direito em São
Paulo, não tinha nenhuma possibilidade de vir ao Pará, não conhecia, e tive um
sonho que eu estava numa montanha e vi três poços profundos e que eu achava que
era diamante na época, brilhando. Nas primeiras imagens de Serra Pelada em que
eu vi aquele buraco, eu falei: ‘É meu sonho’. Em março de 1980, eu larguei a
faculdade, larguei tudo que eu tinha em São Paulo e vim viver esse sonho.”
José Raimundo é conhecido como Índio do MST, nome que usa em sua carreira
política. Ele nos recebe no acampamento 17 de Abril, fundado com este nome por
sobreviventes do massacre de Eldorado dos Carajás, a cerca de 40 km de Serra
Pelada. Dos 19 sem-terra assassinados na curva do S em 1997, 16 eram
ex-garimpeiros de Serra. Pergunto novamente: “Qual foi a primeira vez que você
ouviu falar de Serra Pelada?”.
“Eu sonhei com o garimpo. Quem vê pensa que eu tô mentindo, mas é verdade, eu
sonhei com esse garimpo, sonhei com tudo, toda a estrutura do garimpo, eu
sonhei.”
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