quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Poder e poesia

John F. Kennedy (1917 - 1963)
Robert Frost (1874 - 1963)

Quando John F. Kennedy tomou posse como Presidente dos Estados Unidos, em 1961, convidou um dos grande poetas do seu tempo, Robert Frost, para discursar na cerimonia.

Frost, que já tinha, na altura, 87 anos, compôs um poema magnífico para a ocasião. Levava-o escrito num papel quando subiu ao púlpito montado nos enormes jardins em frente ao Capitólio, onde costuma decorrer a inauguração presidencial. Intitulava-se “Dedication” e começava assim: “The glory of a next Augustan age...”, A glória da próxima Era Augusta...

Mas Frost não leu o poema que escrevera de propósito para aquele momento que todos acreditavam ser o início de um novo capítulo na História da América, na História do Mundo. Não conseguiu.

O sol saiu de repente de trás de uma nuvem, e brilhou, em frente de Frost, tão intensamente, que o velho poeta não conseguia abrir os olhos. Após várias tentativas trémulas e falhadas de ler o que trazia escrito, desistiu. Meteu o papel no bolso. Optou por recitar outro poema, que tinha escrito noutra altura e conhecia de cor, ou que simplesmente inventou no momento. Nunca ninguém soube ao certo. Só se sabe que o recitou de olhos fechados, sem falhas nem hesitações, do princípio ao fim, como se estivesse a ler de um livro imaginário. Chamava-se “The Gift Outright” e começava assim:
“The land was ours before we were the land's.
She was our land more than a hundred years
Before we were her people. She was ours
In Massachusetts, in Virginia...”
A Terra era nossa antes de possuirmos a terra, era nossa mais de cem anos antes de sermos o seu povo, era nossa no Massachussetts, na Virgínia...
Kennedy seria assassinado dois anos depois, meses após a morte do próprio Frost. Tudo o que pudesse haver de profético no poema escrito e dedicado ao Presidente não se chegou a concretizar. Talvez por isso o poeta não o tivesse chegado a ler, dizem os adeptos de teorias conspirativas, que gostam de ligar Kennedy, a mafia, o Santo Graal, os extraterrestres... Talvez não tivesse chegado a altura.

“Dedication” acabava assim: “A golden age of poetry and power / Of which this noonday's the beginning hour". Uma idade de ouro de poder e poesia, de que é a hora primeira este meio-dia.

De cada vez que, nos EUA, termina um ciclo de um ou dois mandatos republicanos e um democrata regressa à Casa Branca, renasce a lenda da poesia e do poder. É um dos mitos mais antigos e recorrentes da História humana: o poeta que chega a uma instância de poder imenso, a união da força e da beleza, o Império do Bem.

Parece uma contradição, mas ao mesmo tempo parece fazer todo o sentido. E parece que chegou a altura. Nunca se desejou tão ardentemente essa utopia, mas nunca se foi tão céptico.

Talvez não estejam ainda reunidas as condições. Talvez o Mal não esteja satisfeito. Talvez seja mais prudente optar pelo mal menor. Talvez seja muito cedo. Talvez seja tarde demais.

Todos sabem que ainda não vai chegar a idade de ouro do poder e da poesia. No último momento, o poeta vai ficar ofuscado pelo sol.

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