segunda-feira, 16 de setembro de 2013

'Somos corporativistas de nascença'





O ex-ministro Francisco Weffort diz que vem dos séculos 16 e 17 uma das características mais fortes da sociedade brasileira: o corporativismo

Após quase duas décadas longe da cátedra, esta semana o cientista político Francisco Weffort voltou a dar aulas, na cadeira de "Estudos do Brasil Contemporâneo" do curso de graduação de Direito do Ibmec. Ao deixar o Ministério da Cultura do governo Fernando Henrique, em 2002, Weffort dedicou-se à pesquisa e escreveu dois livros: "Formação do Pensamento Político Brasileiro" (2006) e "Espada, cobiça e fé: as origens do Brasil" (2012). Nesse último, debruçou-se sobre os séculos 16 e 17, que, afirma, são essenciais para se entender o Brasil de hoje.
Ele conta que daquele período vem uma das características mais fortes da sociedade brasileira: o corporativismo. "Somos corporativistas de nascença, o corporativismo está dentro de todos nós, nos partidos e nos sindicatos", diz. Para ele, a violência da Polícia Militar e dos Black Bloc não surpreende, pois o Brasil nunca foi pacífico: "Toda a nossa história é uma história violenta de guerras de conquista de territórios. E de quebra-quebras, nas revoltas o povo gritava: ‘Quebra! Quebra!'. Isso não tem nada de novo".

Que características o sr. encontrou nos séculos 16 e 17 que ainda estão presentes no país hoje?
O Brasil foi uma conquista, não foi uma descoberta. Nosso território foi disputado de forma violenta por Portugal, Espanha, França, Inglaterra e, finalmente, Holanda. Os primeiros portugueses que vieram para cá já sabiam que viriam para uma guerra. Nossos índios foram tremendos guerreiros. Levamos quase dois séculos de guerra para conquistar o território dos índios. Por isso, há um traço militar na formação brasileira contemporânea cuja raiz profunda vem daquele período. Como o Brasil nasceu da defesa de território, as primeiras experiências formadoras da sociedade brasileira são em torno da guerra. O coronelismo é um exemplo, você tem até hoje no país.

Mas qual a principal herança dos séculos 16 e 17?
O corporativismo, que é tremendo. Não é uma exclusividade brasileira, mas nosso corporativismo é muito generalizado. E tem grande legitimidade na sociedade. A corporação é uma associação para defender um privilégio, um conhecimento ou uma posse por parte de um grupo. No limite, é a defesa de um privilégio contra o poder do rei ou do Estado. O corporativismo está em nós, somos corporativistas de nascença. Por exemplo, o imposto sindical é um corporativismo de maneira deslavada, tanto em prol do sindicato do trabalhador, quanto para o sindicato patronal. Vem da forma como o Brasil foi formado. Tudo aqui tinha que ser defendido do outro. Não havia um poder público que fosse capaz de estabelecer a lei de maneira indiscutível, a lei sempre foi discutível.

E na política, como funciona?
No Congresso, por exemplo, temos a bancada ruralista. Um dos grandes problemas de governar o Brasil é, ao tratar de uma questão agrária, ter que enfrentar a bancada ruralista, que não é enfrentar esse ou aquele partido, é muito pior. Na sociedade brasileira, em qualquer lugar que você for, tem o sprit de corps generalizado. Todos pertencemos a algum grupo de interesse. Estar na nossa sociedade significa pertencer a um grupo; quem não pertencer, é um outsider. E a grande ambição dos outsiders é formar um grupo e pertencer à sociedade. Um exemplo é a criação do partido Solidariedade, do Paulinho da Força Sindical. Paulinho nasceu do corporativismo sindical, assim como o Lula. E agora está tentando ter acesso ao reino dos partidos políticos, que têm o horário gratuito na TV. A corporação dos políticos, em nome do princípio geral da democracia, conseguiu o acesso privilegiado à televisão. O Paulinho, conquistando esse tempo para si, terá a capacidade de conquistar deputados. São corporativismos mesclados.

O sr. citou o imposto sindical...
O imposto sindical é uma criação de 1943 que está aumentando e produzindo frutos. Para mim, é muito simples: o imposto sindical tem que acabar! Porque não afeta apenas meia dúzia de sindicatos, afeta o conjunto da vida econômica produtiva brasileira. O Brasil tem milhares de sindicatos. Que eu saiba, não existe no mundo outra sociedade com milhares de sindicatos. Todo dia se criam novos sindicatos, virou um negócio. No caso do imposto sindical, não há fiscalização. Eu sou fiscalizado, você é, mas o sindicato não tem fiscalização nenhuma.

Como o sr. vê o PT, hoje?
O PT nasceu de uma consciência universalista do Brasil. Naquele momento, éramos favoráveis a uma variedade de direitos, queríamos a democracia amplamente. Mas o PT virou um grupo corporativista defendendo interesses de uma área organizada e participante do sindicalismo - da indústria, do comércio e do serviço público. O PT está ligado a esse lado dos interesses brasileiros. Com a mediação política do sindicalista que vira deputado. Primeiro, ele era trabalhador numa fábrica, à qual ia todo dia de manhã cedinho, ganhando um salário razoável. Depois, vira sindicalista com um salário mais do que razoável, até bom. Segundo a lei, no sindicato se define o nível salarial dos dirigentes pelo salário profissional mais alto entre os membros da diretoria. Então, qualquer ser humano vai escolher para a diretoria pelo menos um cara que tenha um salário alto, para elevar o salário de toda a diretoria. Daí porque ninguém quer mais voltar para a fábrica. Depois, passa para a esfera político-partidária, onde o sindicalista vira deputado, ganha mais e trabalha menos. Isso para falar só do que se realiza honestamente e dentro da lei, sem contar as ilegalidades que existem nesse meio.

Mas o governo do PT tem tido um foco grande nos programas sociais...
Sim, o Bolsa Família é um exemplo importante. Um dos lados da significância democrática do PT é o fato de que isso que apontei como vício, também é uma virtude. Porque você tem a participação de um montão de gente nos governos que, antes, não tinha a possibilidade de participar. Nesse sentido, acho que é uma coisa positiva na democratização brasileira. Mas quanto mais o PT cresce, mais contradições tem, porque quanto mais se amplia, mais o sentido das coisas muda. Não dá para falar para 5 mil pessoas do mesmo jeito que se falava para cinco.

E o PMDB e o PSDB?
O PMDB é uma grande máquina partidária, que não consegue ter um candidato a presidente - até porque é melhor não ter, pois se tiver, racha. A massa de pressão deles é o próprio partido no Congresso. Já no caso do PSDB, o Lula e o PT tomaram algumas bandeiras do PSDB. Aquilo que realmente foi uma mudança importante no Brasil, a política da estabilidade monetária, o PT passou a defender também. O PSDB ficou sem aquela proposta. Por outro lado, o PT por mais críticas que se faça, está enquadrado no jogo democrático. Todas as vezes que o PSDB tentou uma agressividade maior contra o PT, se deu mal. Na área social, o PT cresceu mais que o PSDB. Assim, enquanto a situação econômica for razoável, o PSDB vai tirar suas bandeiras de onde?

O sr. se surpreende com a violência nas manifestações de rua?
Não. Violência sempre teve. Quebra-quebra é uma expressão popular. Nas revoltas, o povo gritava: "Quebra! Quebra!". É que o Brasil mudou, hoje se quebra as coisas com mais eficácia - na minha época de estudante eram 15 vândalos, hoje são 150 quebrando tudo. Explosões desse tipo o Brasil tem desde a revolta da vacina de Oswaldo Cruz. A sociedade brasileira é assim: está tudo muito bem, aí, de repente... pá! Tivemos a revolta da Chibata, Canudos, o Contestado em Santa Catarina, o Brasil é um corpo muito saudável que de vez em quando dá uma febre. A sociedade brasileira é violenta e cheia de problemas.

O sr. acha que as manifestações vão mudar alguma coisa?
Terão repercussão. "Façamos a revolução, antes que o povo a faça", já disse Antônio Carlos, presidente que veio de Minas, nos anos 30. Isso aqui é um país de espertos. Tom Jobim já falava que "o Brasil não é para principiantes". Claro, não vai vir revolução nenhuma, mas alguma mudança deverá haver.

E a reforma política?
Temos que fazer a reforma política, principalmente nos partidos. A legislação eleitoral inteira tem que mudar. Minha simpatia é pelo voto distrital misto, que é o sistema alemão. Acho que na democracia tem que ter partidos, e aí tem que ter o voto na legenda, no programa do partido. Mas, obrigatoriamente, é preciso um segundo voto do eleitor num candidato do seu distrito, num sistema de listas. O controle do eleitor sobre seu representante tem que ser direto. O representante tem que se encontrar com seu eleitor na rua. Não tem sentido essa história de colocar os representantes do povo lá em Brasília. Eles têm que estar na sua cidade, na rua. Porque se ele depender do voto, ele vai ter que mostrar a cara, senão perde a próxima eleição.

E o pleito de 2014, o sr. acha que as manifestações provocarão uma mudança radical na composição do Congresso?
Não acredito. Os partidos vão se reajustar, sempre foi assim, eles vão fazer a revolução da maneira deles, antes que o povo a faça. Mas eu acho que, pela primeira vez, desde que o Lula se elegeu presidente, ele tem um problema nas mãos. A Dilma, sobre a qual ninguém tinha dúvidas até pouco tempo atrás, caiu muito nas pesquisas. Está se recuperando, mas caiu demais, o que indica que o nome da Dilma é frágil na sociedade.
O problema da eleição é ver o que vai sair da oposição, que é uma indecisão só. Me lembro que no período ditatorial tinha uma campanha que dizia assim: "Por uma oposição de que se oponha!". Porque o PSDB precisa decidir se ele quer, ou não, fazer oposição. Eles têm candidatos viáveis, o Aécio é um bom candidato, mas têm que se decidir. Não sei se o Eduardo Campos é oposição, mas ele também é um bom candidato. E não creio que só com Minas ou Pernambuco se elege um presidente, mas eles podem fazer alianças. Não sei também o que vai acontecer com a Marina Silva, que é quem mais se beneficiou com essas manifestações. A fragilidade da Marina, que não é dela, é a fragilidade do sistema partidário. É uma situação de incertezas. Mas com tudo isso, acho muito difícil o Lula chegar agora e dizer: "Deixa que eu elejo!". Não é mais assim.
Fonte: http://brasileconomico.ig.com.br/noticias/somos-corporativistas-de-nascenca_135804.html

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