China brasileira
No mês passado, depois de décadas de confrontos entre as várias partes interessadas na exploração de Serra Pelada, o sonho do ouro voltou a frequentar o imaginário dos garimpeiros. A Coomigasp (Cooperativa dos Garimpeiros de Serra Pelada) deu entrada ao pedido de concessão de lavra para explorar o subsolo da área. Associada à multinacional canadense Colossus, a cooperativa iniciou o processo oficial de reabertura da mina, agora para extração mecânica, apoiada num relatório de sondagens que identificou ao menos 50 toneladas de ouro, paládio e platina. A partir do acordo com os garimpeiros em 2007, as ações da Colossus tornaram-se blue chip (ações de “primeira linha”) nas bolsas de Toronto e Nova York e seguem em alta no momento em que o metal, puxado pela crise e pela queda do dólar, atinge seu maior preço no mercado internacional.
Se Serra Pelada definhou desde o fechamento da mina, a região à sua volta
viveu as mutações do progresso. O que era floresta virgem há 40 anos hoje está
tomado de pasto e cidades erguidas no trilho da mineração, numa das maiores
províncias minerais da Terra. Na esteira da expansão da Vale, o Sul do Pará foi
batizado de “China brasileira” por seus índices de crescimento anual acima de
10% nos últimos 15 anos. Prédios, bairros e cidades aparecem e aumentam sem
parar. As previsões de investimento da Vale na região para os próximos anos
chegam a US$ 40 bilhões , puxando indústrias paralelas e perspectivas de
progresso, que se aliam à perspectiva de pacificação nos históricos conflitos
agrários da região.
Imagem: Breno Santos
Foto rara do começo das escavações do morro da Babilônia, em 1980
Aqui, no rumo inverso da história, gente de todo o Brasil, mas principalmente
nordestinos, migra para longe do litoral e das capitais rumo a outras fronteiras
e futuros na Amazônia. De 1980 a 1986, no coração da selva amazônica, 115 mil
homens garimparam quase 100 toneladas de ouro e transportaram nas costas uma
montanha de 150 m de altura. Como diz um dos personagens do documentário, “se a
fé remove montanhas, em Serra Pelada nós removemos uma montanha usando só os
braços. Aqui, até profecias bíblicas se tornam realidade!”.
E Serra Pelada se transformou num lago de 140 m de profundidade, criado
depois que as escavações atingiram o lençol freático e tornou-se inviável
bombear a água para a continuação do garimpo manual.
A montanha que virou lago, uma incrível simetria, abrupta passagem de céu e
terra, fenda de sonhos sempre cercada de miséria, disputas e lendas durante os
últimos 40 anos. Como diz Ricardo Kotscho, que foi o primeiro jornalista a
entrar no garimpo, “Serra Pelada era uma redução do Brasil e um dos raros
lugares síntese da história recente do país”. Um lugar de riqueza profunda, na
terra e nos homens, em que terra, ouro e água se misturam a mito e história,
real e imaginário, poder, delírio, poesia, violência e superação.
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