“Para lidar com coisas mais complicadas, a gente precisa crescer. Por isso que a gente casa com mulheres. Porque elas são complicadas e pra lidar com elas a gente tem que crescer. Entendeu?”
Em tempos de globalização e acesso à internet, conhecer o mundo através de cartas parece algo um tanto ultrapassado, mas em Antes que o Mundo Acabe,
de Marcelo Carneiro da Cunha, livro publicado no ano de 2000, vemos que
tal situação pode ser bastante instigante. O livro é uma novela juvenil
narrada pelo protagonista Daniel, um estudante do Ensino Médio, que
vive as alegrias e os conflitos da adolescência.
O jovem tem uma família legal e namora Mim, a vocalista de uma banda de rock. Tal qual muitos adolescentes, Daniel sabe ser um bom amigo e colega, o que o faz ajudar Lucas, um menino pobre que estuda na mesma escola particular, e é discriminado por ser um bolsista, adotado e ex- detento da Febem.
O jovem tem uma família legal e namora Mim, a vocalista de uma banda de rock. Tal qual muitos adolescentes, Daniel sabe ser um bom amigo e colega, o que o faz ajudar Lucas, um menino pobre que estuda na mesma escola particular, e é discriminado por ser um bolsista, adotado e ex- detento da Febem.
Daniel vive harmonicamente com o padrasto, a mãe e a avó. Toda essa
paz é chacoalhada quando o menino recebe uma correspondência da
Tailândia: é uma carta de seu pai biológico, o qual nunca conhecera. O
menino vive seu primeiro conflito interno e é com muita relutância, e
com muito incentivo de Antônio, o padrasto, que o jovem lê a carta.
Nesta correspondência havia algumas fotos e informações que o pai, até
então ausente, resolveu revelar ao filho. Seu progenitor comentou sobre
as várias viagens que fez pelo mundo, trabalhando como fotógrafo, falou
sobre a malária que pegara três vezes e sobre a região que vivia no
momento, a Tailândia.
Mesmo não admitindo, a correspondência desperta a curiosidade de
Daniel pelo universo do pai, o que o leva a pesquisar sobre o local em
que ele vive. Ao mesmo tempo em que há essa curiosidade, existem
sentimentos adormecidos, como o de rejeição, raiva e falta de amor. Além
disso, existe o medo de que um possível contato com o pai venha
desestabilizar sua relação com a família, temor amenizado por Antônio,
que diz:
“Sabe, a vida é uma coisa muito completa, a gente não pode comprar em partes. A sua vida inclui uma mãe, uma avó, uma escola, uma namorada, dois pais. É isso, e você vai precisar lidar com isso e tirar o máximo do que a situação tiver para oferecer. Para lidar com coisas mais complicadas, a gente precisa crescer. Por isso que a gente casa com mulheres. Porque elas são complicadas e pra lidar com elas a gente tem que crescer. Entendeu?” (página 55)
Daniel alega para Antônio que ele não tinha que lidar com um cara que
o abandonara ainda bebê, que não quisera saber dele e nem da mãe. O
menino achava que não tinha de passar por isso. O jovem se perguntava
por que ele tinha de saber disso? O padrasto lhe diz:
“Porque ele existe, porque faz parte da sua história, e porque talvez as coisas não sejam assim tão simples. Você vai ter que se arriscar e saber mais. É complicado, é necessário. Só isso. Aliás, pode ser bom. Nos últimos tempos você só pensava na sua namorada, mais nada. Quem sabe assim você diversifica um pouco as suas preocupações. Que tal?” (página 55)
Assim, um novo Daniel vai se desenhando na narrativa. O leitor
acompanha o amadurecimento do jovem que, fora os conflitos pessoais,
também está insatisfeito com coisas que acontecem na escola. Paralelo às
correspondências paternas, há também na história uma inconformidade de
Daniel em relação ao colégio e sobre as falsas acusações de roubo que o
discriminado Lucas é apontado. Tudo isso faz Daniel perceber o quanto
ele não pensa como aqueles jovens riquinhos, o quanto ele está
descontextualizado daquela instituição de cunho religioso e extremamente
preconceituosa.
Ao receber a terceira carta do pai, ele lhe explica que viajou muito pelo mundo e é funcionário de um projeto chamado Antes que o Mundo Acabe,
que faz da fotografia uma maneira de preservar a história e cultura dos
locais, antes que essas desapareçam, devido a modernidade galopante e a
globalização. O pai esclarece:
“Antes que o mundo como ele era, de gente diferente, de culturas diferentes, histórias próprias, antes que esse mundo acabe, um grupo de fotógrafos, de vários países, de várias culturas, vai fotografar esse mundo, pra que a gente possa se lembrar como ele era, um dia, quando ele tiver acabado… Comecei a pensar, Daniel, sobre tudo, coisas grandes e pequenas, e pensei que existia uma pessoa pra quem eu gostaria de enviar algumas imagens desse mundo antes que ele acabe. Alguém que sempre fez parte do meu mundo, sem nunca ter estado nele. A malária faz mais do que nos deixar tremendo horas sem fim. Ela traz uma lucidez, nem saberia explicar.” (página 64)
Tal correspondência comove o menino, que pesquisa mais a fundo sobre o
Cambjoja, Nepal, Ruanda… Mas para um bom conflito adolescente, não
basta apenas uma insatisfação escolar, o retorno de um pai… há também o
amor. Além do tormento interno, Daniel leva um fora da namorada/ficante,
que vai viajar pelo Brasil com sua banda. Pronto, o guri se acha o cara
mais abandonado do mundo! É nesse momento que ele resolve escrever sua
primeira carta ao pai. A correspondência apenas diz: “Pai, porque você
me abandonou?”
O pai responde, dizendo que nunca o abandonou especificamente, mas
que largou toda uma vida. Explica que quando sua mãe engravidara, ele
foi chamado para trabalhar no Líbano, proposta que não recusou. Diz
também que a mãe de Daniel não quis acompanhá-lo, atitude que foi aceita
e respeitada por ele. Com os fatos mais esclarecidos, com a vida
passada a limpo, o menino se corresponde com o pai assiduamente e, em
todas suas cartas, também manda fotografias, imagens que seu olhar
consegue capturar.
Antes que o Mundo Acabe é uma história de amadurecimento, é
uma história sobre a beleza das pessoas e do mundo, mesmo com todas as
suas diferenças. Quando se termina a leitura desta obra é inevitável
pensarmos o quanto é urgente a necessidade de que nos tornemos seres
melhores, que amemos as pessoas, que aproveitemos a vida da melhor forma
possível… que façamos das distâncias uma forma de reaproximação com o
melhor de nós mesmos e com o melhor das pessoas as quais gostamos.
Referência:
CUNHA, Marcelo Carneiro da. Antes que o Mundo Acabe. 17. edição. Editora Projeto. Porto Alegre: 2012.Fonte: http://homoliteratus.com/antes-que-o-mundo-acabe/
Nenhum comentário:
Postar um comentário