O mito da classe média explorada I: Bolsa-Família Pobre, Bolsa-Família Classe-Média e Bolsa-Família Milionária
Um espectro ronda os condomínios brasileiros: o espectro dos impostos. Toda a sociedade deve ser unir a essa jornada: do papa Francisco a Edir Macedo, de Aécio Neves a Eike Batista, de José Serra a José Dirceu, da Família Marinho a Daniel Dantas.
Que partido, ao propor um imposto para financiar a saúde ou a educação, não foi acusado de antilibertário, castrador e déspota. Que partido de oposição, por sua vez, não lançou a seus adversários de direita ou de esquerda a pecha infamante de explorador?
Toda a história da humanidade pode ser resumida na luta do Estado versus cidadão explorado, espalhada hoje na vadiagem dos pobres não pagadores de impostos sustentados por políticas públicas financiadas com dinheiro público oriundo de impostos e a classe média explorada pagadora religiosa de impostos. Assim foi entre os aristocratas atenienses e os escravos vagabundos, entre os patrícios e os ociosos dos plebeus que não sustentavam o senado, entre o barão e o imbecil preguiçoso do servo. Toda a história da humanidade pode ser resumida na luta entre o Estado opressor e o indivíduo oprimido, na qual a opressão se expressa pelo pagamento de impostos.
Se fosse um manifesto que procurasse sintetizar sua visão de mundo, o acima poderia, talvez, expressar o teor das reivindicações da classe média. A classe média parte do seguinte pressuposto: ela é a classe (sic!) verdadeiramente explorada, que paga seus impostos; portanto, o explorador é o Estado (sic!). As outras classes (sic!) não são exploradas, seja porque são ricas e não precisam trabalhar, seja porque são pobres e não pagam impostos, sobretudo imposto de renda. Então, como tsunami, ela se volta com ódio mortal aos impostos diretos, sobretudo o Imposto de Renda, o IPTU e o IPVA, alegando que são impostos que ela majoritariamente paga, transformando-se em pilar de sustentação do corrupto Estado brasileiro.
Com um maniqueísmo típico, ela relaciona a pujança dos congressistas com os impostos, alegando que é ela que os sustenta. Ainda por cima, volta-se para as políticas sociais, alegando também que é ela que sustenta todo esse desperdício. Mas, para chegar a essas conclusões estúpidas, ela elimina muitos e muitos conceitos e constatações que não permitiriam, com um mínimo de rigor lógico, obtê-las. Para chegar a essas conclusões, ela se faz a classe mais ignorante da composição social brasileira.
Vamos analisar alguns tópicos:
1º Classe média não sabe nada de carga tributária.
Ao contrário do que boa parte da classe média pensa, ela paga poucos impostos. E não falo comparando com a média dos países ricos, quando ela alega que lá, pelo menos, há serviços de qualidade – o que revela que, no fundo, ela só quer pagar o que “consome”, como shopping center.
Falo comparando com outros segmentos populacionais da sociedade brasileira. Grande parte da carga tributária brasileira é fruto de impostos indiretos, que são aqueles que estão na cadeia produtiva e compõem o preço da mercadoria, já que nenhum burguês que se preste fica com esta conta na medida em que pratica altivamente a política da socialização dos prejuízos. Os impostos indiretos são pagos por qualquer pessoa quando compra qualquer mercadoria ou serviço. Estima-se que 48% a 50% da arrecadação brasileira ocorram através de impostos indiretos, o que significa que todos, independente da classe ou segmento, pagam a conta, porque todos consomem. Enquanto isto, os tributos diretos representam cerca de 28% da carga tributária brasileira.
2º Classe média não sabe nada da distribuição da carga tributária brasileira.
Como o consumo consiste em 50%, em média, da composição de gasto da família brasileira, o pagamento de impostos indiretos passa a significar grande parte da receita do Estado. Entretanto, quanto menor a renda familiar, maior a incidência do consumo sobre ela, fazendo com que, proporcionalmente, essa família pague mais impostos indiretos comparados com famílias com maior renda. Ou seja, o problema não é o pobre que não paga imposto, porque ele paga, mas o rico que paga pouco, pois o comerciante, industrial ou prestador de serviços transfere os seus impostos para o preço da mercadoria.
Segundo dados da Receita Federal, uma família com renda de até R$ 400,00 destina 57,85% para habitação (aqui tem IPTU, pois o dono da imobiliária ou o cedente faz o cidadão pagar em parcela destacada no começo do ano ou embute no preço do aluguel, o que desmente a ideia segundo a qual pobre não paga imposto direto), 45,34% para alimentação (impostos indiretos), 11,81% para transporte (impostos indiretos), 8,28% para vestuário (impostos indiretos) e 6,26% da renda com despesas com saúde (impostos indiretos, já que grandeparte destina-se para medicamentos inexistentes na rede pública de saúde ou automedicação). Reparou que não há espaço orçamentário para lazer? (recomendo a leitura - AQUI - do documento: "Carga Tributária no Brasil")
Peguemos o ICMS. Enquanto que o ICMS incide sobre a renda familiar monetária em famílias que recebem até R$ 400,00 em 11,08%, em famílias com renda acima de R$ 6.000,00 o mesmo tributo incide 6,03%. Algo parecido ocorre com o PIS e Cofins e IPI, ainda que este seja mais igualitário, o que é também um problema quando se pensa que sistema tributário justo é aquele que, à luz da equidade e igualdade, trata desiguais de forma desigual. Bem, então a classe média partiria para uma defesa ferrenha de uma reforma tributária que cobre mais dos ricos, taxando renda e fortuna desonerando produtos, sobretudo aqueles ligados ao consumo imediato, qual seja, alimentação, habitação e vestuário simples? Não, ela defende ferrenhamente a diminuição da carga tributária, em alguns casos a extinção de impostos, taxas e contribuições, como foi o caso da CPMF.****Ela confronta a sua moral e bom costume contra qualquer política de assistência a trabalhadores pobres e miseráveis, afirmando que ela, explorada, está sustentando vagabundo que não sabe votar. Bem, por que ela faz isto?
Aqui é uma mistura de ignorância, preconceito e autopreservação. Analisando sucintamente os valores despendidos dos impostos pelo Estado brasileiro, chegamos à constatação que muito do que é arrecadado é direcionado para pagamento de juros e rolagem da dívida pública.
Mas o que isso significa? Significa que metade da média dos trabalhos dos brasileiros (PIB) é direcionada para pagamento de dívida e juros para os poucos que possuem títulos da dívida pública. Mas quem são os detentores de títulos da dívida pública? Famílias milionárias. Contabiliza-se algo em torno de 20 mil clãs, segundo o IPEA, que se apropriam de 70% dos juros pagos pelo Estado, com garantia de superávit primário de 5 a 6 % do PIB subscrita em programa econômico oficial, em contraposição aos 11 milhões atendidos pelo Programa Bolsa-Família, que resume seus parcos recursos a 1% do PIB brasileiro.
Diante disto, proponho, sintetizando as indicações de Leonardo Sakamoto, que chamemos o pagamento de títulos da dívida pública de Bolsa-Família Milionária, e o pagamento do programa governamental a famílias trabalhadoras de baixa renda de Bolsa-Família Pobre.
Mas façamos um esforço maior para compreender o absurdo da coisa. Agrupemos todas as políticas públicas que, em tese, são direcionadas ao trabalhador – digo em tese porque, além da corrupção, há PPP, projetos duvidosos, como o TREM BALA, que não é para quem para em Capão Redondo e sim em Higienópolis, programas elitistas de Ciência e Tecnologia, onde hoje grande parte vai para inovação em multinacionais e suas prestadoras de serviço, isenção de impostos como programas sociais, como bolsas de estudo em entidades privadas de todas as etapas de ensino e Planos de Saúde, retirando investimento de escolas públicas e SUS e direcionando dinheiro público para escolas privadas e planos privados, etc.etc.etc..
Agrupemos as seguintes áreas: Ciência e Tecnologia Gestão Ambiental, Saneamento, Habitação, Urbanismo, Direitos da Cidadania, Cultura, Educação, Saúde, Trabalho, Assistência Social, Segurança Pública, Transporte e Desporto e Lazer. Por ora, vamos retirar a Previdência Social, que corresponde a, aproximadamente 19% do PIB. Somando todos os investimentos, chega-se a bagatela de 10,8 % do PIB. Somando com Previdência Social (lembrando que o grosso pago é de funcionários públicos federais, algo distante dos que recebem programas sociais), chega-se a 29% do PIB. Muito abaixo dos 47% de amortização (que não existe, pois a dívida só cresce, o correto seria rolagem) e pagamento de juros da dívida pública. Sim, o pagamento de juros e o tal do superávit primário superam todos os anos o investimento em saúde e educação, como pode ser visto em 2011 e 2012 e provavelmente em 2013, que possui uma previsão de 42% do PIB para pagamento de juros e amortização da dívida, algo em torno de R$ 900 bilhões.
Chega-se a conclusão de que a classe média não é contrária a políticas de distribuição de renda, mas tão somente ao programa Bolsa-Família Pobre, pois destila seu ódio tão unicamente a esse programa de distribuição de renda. O Bolsa-Família Milionária é fruto de desejo da família de classe média, quando já não participa da jogatina da bolsa de valores com seus parcos títulos do BB. Almejam entrar no clã dos herdeiros do programa Bolsa-Família Milionária, o qual “distribuiu” em 2008 R$ 162 bilhões quando o Imposto de Renda arrecadou na fonte-salário R$ 50 bilhões e um total de R$ 190 bilhões.
Segundo o IPEA, uma família que recebe menos do que dois salários mínimos, para o mesmo ano de 2008, teve que trabalhar 197 dias para pagar impostos (mais do que seis meses cara pálida), ao passo que quem recebe mais do que 30 salários mínimos teve que trabalhar 106 dias (pouco mais do que três meses). Em tese, um pobre trabalha praticamente duas vezes mais do que um playboy para pagar o fisco, mesmo não tendo que pagar, formalmente, imposto direto. Então, por que o ódio ao Bolsa-Família Pobre?
3º Classe média é hipócrita porque adora uma renúncia fiscal
Pagar imposto direto seria ótimo para uma política tributária mais justa, pois permitiria construir um sistema mais justo em que os mais ricos pagassem mais. Entretanto, no Brasil, pagar imposto direto, mesmo com todas as reclamações, é bom, mas não para o Estado Brasileiro, e sim para o contribuinte que consegue pagar imposto de renda e pagar menos impostos indiretos. Como o sujeito pode abater quase tudo na declaração e ainda consegue a restituição do Imposto de Renda, o Imposto de Renda transforma-se em uma boa política de fomento para muitos setores privados (e privatizados). Assim sendo, no Brasil o Imposto de Renda não é um dever, mas um direito obrigatório, mais ou menos como o voto.
Direito por que o sujeito vê parte de sua renda usada para fins privados voltar para o seu bolso. Quando o Estado restitui um plano de saúde ou a mensalidade de escola particular, fomenta-se o mercado privado da saúde e da educação. Veja, há pessoas que compram um plano privado de saúde ou pagam a mensalidade de escola privada porque sabem que o governo vai depositar em sua conta parte do que foi gasto. Contudo, esse dinheiro que cai na conta do consumidor vai para o bolso do plano de saúde e do dono da escola privada, como ocorre hoje com o subsidio dado às empreiteiras com o Minha Casa Minha Vida. Na prática, é subsidio.
No ano de 2011, esse subsídio a todos os setores que imaginar, segundo o IPEA, perfez R$ 137 bilhões. Em Imposto de Renda de Pessoa Jurídica foram R$ 28 bilhões, enquanto que para Pessoas Físicas foram R$ 16 bilhões. Se você colocar no bolo isenções como IPI, Igrejas etc.etc., a coisa passa dos R$ 300 bilhões. Só com plano de saúde, estima-se isenções na ordem de R$ 16 bilhões, um quarto do orçamento do Ministério da Saúde – sem contar também a dificuldade do SUS de restituição dos Planos de Saúde para tratamentos mais caros, uma vez que eles empurram sem dó para o SUS. Como isso passa pela classe média para que ela gaste em setores privados, os quais ela quer distância daqueles prestados pelo Estado (serviço público), proponho que chamemos de Bolsa-Família Classe-Média.
A restituição faz parte da política de “distribuição” de renda constituída pelo Estado brasileiro, sem a qual setores privados (e privatizados) diminuiriam sua margem de lucro e aumentariam o valor dos convênios e mensalidades. Essa política ajuda a induzir a classe média a fugir do serviço público. Ah, já sei, a classe média vai para o setor privado porque o setor público é ruim. Errado. Ela vai para o setor privado e piora o serviço público porque retira orçamento dele com indução do Estado, comprometido com a margem de lucro dos planos de saúde e escolas privadas.
Quem sabe minimamente de História da Educação sabe do comprometimento histórico do Estado brasileiro com as escolas privadas. Quem acompanha os jornais, sabe que Dilma, no começo do ano, bem antes das manifestações de junho, propôs a universalização dos planos privados a baixo custo com subsídio estatal nos moldes do Tea Party. O lobbydesses setores é fortíssimo, são grandes financiadores de campanha (Sobre o assunto, leia - AQUI e AQUI ) .
Ah, restituição não é bolsa, é restituição, como o próprio nome diz. Mas veja, se o Bolsa-Família Pobre é fruto de impostos, taxas e contribuições, e se sabidamente grande parte da arrecadação vem dos impostos indiretos, e se sabidamente grande parte dos impostos indiretos são pagos pelos trabalhadores pobres, então é justo tratar o Bolsa-Família Pobre como restituição também, porque o mecanismo é o mesmo. Pagaram impostos e tiveram parte dos impostos restituídos. Mas como ninguém trata o Bolsa-Família Pobre como restituição, e sim como bolsa, então é razoável também que tratemos a restituição do Imposto de Renda como Bolsa-Família Classe-Média.
Recentemente, houve a notícia de que 1,6 milhões de famílias devolveram, voluntariamente, os cartões por considerarem que não necessitam mais do programa, pois ultrapassaram o valor de R$ 140,00 por indivíduo. Façamos uma média de que, por ano, uma família do Bolsa-Família Pobre receba R$ 1.000,00. Digamos que uma pessoa receba uma restituição com o mesmo valor. Será que ela devolveria? Nunca ouvi falar. Devolver restituição de imposto de renda ou desistir dela na elaboração da declaração ninguém quer... ou se existe, estou convicto que são casos não chegam a 1 milhão de pessoas. Leia - AQUI
4º Todo mundo fala do impostômetro, mas e o sonegômetro?
A sonegação de impostos, segundo o sonegômetro, pode chegar a R$ 415 bilhões em 2013. Isto equivale a - Mais que toda arrecadação de Imposto de Renda (R$ 278,3 bilhões). - Mais que toda arrecadação de tributos sobre a Folha e Salários (R$ 376,8 bilhões). - Mais da metade do que foi tributado sobre Bens e Serviços (R$ 720,1 bilhões). - 5.156.521 ambulâncias; - 1.441.319 postos de saúde equipados; - 8.647.916 postos policiais equipados; - 12.456.996 salários anuais de policiais (SP); - 30.079.710 salas de aula; - 20.377.006 salários anuais de professores do ensino fundamental (piso MEC); - 612.241.888 salários mínimos; - 1.241.699.072 cestas básicas; - 2.986.330 ônibus escolares; - 4.010.628 km de asfalto ecológico; - 18.672.964 carros populares (Fiat Mille Economy 2p); - 13.836 presídios de segurança máxima; - 143.137.931 iphone 5 (16Gb); - 11.860.000 casas populares (40m²); - 16.000.000 de bolsas família por 31 anos (básico R$70,00). Leia - AQUI
Bem, quem sonega imposto? É aquele que paga impostos indiretos? Não, não tem jeito, está embutido no preço da mercadoria. Quem sonega é aquele que paga tributos diretos, seja Pessoa Física ou Jurídica. Então façamos o cálculo político. Pobre paga imposto indireto, que é o que compõe a maior parte da carga tributária; pobre proporcionalmente paga muito mais imposto e, portanto, trabalha mais dias, mais do que seis meses para dar conta do fisco; pobre não paga imposto direto, o qual ainda permite a restituição de parte e a sonegação para quem paga (por isso que no Brasil é um direito obrigatório, e não um dever); e o problema é o Bolsa-Família Pobre? O Bolsa-Família Classe-Média é ignorado pela classe média por questão de hipocrisia e pelos milionários por interesse de subsídio a setores privados (e privatizados), e o Bolsa-Família Milionária também o é por questão de hipocrisia pelos milionários e pela classe média explorada que sonha em pertencer ao seleto grupo.
Aqui é um ponto interessante, porque a classe média se junta com os burgueses ricaços, que, abraçados à distância, voltam a raiva e ódio aos trabalhadores pobres. A explicação é simples. É muito mais fácil e óbvio odiar o que você não quer ser do que você quer ser, almeja e sonha todos os dias fazendo gracinha para o chefinho em busca de uma progressão na carreira. Odiar o pobre, ter frêmito de prazer ou bocejo de indiferença quando um grupo de extermínio mata pobre e preferencialmente preto – “É tudo bandido!” –, é consequência lógica de quem tem horror a proletarização, como bem lembra Marilena Chauí (ver vídeo - AQUI).
Mas não é só isso. Os direitos sociais, como saúde, educação e transporte, por exemplo, a classe média os obteve nos últimos 20 anos de forma privada, ainda que com qualidade para lá de duvidosa. Ela compra esses direitos sociais. Quem é da década de 1990 vai se lembrar. Quando da onda das privatizações, era comum ouvir, além da ineficiência inerente do setor público, que o mesmo deveria existir somente para quem não conseguisse ter renda suficiente para ter acesso ao mesmo serviço oferecido pelo setor privado. O que está implícito? O setor público é apenas um ente subsidiário do setor privado mais eficiente. Assim, serviço público é coisa pobre para pobre, porque ele deveria estar na rebarba das políticas estatais, dimensionadas prioritariamente pelas agências reguladoras.
Como a classe média conseguiu alçar vôo no Plano Real para ter acesso aos direitos sociais de forma privada, o setor público transformou-se em algo a ser evitado, inclusive na sociabilidade mais rasa que se possa imaginar – entre uma praça e um shopping para um passeio familiar, advinha qual é a escolha? A praça de alimentação –. Qual foi a consequência? Além de transformar o privado em espaço precípuo de sociabilidade, recrudescendo o individualismo, retirou pessoas das fileiras de luta por melhoria do setor público. Então, a questão na década de 1990 não era melhorar a educação pública, a saúde pública e o transporte público, porque foram substituídos pela saúde privada, a escola privada e o carro individual moderno privado em oposição às carroças de Collor. A questão era ter acesso individual a esses direitos.
Nesse sentido, qualquer imposto é visto como uma barreira para a consecução individual dos direitos mercantis. A CPMF foi um grande exemplo. Para quem tem saúde privada, o imposto é uma excrecência. Daí o entendimento de que estaria financiando algo para os outros, pecado mortal da contemporaneidade. Juntou-se a esse sentimento a necessidade de a burguesia eliminar um instrumento razoavelmente eficaz de rastreamento de movimentações financeiras “atípicas”, e o trabalho foi feito.
De forma mais abrangente, qualquer medida que modifique as regras desse jogo é vista como um ataque do Estado à individualidade, metamorfoseada em individualismo. Observe o caso da regulamentação das empregadas domésticas, cuidadoras e babás. Esse caso mostra algo latente na sociedade brasileira, que é a anulação de qualquer medida que modifique as regras do jogo, mesmo que sejam regras do continente que todos têm por estima como exemplo de civilidade e até de Civilização e que as práticas a serem eliminadas remontem práticas escravagistas. Logicamente que essa característica da sociedade brasileira é intensificada pelo fosso da desigualdade social.
A Professora Fúlvia Rosemberg possui uma argumentação da qual gosto muito. Em sociedades mais igualitárias, onde a diferença entre os mais ricos e os mais pobres é pequena, pagar uma empregada, com salário mínimo, consiste em pobreza imediata. Se um alemão recebe 5.000 euros, mas o salário mínimo, digamos, é de 3000 euros, sobram para ele 2.000 euros, menos do que o empregado e o salário mínimo. Como a diferença entre os mais ricos e os mais pobres no Brasil é imensa, isso faz com que se constituía um mercado de prestação de serviços inúteis de trabalhadores sub-remunerados para quem possui renda, parecido com o Brasil-Colônia, pautado na ojeriza ao trabalho manual. Como a classe média pode pagar por uma babá, por exemplo, para cuidar de seus filhos, ela não coloca na ordem do dia o atendimento público de escolas públicas de educação infantil, porque a mãe trabalha normalmente e esse serviço está a contento, ainda que não seja profissional com um professor. Isso explicaria por que as creches somente agora estão sendo expandidas, por que não foram colocadas ontologicamente na ordem do dia do movimento feminista brasileiro, mais direcionado historicamente a questões sobre o corpo.
Estúpida que acha que pedir um chá à empregada às 10h00m da noite é
“direito”. Peguei a foto menos chocante, porque a cara dela está
desfigurada por botox. Leia - AQUI.
Faz sentido. Se você oferece uma educação privada ao seu filho, por que lutar por uma escola pública de qualidade (mesmo sendo um professor de escola pública)? Se você possui um plano de saúde privado, por que lutar por uma saúde pública de qualidade (mesmo sendo um médico ou enfermeiro de posto público)? Pode até lutar, mas sempre será no nível da solidariedade e do voluntarismo, o que é relevantíssimo, mas não é ontológico. Sob uma visão mais solipsista, pagar imposto transforma-se em um entrave para o “crescimento pessoal”, mensurado pelo aumento da capacidade de consumo, o que inclui aquilo que seriam direitos sociais e constitucionais.
A única coisa que a classe média não conseguiu obter de forma privada foi segurança, muito em função dos custos e do monopólio flexibilizado do Estado, sobretudo para os milionários nos condomínios de alto padrão, o que explica as visões mais fascistas sentidas atualmente, como o apoio velado e explícito a grupos de extermínio e redução da maioridade penal. Quando se analisa o caso do governo estadual paulista, isso é mais grave, pois, além da xenofobia bandeirante já naturalizada, como o governo estadual privatizou quase tudo (estradas e rodovias), municipalizou a educação e entregou a saúde para Organizações Sociais (OS), não sobrou quase nada para o governador governar de forma direta, a não ser as polícias, especialmente a militar, o que resultou na militarização das questões sociais. Na prática, os governadores paulistas transformaram-se em comandantes das polícias, explicando as suas aparições quase que diárias em programas policiais.
Faz sentido. Se você oferece uma educação privada ao seu filho, por que lutar por uma escola pública de qualidade (mesmo sendo um professor de escola pública)? Se você possui um plano de saúde privado, por que lutar por uma saúde pública de qualidade (mesmo sendo um médico ou enfermeiro de posto público)? Pode até lutar, mas sempre será no nível da solidariedade e do voluntarismo, o que é relevantíssimo, mas não é ontológico. Sob uma visão mais solipsista, pagar imposto transforma-se em um entrave para o “crescimento pessoal”, mensurado pelo aumento da capacidade de consumo, o que inclui aquilo que seriam direitos sociais e constitucionais.
A única coisa que a classe média não conseguiu obter de forma privada foi segurança, muito em função dos custos e do monopólio flexibilizado do Estado, sobretudo para os milionários nos condomínios de alto padrão, o que explica as visões mais fascistas sentidas atualmente, como o apoio velado e explícito a grupos de extermínio e redução da maioridade penal. Quando se analisa o caso do governo estadual paulista, isso é mais grave, pois, além da xenofobia bandeirante já naturalizada, como o governo estadual privatizou quase tudo (estradas e rodovias), municipalizou a educação e entregou a saúde para Organizações Sociais (OS), não sobrou quase nada para o governador governar de forma direta, a não ser as polícias, especialmente a militar, o que resultou na militarização das questões sociais. Na prática, os governadores paulistas transformaram-se em comandantes das polícias, explicando as suas aparições quase que diárias em programas policiais.
Ação na Cracolândia.
A questão da distribuição tributária no Brasil deve ser compreendida para além dos números. Ela deve ser entendida como a síntese das mazelas sociais, políticas e culturais, expressão moderna de um estado perpétuo de injustiça mesmo para uma visão estritamente republicana. Oxalá às manifestações tenham trazido um ar diferente para todo esse jogo. Agora, é preciso fazer com que esse ar rume para uma política tributária que promova justiça aos injustiçados, porque são eles que sustentam o Bolsa-Família Classe-Média e o Bolsa-Família Milionária.
A questão da distribuição tributária no Brasil deve ser compreendida para além dos números. Ela deve ser entendida como a síntese das mazelas sociais, políticas e culturais, expressão moderna de um estado perpétuo de injustiça mesmo para uma visão estritamente republicana. Oxalá às manifestações tenham trazido um ar diferente para todo esse jogo. Agora, é preciso fazer com que esse ar rume para uma política tributária que promova justiça aos injustiçados, porque são eles que sustentam o Bolsa-Família Classe-Média e o Bolsa-Família Milionária.
Fonte:http://oobservatoriodascoisassemsentido.blogspot.com.br/2013/08/o-mito-da-classe-media-explorada-i.html
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