terça-feira, 23 de dezembro de 2008

F E S T A D A S L U Z E S



Tereza Halliday

(Artesã de textos)


O milagre foi assim: o templo, lá na Judéia, havia sido profanado por invasores. Graças a Judas Macabeu e seus irmãos, os hebreus conseguiram botar o exército greco-sírio para correr. Está na Bíblia: Livro I, Macabeus. Depois da profanação, o templo precisava ser purificado e re-consagrado. A cerimônia ocorreu na noite do 25º dia do mês de Kislev, no calendário hebraico. Era o ano 165 a.c. Naquela noite, só havia um tiquinho do óleo de oliva sagrado, combustível bastante para manter a chama do Templo acesa apenas por um dia. Mas a candeia luziu milagrosamente por oito dias. Narrativas de milagres consolam a Humanidade sofredora desde o começo do “ouvi contar...”

O milagre da multiplicação do azeite e a vitória dos resistentes judeus sobre seus opressores são comemorados até hoje nas sinagogas e residências dos que mantêm as tradições judaicas. Em belíssimo candelabro de nove hastes – a menorah - oito velas são acesas sucessivamente, a cada dia. A quinta vela, no centro, chamada “a servidora”, é usada para acender as demais. Segundo a tradição, o lampadário deve ficar perto de uma janela ou porta aberta, “a fim de divulgar o milagre”. Quitutes, cantos, doação de moedas às crianças e troca de presentes realçam o evento, nutrido pela memória ancestral. É a Festa das Luzes - Hanukkah ou Chanukah (pronuncia-se ranucá). O termo significa inauguração, consagração, ato de dedicar. O dicionário Houaiss o registra aportuguesado: chanucá.

A Festa das Luzes sempre acontece no mês de dezembro do calendário cristão. Em 2008, começou no dia 21. Não é por acaso que as celebrações de Hanukkah e do Natal de Jesus (não confundir com o natal das lojas) combinem suas alegrias numa mesma época. O cristianismo é cria do judaísmo. Como todas as crias, cresceu e assumiu idéias próprias. Jesus era judeu de quatro costados, com formação judaica. Sua última ceia (considerada, na simbologia cristã, o momento da instituição da Eucaristia) era a ceia da Páscoa Judaica, que ele, como bom judeu, celebrava. Maria, sua mãe, reverenciadíssima pelos católicos, era judia, do time das mulheres fortes que a precederam: Rute, Judite, Ester. Os doze primeiros apóstolos eram todos judeus.

Não dá para os cristãos negarem suas raízes judaicas. E os judeus podem orgulhar-se de que um dos seus, Jesus de Nazaré, pregando amor, compassividade e concórdia, tornou-se a maior celebridade de todos os tempos, com o mais alto status perante Deus e os que vieram a chamar-se “cristãos”. Em visita à França este ano, o papa Bento XVI afirmou: “Quem é anti-semita, é anticristão”. Acrescento: e vice-versa.

Impossível não encantar-se com estas duas celebrações dezembrinas: Chanucá e Natal. Que, a cada ano, o clarão da menorah e o lume da Estrela de Belém se reencontrem. O mundo está muito precisado de um mutirão de Luz.

Fonte: Diário de Pernambuco, 22/12/2008, p.A-11

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