terça-feira, 24 de abril de 2012

China brasileira

No mês passado, depois de décadas de confrontos entre as várias partes interessadas na exploração de Serra Pelada, o sonho do ouro voltou a frequentar o imaginário dos garimpeiros. A Coomigasp (Cooperativa dos Garimpeiros de Serra Pelada) deu entrada ao pedido de concessão de lavra para explorar o subsolo da área. Associada à multinacional canadense Colossus, a cooperativa iniciou o processo oficial de reabertura da mina, agora para extração mecânica, apoiada num relatório de sondagens que identificou ao menos 50 toneladas de ouro, paládio e platina. A partir do acordo com os garimpeiros em 2007, as ações da Colossus tornaram-se blue chip (ações de “primeira linha”) nas bolsas de Toronto e Nova York e seguem em alta no momento em que o metal, puxado pela crise e pela queda do dólar, atinge seu maior preço no mercado internacional.
Se Serra Pelada definhou desde o fechamento da mina, a região à sua volta viveu as mutações do progresso. O que era floresta virgem há 40 anos hoje está tomado de pasto e cidades erguidas no trilho da mineração, numa das maiores províncias minerais da Terra. Na esteira da expansão da Vale, o Sul do Pará foi batizado de “China brasileira” por seus índices de crescimento anual acima de 10% nos últimos 15 anos. Prédios, bairros e cidades aparecem e aumentam sem parar. As previsões de investimento da Vale na região para os próximos anos chegam a US$ 40 bilhões , puxando indústrias paralelas e perspectivas de progresso, que se aliam à perspectiva de pacificação nos históricos conflitos agrários da região.

Imagem: Breno Santos
Foto rara do começo das escavações do morro da Babilônia, em 1980
Foto rara do começo das escavações do morro da Babilônia, em 1980

Aqui, no rumo inverso da história, gente de todo o Brasil, mas principalmente nordestinos, migra para longe do litoral e das capitais rumo a outras fronteiras e futuros na Amazônia. De 1980 a 1986, no coração da selva amazônica, 115 mil homens garimparam quase 100 toneladas de ouro e transportaram nas costas uma montanha de 150 m de altura. Como diz um dos personagens do documentário, “se a fé remove montanhas, em Serra Pelada nós removemos uma montanha usando só os braços. Aqui, até profecias bíblicas se tornam realidade!”.
E Serra Pelada se transformou num lago de 140 m de profundidade, criado depois que as escavações atingiram o lençol freático e tornou-se inviável bombear a água para a continuação do garimpo manual.
A montanha que virou lago, uma incrível simetria, abrupta passagem de céu e terra, fenda de sonhos sempre cercada de miséria, disputas e lendas durante os últimos 40 anos. Como diz Ricardo Kotscho, que foi o primeiro jornalista a entrar no garimpo, “Serra Pelada era uma redução do Brasil e um dos raros lugares síntese da história recente do país”. Um lugar de riqueza profunda, na terra e nos homens, em que terra, ouro e água se misturam a mito e história, real e imaginário, poder, delírio, poesia, violência e superação.

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