quarta-feira, 10 de agosto de 2011


NO TEATRO, ME DÁ VONTADE DE FAZER UMA CARETA PRA PLATÉIA E DIZER: O QUE É QUE VOCÊS ESTÃO ME OLHANDO

JAGUAR.Dizem que ele fez o filme com a intenção de apanhar você de novo.
LEILA. Não foi não. Não acredito. Foi uma coisa que o Domingos precisava botar pra fora. Realmente ele gostava de mim ainda, estava me querendo ainda – mas eu sabia que era melhor a gente ficar separado porque se a gente ficasse separado, agente tava salvando um amor. Isso pode ser bonito demais mas é verdade. Tanto é que salvou: a gente ainda se ama mas se estivesse junto, estava dando porrada um no outro, estava se odiando.

SERGIO. No filme, você também é uma professorinha. Além disso, foi criado algum outro elemento biográfico no filme?
LEILA. Mil coisas. Domingos usou troços paca. Coisas da vida da gente, fases da gente. No fundo, eu acho que foi por isso que o filme teve sucesso. Tudo que é muito fundo da gente, muito verdade da gente, funciona e passa, seja (*) ou não. Não tem nada a ver com isso mas agora eu me lembrei do Zé Mauro Vasconcelos. Está vendendo paca e eu resolvi comprar aquele Frei Abóbora da vida e ler. O negócio ta sendo aceito paca, você tem de saber por que. No início, achei chato, aquele negócio de Deus. Misticismo é um negócio que me cansa, acho porreta pros outros , mas não consigo entrar nessa. Mas depois eu vi que tem um negócio tão forte dentro do cara que deve ser verdade pra ele – e por isso passa pras pessoas. “Todas as Mulheres do Mundo” tem isso: é um filme ingênuo, uma história de amor que inclusive acaba bem, mas que tem muita verdade, de coração, de útero, do estômago e etc. E saiu. A gente se deu porrada paca pra fazer.

SÉRGIO. Aquela festinha de aniversário no final, era o ideal da vida de vocês, do Domingos e sua?
LEILA. Seria, se a gente continuasse casado, tudo bacana. Meu, não foi tanto é que eu me mandei e não fiquei casada com ele. Se fosse eu estava lá e tinha sete filhos.
Não tenho nenhum. Mas tem muitas coisas: aquela festa de Natal, por exemplo. Eu nunca tinha ido à festa de Natal; detesto. Eu não conhecia Domingos, conhecia só de Teatro Jovem, aquela badalaçãozinha. Eu soube que tinha um cara dando uma festa de Natal pros amigos , sem mãe, nem avó, nem tia chorando e resolvi ver. Cheguei às oito da noite, e perguntei: É aqui que tem uma festa de Natal? Nunca tinha visto o cara, não é? Ele estava evidentemente sozinho, que festa de Natal não começa às oito da noite, ele disse: tem mas não é agora, é depois, todo mundo vai à ceia com os pais depois vem pra cá. Eu disse: ah bom, se é assim vou ficar aqui e esperar. Ele disse: te legal, eu vou sair, depois volto. Aí ele saiu, foi pra casa da mãe dele e eu fiquei, embrulhando os presentes dos amigos dele. Mais tarde, começou a festa e nós nem nos vimos. Ele galinhou com todo mundo, eu galinhei com o mundo, não teve nada. A gente simplesmente se encontrou. Ás seis da manhã, eu inteiramente de porre dormindo numa poltrona, ele estava inteiramente de porre dormindo no chão. Como estávamos dormindo os dois, resolvemos dormir juntos.

JAGUAR. Como diz a Zsu-Zsu Vieira, aconteceu o inevitável.
LEILA. É: o inevitável. Passamos o dia de Natal (*). Então, ele botou a festa de Natal no filme, mas de outra forma, mais bonitinha talvez – sei lá.

SÉRGIO. E você se casou de novo, depois com alguém? JAGUAR. Quantos casos você já teve, depois da separação?
LEILA.Casos mil; casadinha nenhuma. Na minha caminha, dorme algumas noites, mais nada. Nada de estabilidade.

TARSO. O que você acha do Domingos como diretor?
LEILA.Acho excelente. Principalmente como diretor de ator.

TARSO. Ele não é meio água-com-açúcar?
LEILA.Não, pô! Eu conheço o Domingos tanto. O que as pessoas não vêem nele, eu vejo. É difícil você falar de uma pessoa com quem você viveu. Você vê mil trecos que os outros não vêem. Agora: eu acho que o Domingos ainda tem muita coisa que ele precisa botar pra fora. E está, nos filmes dele, entende? Daqui a uns tempos, ele vai estar do rabo, vai ter botado pra fora uma porção de coisas.

JAGUAR.Você há viu o último filme dele?
LEILA.Ainda não. Vou ver esses dias. Diz que é muito triste. Agora, como diretor de ator, o Domingos é excelente. Não tem melhor. Eu não conheço. Domingos dirige ator sensacionalmente, porque ele é muito humano, muito gente, então lê pega no que você tem pra dar, usa aquele negócio, te ajuda…É do rabo. Você viu o Hamilton em “Edu Coração de Ouro”? Eu disse: Domingos, o Hamilton é um cara que tem troço paca pra dar. Ele disse: deixa eu ver, tem esse papel que ele pode fazer. Usou o Hamilton como ator e ele está bem pra (*) no filme, não está?

JAGUAR.Ele queria que eu fizesse o papel de padre
LEILA. E deve estar certo.

JAGUAR.Vamos a uma comparação: você diria que o Domingos é o José Mauro Vasconcelos do cinema brasileiro?
LEILA.Vai a (*) que te (*). Não tem nada a ver. O Domingos é mais bacana.

JAGUAR. O que você achou de trabalhar com o Nelson Pereira dos Santos?
LEILA.Nélson é a doçura da minha vida, amor, carinho, tudo mais.

JAGUAR.Em relação ao aspecto de direção de atores que você falou do Domingos.
LEILA. Acontece que eu não vejo só isso pra trabalhar com o cara. O Nélson como diretor de ator é fogo. Quando eu fui fazer “Fome de Amor”, eu fui muito prejudicada na primeira metade do filme. Eu estava esperando ser dirigida como eu estava acostumada e o Nélson não é de dirigir ator. Ele te usa mesmo. Depois que a gente entra na dele, aí a gente fica sabendo o que fazer. A gente diz: estamos aí, você abre o coração, as pernas, os braços e vai. Acho que assim é que tem de ser. Acho que o Nélson é o diretor de cinema mais lúcido, mais maduro e mais inteligente do Brasil. Porque tem uma (*) experiência, é muito inteligente, sabe das coisas paca e não envelheceu. Você vê: vários diretores da época dele envelheceram. Nélson, não: ele renova, é uma pessoa muito aberta. Trabalhar com ele é muito difícil, muito perigoso. Ele põe você comendo grama e você inventa em cima disso e aí ele usa ou não. Eu acho que em “Fome de Amor”, eu fiz um dos meus melhores papéis.

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