• Uma das histórias que mais gosto do ex-governador Jaime Lerner (que entre outras qualidades tem um incrível senso de humor) é a que conta que ao visitar um tio seu, já no leito de morte, recebeu um último valioso e experiente conselho: “meu filho, tome cuidado com a mulher com quem você for se casar, porque é a mesma de quem um dia você vai se separar”.
• O conselho é tão bom que é daqueles que não devia ser dado, mas vendido. E se aplica muito bem a esse tempo de casamento entre partidos, as chamadas coligações, tão em discussão agora, que incluem nas conversas a escolha dos candidatos a vice-prefeito. Por isso eu digo: “candidato, tome muito cuidado com o vice que você vai escolher na sua chapa, porque é o mesmo com quem você um dia terá que fazer campanha e com quem você poderá até governar no futuro”.
• É que muitas vezes a escolha do vice leva em consideração apenas as acomodações partidárias do momento, sem pensar na realidade que virá pela frente. E acontece de candidatos precisarem aceitar vices a quem, por exemplo, nem conhecem, mas que são impostos pelo partido que vai coligar. Como a adesão do outro partido pode ser fundamental naquele momento, seja por conta do aumento do tempo de TV, da força da sigla ou porque quebra alguma perna do adversário, acaba se aceitando. É como um casamento arranjado sem que ambos sequer tenham convicção religiosa ou social para isso. Um dia a casa cai. E tudo o que o parecia qualidade na jovem mulher, quer dizer, no candidato a vice, revela-se motivo para pesadelo.
• Ainda na campanha, uma regra básica é que vice não dá voto, mas pode tirar. Pense bem: ninguém vota em vice. Ou muito pouca gente. “Ah, acho o candidato X muito melhor, mas vou votar naquele incompetente do candidato Y, apenas porque a vice dele é mulher”. Isso não existe. Ou se existe é em clusters muito fechados, pouco significativos para o total da votação. No mundo da política, candidatos a vice que agregam são em geral os que trazem apoios importantes de lideranças políticas, de bairro, de classe ou religiosas ou apoio financeiro. Mas isso é o mundo da política.
• No mundo da comunicação, agregam aqueles vices que são diferentes do candidato, mas não a ponto de criar uma contradição, o que seria o pior cenário: candidato evangélico com vice que faz apologia do casamento gay, por exemplo. Achou um absurdo? Pois eu já vi candidato convicto de que isso soma. “Se eu sou uma coisa e ele é outra, todo mundo vai votar na gente”. É ao contrário. Ou você é uma coisa, ou você é outra e as pessoas vão votar por causa disso ou apesar disso. Unanimidade a partir de armação é que não existe. Tem que ter lado. Porém se o vice for igual ao candidato, não cria caldo. O que não quer dizer que não seja bom para a administração. Porque campanha é campanha, governo é outra coisa.
• Voltando à comunicação: para nós o melhor vice é o que agrega no discurso, complementando atributos. Exemplo: candidato a governador com atuação na capital e candidato a vice do interior. O candidato a vice terá a função de acalmar o interior, mostrando que no governo da dupla todas as cidade terão vez. Outro: candidato a prefeito sem muito curriculo e candidato a vice com atuação comprovada. Com isso a gente consegue resgatar a atuação do vice e colar no candidato, tranquilizando as pessoas sobre o fator experiência, permitindo que elas justifiquem: “ah, ele tem uma turma boa pra ajudar”. Mais: candidato obreiro, vice da área social; candidato do legislativo, vice do executivo; homem e mulher; laico e religioso; experiente e jovem; e por aí afora.
• Problema mesmo é candidato que tira voto. Aquele que quer aparecer a todo custo e começa a criar confusão fazendo pressão, dando entrevista, alimentando fofoca, gerando crise. Ou aquele que tem problemas com a Justiça, com o Tribunal de Contas, com o passado em geral. Tem também, e muito, aquele vice escolhido pra perder, que não seria o mesmo se fosse pra ganhar. Isso acontece quando o candidato não era o favorito inicialmente mas vai para o segundo turno acompanhado daquele vice-mala. Daí é que surgem os problemas e daí é que fica mais difícil trocar o vice problemático.
• O melhor é nem aceitar vice complicado. Se aceitar, reconhecer o erro e mudar de idéia o mais rápido possível, de preferência antes do horário gratuito começar ou antes do início do segundo turno. Romper namoro é mais fácil que romper noivado que é mais fácil que se divorciar que é menos complicado do que se separar com filho, casa e papagaio. Porque vai ficando cada vez mais difícil, ao longo da campanha, a substituição, especialmente porque a uma certa altura não é tão fácil achar alguém que esteja disponível, que queira, que tenha ficha limpa, que seja filiado aos partidos da coligação, que abra mão de outro mandato etc. Drama maior ainda é quando o comando político não sabe que decisão tomar, se o vice sai, se o vice fica, e o sujeito lá no purgatório, sendo responsabilizado sozinho por uma derrota que nem era tão somente dele. Ou então aquele que consegue se segurar, é eleito, e aí sim é que começa a criar os verdadeiros problemas, não tendo a compreensão daquela máxima de que vice é apenas expectativa de poder.
• Meu conselho é que, se tiver dúvida, escolha o que atrapalha menos agora e no futuro. Alguém por acaso lembra do senador Marco Maciel nos programas de TV do presidente Fernando Henrique Cardoso? Pois ele foi eleito vice-presidente duas vezes, exerceu dois mandatos e não criou uma única dificuldade, pelo contrário. Vices como o dr. Marco todo mundo procura, pouquíssimos acham e esse caso até é um lugar comum, mas inevitável. Desculpa aí, mas vasculhei a minha memória e muitos exemplos não achei. Em compensação, vices que deram problema formam uma lista impublicável, de tão grande.
• Vamos falar mais sério ainda: se o projeto do candidato for saltar desta eleição para outro cargo num futuro próximo, tem que planejar quem vai ser o sucessor com muita calma. Isso pode acontecer até sem projeto, que a gente não sabe quais planos o destino traça para nós. É duro, mas vice assume também em caso de impedimento, morte. Não é problema seu? É sim, ô líder de meia pataca (eta expressão antiguinha essa).
• Em resumo: se você for o candidato, muita atenção nessa época de coligação. E dois últimos conselhos, estes sem valor de venda, por isso dados de mão beijada: tome cuidado com os neófitos, que política é coisa pra profissional; finalmente, examine friamente a história do seu vice, incluindo caráter, honestidade, vaidade, independência, ambição, personalidade forte, família complicada, tendência a traição e a mudar de lado. O que hoje contribui com o seu esquema político, um dia poderá se voltar contra você.
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Vice qualquer coisa
Você saberia me dizer, o que é, ou para que serve um vice?
Vice é aquele que não é!
Ainda há uma palavra pior do que vice. É o sub. Sub é deprimente. Vice é mais chic. No fim, nenhum dos dois é nada. De qualquer forma, vou falar de vice, pois me parece a posição mais ridícula que uma pessoa pode assumir na vida.
O vice é quase uma profissão. Ele é, seguramente, aquele que quase chegou lá, que é pago para não fazer, não falar, não aparecer: um tapa-buraco profissional.
Já pensou se Deus tivesse um vice? Bem no caso teriam de ser três inúteis: um para o Pai, outro... Anjo não poderia ser. Homem ou mulher, muito menos, por falta de estofo de divindade. Bicho também não. Haveria de ser criada uma espécie nova de ser: um não ser. Virtudes, qualidades, compromissos, para quê? Afinal, se a pessoa do vice deve ser invisível, mudo, cego, inodoro, para que votar neles, para que conhecê-los? Dera que alguém lembra do vice de César, de Alexandre, de Napoleão, mesmo os mais modernos, o vice do Lula, do Evo, do Chaves, da turminha do Miammar?
Mas são caros. Valem quase tanto quanto um presidente em termos de peso ao erário nacional. O salário? Ali, bonitinho. Às vezes alguns querem falar, mas, como criança em roda de gente grande, um olhar, um retire-se, pronto; quem sabe, talvez cumprindo suas funções, nem aparece. Vice não é gente. Nem feto. Explico-me. Um feto é alguém num amanhã, muito breve. Um vice não é nada nunca.
E, às vezes, quando chega a vez de assumir, está tão pouco afeito ao trabalho, ou tão satisfeito com sua nulidade, que alega impedimento regimental, e não assume.
Por que tê-los?
Por que pagá-los?
¨****
(O Peregrino
Publicado no Recanto das Letras em 26/05/2008Código do texto: T1005475 )
Fonte: http://recantodasletras.uol.com.br/ensaios/1005475
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