sexta-feira, 16 de outubro de 2009

PARAISO PERDIDO

"Bate a enxada no chão,
limpa o pé de algodão
Pois pra vencer a batalha,
É preciso ser forte, valente, robusto
e nascer no Sertão"
(Algodão, Luiz Gonzaga)

Com a perda repentina de meu pai, pouco é dizer que as promessas de prosperidade para a família Matias Rolim derruíram por completo. Tivemos que arrostar sacrifícios imprevistos por pelo menos uma década, numa insuperável corrida de obstáculos. Foi um duro aprendizado que, só à distância, posso contemplar como força acrisoladora do nosso caráter em formação.
Mas, como explicar que, do dia para a noite, tenhamos entrado a conviver com a penúria?
Antes de tudo, convém lembrar que, naqueles tempos, sobretudo no meio rural, não se falava em escrita contábil organizada. O tradicional borrador recebia as anotações das contas de credores e devedores. Esses, últimos, em especial, raramente deixavam comprovante escrito dos débitos assumidos, até mesmo porque, sendo amigos ou achegados ao círculo familiar, era normal se acertarem com Mestre Matias mediante a contratação de serviços ou com a troca de cereais.
Além disso, meu pai com certeza sofrera pesados reveses nos seus dois últimos anos de vida. Em 1924, impressionado, como outros muitos, com a devastação da seca do 15, o velho Matias deu exagerada crença à uma “profecia” que chamava a atenção para a outra grande seca que estaria às portas. Chefe de numerosa família e responsável pela assistência a muita gente no Melão, ele se pôs a comprar e armazenar um estoque de farinha nunca visto. 1924, ao contrário do que se esperava, trouxe um inverno dos mais férteis. Foi total o prejuízo. A farinha mofou, aos bolões, no depósito.

Já em 1925, o caso do algodão. A expectativa pela nova safra elevou os preços do produto ao patamar de 20 mil réis a arroba, ainda na folha. Era neócio para arrebentar a praça, de fazer perder o juízo. Uns venderam o gado que tinham, outros penhoraram a propriedade por valores ridículos. A ordem era conseguir dinheiro e aplic-alo na compra de algodão. Mestre Matias, embora não tenha feito ousadias de comprometer-se irremediavelmente, não deve ter sido exceção a essa “febre do ouro branco”, dado o bom nome de que desfrutava. Seria impossível prever que o algodão deveria ser entregue a firmas com André Fernandes & Cia., em Mossoró, ou Higino Rolim, em Cajazeiras, a apenas cinco mil réis a arroba. À época da colheita, os preços oficiais caíram 300%.
Se meu pai continuasse vivo, teria certamente encontrado saída para a difícil situação a que as circunstâncias o levaram. Com o seu desaparecimento, porém, ocorreu que a corrida dos credores, no afã de receberem as suas contas, se deu na velocidade contrária à dos devedores em se quitarem com D. Dosanjo.
Minha mãe, além de não dominar maiores detalhes sobre o andamento dos negócios, estava nos últimos meses de gravidez. Acossada por tanta gente voraz, tratou de vender os próprios pertences para honrar a memória do marido. Restou-lhe a pequena propriedade do Melão, que ela teve de dividir com os dozes herdeiros de Matias Duarte Passos.

Do livro Do Miolo do Sertão
A História de Chico Rolim contada a Sebastião Moreira Duarte
pag. 15 a 17

Fonte:
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Eu consegui comprar o livro. Hoje, o entregador do sebo ficou de vir deixar em minha casa.

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