por Michel Zaidan Filho

Quando Miguel Arraes de
Alencar tomou posse, pela terceira vez,
do Governo de Pernambuco, ele citou uma conhecida frase de Carlos Drummond de
Andrade que dizia: "tenho duas mãos e o sentimento do mundo". Se foi
mais do que uma mera frase de efeito,
significaria que o velho líder do PSB queria dizer que, embora despojado de
riqueza e poder, era portador do sentimento fundo das iniquidades sociais e que
trabalharia para combatê-las, no exercício do seu último mandato. Infelizmente
não pode fazê-lo, em função da política
de "terra arrasada" praticada contra ele pelo governo do PSDB e do
PFL (leia-se Fernando Henrique Cardoso e
Jarbas Vasconcelos). Negaram-lhe até a antecipação de receita da privatização
da CELPE, com que ele poderia pagar a folha dos servidores do Estado, no fim do
seu melancólico mandato.
É, portanto, com um sentimento de
náusea que se pode contemplar o
espetáculo degradante em que se tornou o mundinho político de Pernambuco,
reduzido aos interesses de uma família (mãe, nora, filho, irmão, primo, cunhada
etc.) Foi nisso que se transformou o calvário da prisão e do exílio do velho
Arraes: na formação de mais uma oligarquia familiar, que certamente pensa que o
estado é seu e pode ser rateado ou
distribuído entre os parentes, os amigos e apaniguados. Alguns, muito novos,
aliados de vésperas ou de conveniência. É nisso que se transformou o "leão
do norte". Um mero botim para satisfação da ambição e a cupidez de uma
minoria, atrelada -na última hora -à carruagem do vencedor.
E as denúncias só se acumulam.
Quando vamos desengavetar os processos sobre as licitações fraudulentas, que
tratam de propinas aos políticos do PSB e PSDB, entre nós? Quando será apurado
a denúncia do propinoduto da Petrobrás e o superfaturamento da Refinaria Abreu
e Lima? - E os grampos da Polícia Federal, que surpreenderam as ligações
promíscuas entre empresas e políticos do PSB. E o avião fantasma de Eduardo
Campos? - E a doação post-mortem do ex-governador à irmã Marina Silva? E o favorecimento
do candidato vencedor a empresários que intermediaram a compra da aeronave? -
Nada vai ser apurado? Vai tudo para debaixo do tapete, como aconteceu com os
escândalos do longo governo do FHC?
Se nada for feito para apurar as
denúncias e esclarecer a opinião pública, temos de convir que o processo
eleitoral e seus resultados estão sob suspeita. A vitória eleitoral está longe
de ser um indulto ou anistia para os crimes cometidos durante a campanha
política. Pelo contrário: essa vitória será contestada, a cada minuto, pelas
perguntas, dúvidas, incertezas, silêncio em relação aos indícios apresentados,
desde o início, do processo eleitoral.Nem a morte, nem a
vitória representam a porta larga dos
cortesões ao paraíso, por mais atraentes que sejam as burras de dinheiro do
erário público, os cargos, as demissões, o tráfego de influência, o nepotismo,
o troca-troca de favores e apoios recebidos etc.
Se o Estado for mais do que um mero
mercado persa, um balcão de negócios ao arrepio da lei e do controle da
sociedade, é preciso agir: dá um basta a este festim alimentado pela memória de
um morto, mas a serviço dos vivos, bem vivos - que sobreviveram para contar o
dinheiro, as benesses, as vantagens auferidas pela necrofilia política praticada
pelos amigos e correligionários.
Os nossos ancestrais indígenas
comiam a carne de seus adversários mortos (o banquete totêmico) numa espécie de
homenagem à força, a sabedoria e a coragem dos inimigos. Mas esse canibalismo
político atual, visa exclusivamente o botim, as vantagens, o lucro. Não a
grandeza, despojamento, vocação de serviço, carisma, dom ou seja lá o que for.
Apenas interesses. Só interesses.
Quanto tempo mais, estaremos
dispostos a suportar esse triste espetáculo?
Fonte: http://blogdojolugue.blogspot.com.br/2014/10/michel-zaidan-filho-o-sentimento-de_12.html?spref=fb
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