CELSO AMORIM
OS BRICS estão na moda. A sigla, criada por analistas financeiros, estava associada sobretudo ao impacto que o grupo formado por Brasil, Rússia, Índia e China tem -e terá cada vez mais- na economia global. Com quase metade da população mundial, 20% da superfície terrestre, recursos naturais abundantes e economias diversificadas em ritmo sustentado de crescimento, era natural que fossem considerados grupo de indiscutível peso econômico, equivalente hoje a 15% do PIB mundial.
Diante da desaceleração da economia norte-americana e das incertezas que se afiguram à evolução do comércio e das finanças internacionais, os Brics têm contribuído para manter nos trilhos a economia mundial. É caso exemplar da capacidade de países "não ricos" de mitigar possíveis efeitos de uma crise que se origina principalmente no mundo desenvolvido.
Agora, os quatro países decidiram ampliar a agenda de atuação conjunta. Buscam se fortalecer politicamente como um bloco que ajude a equilibrar e democratizar a ordem internacional deste início de século.
A convite do chanceler da Rússia, Sergei Lavrov, participei em Ecaterimburgo, em 16 de maio, da primeira reunião ministerial dos Brics, com meus colegas Pranab Mukherjee e Yang Jiechi. O encontro diz mais sobre a multipolaridade do que quaisquer palavras.
Os Brics são um exemplo de como países com culturas diversas podem se unir em torno de projetos comuns em favor da paz, do multilateralismo e do respeito ao direito internacional.
A convergência que soubermos cultivar, sem prejuízo da pluralidade de pontos de vista, deverá reforçar a ação dos quatro em diversas instâncias e foros multilaterais.
As Nações Unidas são o único espaço político que incorpora todos os diferentes sistemas de valores. Há consenso entre os Brics de que é fundamental levar a bom termo um processo abrangente de reforma da ONU, de modo a mantê-la no centro da ordem mundial que desejamos. Postergar indefinidamente a reforma, inclusive a do Conselho de Segurança, agravará o risco de erosão de sua autoridade.
Na OMC, a articulação que Brasil, China e Índia já desenvolvem no âmbito do G20 mostra o potencial desse tipo de cooperação.
Acolhemos o futuro ingresso da Rússia na OMC como fator positivo na evolução do sistema multilateral de comércio.
Devemos também continuar promovendo a reforma e a atualização das instituições financeiras internacionais. O assunto será abordado em novembro, na reunião dos ministros da Economia dos Brics, proposta pelo Brasil.
Lembremos, ainda, o diálogo entre o G8 e o G5, em que os Brics estão presentes dos dois lados da mesa. Ao mesmo tempo em que têm interesse na estabilidade econômica e na expansão das trocas, sem barreiras injustificadas ao comércio ou aos investimentos, os Brics compartilham o desejo de ver suas visões refletidas nos debates sobre os grandes temas da agenda internacional, como o combate à fome e à pobreza, a segurança energética, a mudança do clima e a promoção do desenvolvimento.
A perspectiva de nossos países é fundamental para fazer avançar a discussão de alguns temas globais e a própria governança mundial.
O acesso a recursos naturais, com todas as suas implicações econômicas e geoestratégicas, parece tornar-se cada vez mais crucial na agenda internacional.
Entre os quatro encontram-se dois países que figuram entre os maiores supridores de recursos naturais do mundo, especialmente energéticos, Brasil e Rússia, e dois dos maiores consumidores, China e Índia. O mesmo poderia ser dito, "mutatis mutandis", sobre a questão da segurança alimentar. Discussões entre os quatro em áreas como essas podem ser tão ou mais relevantes do que os próprios debates no âmbito do G7.
É grande o potencial para cooperação em áreas de tecnologia avançada. No plano comercial, Rússia, China e Índia já importam quase US$ 16 bilhões em produtos brasileiros.
O fato de criarmos novas associações não diminui a importância de outras alianças que o Brasil tem construído no governo Lula. É o caso do foro de cooperação com a África do Sul e a Índia, das cúpulas América do Sul-países árabes e África-América do Sul. É sobretudo o caso do processo de integração em nossa região, que ganhou impulso com a recente assinatura do tratado da Unasul.
Os Brics têm um objetivo claro, no contexto dessas coalizões de geometria variável. Sem arroubos nem bravatas, chegou a hora de começar a reorganizar o mundo na direção que a esmagadora maioria da humanidade espera e precisa.
CELSO AMORIM , 66, diplomata, doutor em ciências políticas pela London School of Economics (Inglaterra), é o ministro das Relações Exteriores.
Fonte: www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz0806200807.htm
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