Lula: Fernando Henrique tem preconceito contra os pobres e quem trabalha
publicado em 11 de outubro de 2014 às 14:03


LULA ESTÁ COM A PALAVRA PARA MOSTRAR A REAL ESSÊNCIA DESTA ELEIÇÃO
Entrevista de Lula a Mino Carta, em CartaCapital, via blog do Mandacaru13, enviado por Julio César Macedo Amorim
UMA IMPERIOSA CONTRADIÇÃO ESTÁ NO AR: como seria possível uma
renovação se o tucanato pretende voltar ao passado, e disso não faz
mistério? Como seria possível, de resto, que promessas de mudança
pudessem ser postas em prática por conservadores empedernidos?
Conservador conserva, diria o Chico Anysio de antigos tempos.
Não bastassem as antecipações de Arminio Fraga, candidato a ministro
da Fazenda em caso de vitória tucana, a fornecer um trailer de
puríssima marca neoliberal, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso
apressa-se a esclarecer, entre a ameaça e o didatismo, que quem vota
Dilma além de pobre é desinformado. E qual seria a informação correta?
Fraga prontifica-se a informar o globo de um polo ao outro, no debate
com Guido Mantega, mediado (mediado?) na Globo por Miriam Leitão: a
crise econômica mundial acabou há cinco anos. Gostaríamos de imaginar,
na nossa irredutível ousadia, o que pensam a respeito Ângela Merkel, ou
Barack Obama. Tendemos a acreditar que ambos os citados, e outros mais
habilitados à citação, agradeceriam Fraga por sua oportuníssima
revelação. Há incertezas quanto a existência de Deus, mas dúvidas não
subsistem em relação a Fraga, seu profeta.
Na linha das revelações, o Clube Militar informa que, com Dilma
reeleita, o País estará à beira da sovietizarão. Há militares ainda
dispostos a recorrer a terminologias emboloradas. Ao longo da campanha
tucana, corroboradas pelos editoriais dos jornalões, desfraldaram
termos mais contemporâneos. Imperdoável é ser “chavista”, ou
“bolivariano”. Pois o único, indiscutível chavista brasileiro é Fernando
Henrique Cardoso, que provocou a alteração constitucional destinada a
permitir sua reeleição. E não hesitou para tanto em comprar votos de
parlamentares.
Não invoquemos de todo modo, exames de consciência por parte da mídia
nativa, postada de um lado só na qualidade de porta-voz da casa-grande.
Neste exato instante ela transforma em peça eleitoral o vazamento de
depoimentos secretos do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, do
doleiro Youssef e de sua contadora. Deles emerge uma complexa história,
cujo ponto central seria a chantagem sofrida por Lula, por parte de
parlamentares da base governista, para forçá-lo a nomear Costa para a
direção da estatal.
Era de esperar que a mídia nativa extraísse da manga a carta
pretensamente letal. O déjà vu é próprio destas atribuladas vésperas
eleitorais desde quando o PT apresenta um candidato à Presidência da
República. Lula avisa: “Nunca fui submetido a qualquer gênero de
chantagem por parte de congressistas. Fala-se de fatos que teriam
ocorrido há dez anos, de sorte que, para averiguar a sua veracidade,
seria preciso ouvir o então ministro das Relações Institucionais, o
então chefe da Casa Civil, o presidente da Câmara, o líder do PT”.
Tomados em conjunto, comportamentos e eventos dão razão a Lula quando
afirma que esta eleição, antes ainda de confrontar Dilma e Aécio,
coloca frente a frente dois projetos de Brasil, duas visões
profundamente opostas de vida, de mundo, de política, de fé.
MINO CARTA: Meu caro presidente e grande amigo, como é que você se sente ao se perceber pobre e desinformado?
LULA: Olha, eu na verdade me sinto muito ofendido
com este preconceito que chega às raias do absurdo. Fernando Henrique
Cardoso mostra o que uma parte da elite brasileira e, sobretudo, uma
parte da elite paulista, incluindo a elite política, pensa do povo
trabalhador deste País. Porque eles não têm preconceito contra o
nordestino rico, contra o negro rico, é contra os pobres, contra quem
trabalha. E, ao dizer que Dilma teve voto onde as pessoas são
desinformadas, revela que o ex-presidente não tem noção da evolução
política da classe mais pobre da sociedade.
MC: Política e econômica.
LULA: Não se dá apenas por conta dos programas
sociais, do aumento do salário dos aposentados, do aumento do salário
mínimo. E por conta da conquista da consciência da cidadania. Os
brasileiros estão pensando mais. E muito esquisito que, quando o governo
financiava os estudos de um jovem no exterior antes do Ciência sem
Fronteiras, tratava-se de uma bolsa aceita por todo o mundo, algo
fantástico. Quando o governo cria uma bolsa para dar direito a crianças
não morrerem de fome é assistencialismo, é retrocesso, é criar
vagabundo. Imagem totalmente equivocada: certamente, o ex-presidente
ficou com a imagem do Brasil que ele governou. Porque, quando ele
governava, davam voto de cabresto, viviam à procura da frente de
trabalho e de uma política assistencialista, por falta de política
social invadiam supermercado. Agora não. São respeitadas, e mesmo as
mulheres que não trabalham ainda recebem aposentadoria rural, assim como
os brasileiros a partir dos 65 anos recebem seu benefício. E sem dever
favor ao governo.
MC: Esses benefícios vão muito além do Bolsa Família.
LULA: Mas muito além. O Bolsa Família é apenas uma
parte dele. O que aconteceu com o crédito rural para a pequena
propriedade, o que aconteceu com o microempreendedor, o que aconteceu
com a aprovação da Lei Geral da Pequena e Média Empresa.
MC:E a abertura do crédito?
LULA:E a abertura do crédito consignado. Foram 60
milhões de contas bancárias abertas. Sabe o que é isso? E colocar uma
Colômbia e meia no sistema financeiro brasileiro. As pessoas passaram a
entrar no banco para negociar empréstimo, não apenas para pagar conta de
luz. Mas observe quem também ganhou com isso. E muito. Foi a sociedade
mais abastada. A classe média, em vez de ficar constrangida quando se
fala de política social, deveria entender que, ao receber algum recurso,
o pobre gasta. Para comer, para vestir, esse dinheiro retorna para o
mercado no dia seguinte e quem ganha é a loja, o shopping, a fábrica, o
agricultor. Certa vez, discuti com um cidadão que reclamava porque o Luz
para Todos era mais uma política do Lula para ajudar o pobre e que eu
só pensava no pobre. Eu lembrei a ele que, quando a gente levava o Luz
para Todos, o beneficiado ligava três lâmpadas, comprava uma geladeira,
80% deles compravam um televisor. Ou seja, um simples programa chamado
Luz para Todos, que levou energia para 15 milhões de brasileiros,
resultou na venda de quase 4 milhões de mercadorias. Até empresas
multinacionais ganharam muito com esse programa social. Sem contar os
empregos criados. Mas, infelizmente, há ainda quem prefira ver
indigentes nas ruas em lugar de gente humilde consumindo. E lamentável
que um cientista político tão estudado como Fernando Henrique Cardoso
tenha proferido uma frase tão agressiva contra eleitores brasileiros.
Porque há sempre aquela idéia de que as pessoas que não votam do jeito
que desejamos não sabem votar. Eu aprendi a respeitar o voto, contra ou a
favor. Aprendi isso na fábrica. Aquele que votava contra a greve eu o
respeitava tanto quanto quem votava a favor. O eleitor que vota em mim é
tão importante quanto aquele que não vota. E um direito dele. Cabe a
mim tentar convencê-lo. A elite brasileira levou cem anos para colocar
3,5 milhões de estudantes na universidade. Nós, em 12 anos, colocamos
7,2 milhões.
MC: Tudo isso não aproveita a criação de um capitalismo oposto àquele precipitado pelo neoliberalismo?
LULA: Uma vez me perguntaram: Lula, você é operário e
os banqueiros estão ganhando dinheiro no seu governo. Eu disse: eu
prefiro que os banqueiros ganhem dinheiro porque, se eles não ganharem,
vai ter que ganhar um Proer, é o Estado que passa a financiá-los outra
vez. Eu quero que ganhe todo mundo. Fui dirigente sindical e sei que,
quando o empresário perde, quem perde mais é o trabalhador, porque perde
o seu emprego.
MC: Onde fica o FMI, que entrou na campanha?
LULA: Se você for analisar os números da economia do
Brasil hoje, eles são aqueles que desejamos. Também nós somos vítimas
da crise mundial. Os números da Alemanha também são insatisfatórios, os
EUA não conseguem se recuperar.
MC: Mas lá o problema não é interno, como no Brasil?
LULA: O Brasil foi o país que melhor soube tratar a
crise. Em 2008, quando tudo começou, o governo já vinha com política de
desenvolvimento do PAC e nós entendemos que o consumo não poderia
arrefecer. E o que eu disse? Se você parar de comprar, a indústria para
de produzir, a loja para de vender e você vai perder o emprego. Então é
bom a gente comprar, fazer dívida de acordo com a nossa possibilidade de
pagar e vamos tocar o barco para a frente. Está escrito: nós
sustentávamos na reunião do G-20 que a melhor forma de enfrentar a crise
seria não permitir a volta do protecionismo e incentivar o comércio no
mundo. Se os países ricos estão estrangulados na sua capacidade de
consumo e de endividamento, está na hora de começarem a fazer
investimentos para os países pobres poderem consumir, criar indústria,
comprar máquinas e se modernizar. Isso foi assinado, e lá estavam Obama,
Sarkozy, Berlusconi, todo mundo. Acontece que o FMI só sabe dar palpite
quando a crise é no Brasil ou na Bolívia. Quando a crise é nos Estados
Unidos eles desapareceram. Na Europa desapareceram. Aliás, desapareceram
tanto que nós tivemos de emprestar dinheiro para eles.
MC: Apesar disso, por que os investimentos no Brasil crescem?
LULA; Quem se preocupa com a economia pensa só nos
números de crescimento. E importante crescer muito, está claro, mas este
País já cresceu 10% e não gerou emprego. Nós agora continuamos gerando
emprego, continuamos aumentando o salário mínimo e a renda do
trabalhador. E Dilma disse muito bem: o trabalhador não vai arcar com
uma crise feita pelos ricos no mundo. Isto é algo que temos de levar em
conta a respeito do caráter do compromisso de Dilma. O Brasil é o país
que tem o futuro mais garantido. Um país que tem a quantidade de
investimento em obra de infraestrutura para ser feita, muitas já
contratadas, um país que tem a perspectiva extraordinária do pré-sal, um
país que decide que 75% do dinheiro dos royalties vai para a educação, é
um país que está dizendo que o futuro já chegou. Não é jogando nas
costas do povo um ajuste fiscal, cortando salários, dispensando
funcionários. Esses que querem voltar, que dizem? Que para controlar a
inflação tem de ter um pouco de desemprego. Pouco se importam com quem
vai ficar desempregado. E o contrário do que a gente pensa. Um deles,
aliás, acha que o salário mínimo cresceu demais, quando na verdade
cresceu ainda aquém da necessidade da sobrevivência digna. Arminio
Fraga, Aécio Neves, essa gente toda significa o retrocesso. E é isso que
me preocupa. As pessoas não perceberam que é isso que está em disputa
nesta eleição. Não é a Dilma contra o Aécio, não é PSDB contra PT, é
mais do que isso. O que está em disputa são dois projetos de sociedade. O
que era o Brasil antes de 2003? Como é que a elite brasileira tratou
este país e tratou o povo trabalhador até eu chegar à Presidência? E
quais são os dois projetos? Um é o projeto de que o País tem de ser
governado apenas para uma parte da população, enquanto outra tem de
ficar marginalizada. Segundo o nosso projeto, todo mundo tem direito de
participar da riqueza produzida no Brasil. Temos de garantir que aqueles
mais necessitados, mais debilitados economicamente, os mais frágeis do
ponto de vista da sua formação profissional, tenham o direito de comer,
de estudar, de dizer “eu sou brasileiro e não desisto nunca”. E esse
projeto que está em jogo.
MC: Mas não seria um projeto capitalista?
LULA: E lógico que é. E só recordar Henry Ford, que
dizia: eu tenho de pagar bem os meus funcionários para que eles possam
comprar o carro que eles produzem. E aqui no Brasil o pobre ter carro
incomoda. Eu trabalhei a vida inteira e como operário nunca pude ter um
carro. Meu primeiro carro foi uma Brasília. MC: Eu tenho em mente alguns
números. Por exemplo, investimento estrangeiro no Brasil: no tempo
tucano, o máximo a que se chegou foi de 10 bilhões de dólares. LULA: Uma
vez, acho que chegou a 19 bilhões. MC: Este ano, a previsão é de 67
bilhões. Mais do que no ano passado, que fechou com 64 bilhões. LULA:
Pois é, há quatro anos consecutivos nós só perdemos para a Rússia, China
e EUA. Nós somos o quarto ou quinto país receptor de investimentos
externos diretos.
MC: Mas será que os investidores estrangeiros são cretinos?
LULA: 64 bilhões, 65 bilhões, 67 bilhões… Todo ano
nós crescemos mais. Significa que as pessoas de fora estão acreditando
muito mais no Brasil do que alguns brasileiros. Porque há quem, neste
momento eleitoral, fique brincando com a Bolsa de Valores, especulando,
ganhando dinheiro, comprando e vendendo. E é importante o povo ficar
atento. Eu fui candidato muitas vezes, perdi eleições muitas vezes, sei
das safadezas que eles fazem com a Bolsa. E quer saber de uma coisa, sem
radicalismo? Eu nunca pedi voto para o mercado. Eu não sei quantos
votos tem esse mercado, o que sei é que o povo tem voto para ele que a
gente tem de pedir voto. E eu quero voto do rico, da classe média, do
profissional liberal, do sem-teto, do sem-terra, do com terra, eu
quero voto de todo mundo, porque todo mundo é brasileiro e tem de ser
tratado com igualdade de condições. O que eu dizia e a Dilma diz: nós
governamos este País para todo mundo, agora o braço do Estado tem de
estar mais atento às pessoas mais necessitadas. E este país que
precisamos fortalecer, onde todo mundo seja tratado com igualdade de
condições, onde a escola seja efetivamente de qualidade. Através da
educação se estabelece a oportunidade de ascensão social. Mas há quem
não a queira, a possibilidade de ascensão oferecida a todo mundo. Uma
vez, muito tempo atrás, almoçava com você, o Weffort, que era
secretário-geral do PT, o Jacó Bittar, e eu fui ao banheiro e, ao voltar
à mesa, passei diante de duas senhoras e ouvi: “Ele diz que é pobre,
mas está comendo aqui onde a gente come”. E o Jacó revidou: “É a senhora
que vai pagar a conta dele? Sou eu que vou pagar a conta dele”. O
sociólogo Fernando Henrique Cardoso, quando pronunciou sua frase
infeliz, retratou um sentimento histórico da elite brasileira, algo que
vem desde o tempo da Coroa.
MC: Que sobra disso tudo se o PSDB volta ao poder?
LULA: Para mim, não há questão pessoal com Aécio. A
questão não é o Aécio, a questão é a filosofia de vida que o tucano tem,
a visão de mundo. Pessoalmente, sou amigo do Aécio, sou é adversário
político e ideológico. A vitória de Aécio é a volta daquilo que não deu
certo, é a volta do mundo que não deu certo. E por isso que o sistema
financeiro está ouriçado para ele ganhar as eleições, é por isso que o
FMI, que estava tão escondidinho, voltou a dar palpite, porque não se
sabe para onde vai a taxa de juros com o seu Arminio Fraga. Ou se
esqueceu da taxa que eu encontrei, os números da inflação e do
desemprego? E como as burras estavam vazias? O Brasil de hoje está
infinitamente melhor do ponto de vista das finanças públicas, da dívida
interna pública, da dívida bruta, da política de juros, da reserva.
Quando eu cheguei, o Brasil devia 30 bilhões de dólares ao FMI. A gente
tinha 30 bilhões de dólares na reserva, dos quais 16 bilhões ou 17
bilhões de dólares era o próprio FMI. Eu aprendi com a minha mãe que era
analfabeta: “Meu filho, a gente não pode fazer dívida que a gente não
pode pagar”. Eu falei, sabe de uma coisa, eu não vou ficar devendo para o
FMI para vir dar palpite na minha vida aqui. Eles querem que volte
isso? Só porque o mercado quer mais. O mercado vai ganhar na medida em
que a indústria ganhe, que os trabalhadores ganhem e a agricultura
ganhe. E assim que a gente vai fazer um país feliz.
Fonte: Revista CartaCapital Edição 821Leia também:
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