domingo, 16 de setembro de 2007

DOMINGO MEMORIOSO


Domingo Memorioso publica, hoje, a carta que Luiz Leite da Nóbrega Filho, nascido em Ipaumirim, enviou ao seu pai por ocasião da sua convocação para Segunda Guerra Mundial. Para identificação dos mais jovens, Luiz Leite foi o primeiro médico filho de Ipaumirim. Formado pela Faculdade de Medicina da Bahia, em 1948, dedicou-se à saude pública. Casado com Alaís Lócio, natural de Bodocó - PE, teve quatro filhas: Tereza Cristina, Verônica, Elizabeth e Ana Cristina. Para identificação dos mais jovens, é irmão de Maria Eunice Nóbrega de Morais, a única entre os filhos de Luiz Leite da Nóbrega que ainda reside em Ipaumirim.




Recife, 18 de setembro de 1944.

Papai
Meus afetuosos e desvaraidos sentimentos de pujantes saudades.

Pai: disse alguém que o homem tem consigo mananciais inexauríveis de fortalecimento moral e hercúleo. Estou neste dilema: Transformando de uma maneira exótica o meu eu, que se encontra indiferente às coisas terrenas, e procurando de qualquer forma retemperar o espírito e o corpo, perfeitamente intacto para enfrentar as borrascas e os grandes aluviões.
Meu pai, aqui quem vos fala não é o filho de seu sangue; é mais alguma coisa: É o filho que, num impulso de perplexidade, oferece em holocauto à pátria redimida o seu diminuto ser, transformando-se em Centauro, deixando a gleba adusta e sofredora que é o Ceará, levado pelo destino procurando, destarte, “morrer ou viver” gloriosamente, honrando as tradições de uma raça gigante, imperecível pelo denodo, pela desenvoltura , pelo destemor que é tão peculiar ao nordestino, especialmente ao caboclo rijo de têmpera de aço dos nossos sertões.
Mas, a vida é assim, meu pai.
O meu ser faz indizível questão de tornar público e notório aos homens de minha terra o juramento que fiz diante do sacrossanto pavilhão auriverde do Brasil.
Esta carta deve ser lida e vivida por todos vós, porque aí se vão os meus pensamentos, as minhas glórias de estudante, os meus desvelos e os meus vinte e poucos anos de existência, que na hora presente foram oferecidos ao Brasil, no mais santo dos deveres e sacrifício.
Eis, portanto, as minhas palavras escritas nas ultimas horas em terras brasileiras com os olhos voltados para tão distante rincão, vendo na sucessão dos dias e das noites a minha ausência que se tornará presente um dia, quando talvez sublimado do próprio solo ou das próprias cinzas surja imperecível na memória dos meus ancestrais.
Irei contrito salvaguardar uma honra e uma tradição.
Recebam, portanto, esta missiva com ufania, sem entristecimento, porque o filho que está prestes a partir, para os campos ensangüentados da velha Europa, voltará um dia, formando uma parcela de moços devotados à causa da Liberdade e da Justiça.
Esta carta foi ditada dos recônditos da minha alma, numa madrugada lúgubre, em que os primeiros albôres da alvorada apresentavam um uníssono conserto e harmonia extasiada diante do homem que conhece a sua situação privilegiada de ir combater nas refregas insaciáveis de sangue e ódio.
E outras madrugadas surgirão mais nítidas e menos lúgubres, nos destinos dos verdadeiros heróis de uma nacionalidade que partiram glorificados pelos homens e pelo solo que os viu nascer. E neste dilema parto eu, indiferente ao mundo e às coisas, num esforço sobrenatural, oferecendo minha dádiva de heroísmo aqueles que tombarão em defesa da pátria.
Beijos nos manos.
A mamãe um afetuoso beijo do filho.
Um cordial abraço do filho que pede a benção.
(a) Luiz Leite da Nóbrega Filho, cabo expedicionário – 14. R.I
Socorro – Pernambuco.

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