(Gilles Lapouge)
PARIS - O Vaticano se mexe. Ele parece estar redesenhando algumas
diretrizes da Igreja, mas o faz à sua maneira, em aparência desenvolta,
mas, sem dúvida, muito refletida. Um dia ele faz uma confidência leve.
Noutro, dirige-se ao mundo inteiro com veemência a favor da paz na
Síria. Ou ainda, um de seus ministros solta uma ideia e essa ideia é uma
"bomba" (o questionamento do celibato dos padres). Em outras ocasiões,
ele permanece em silêncio enquanto se aguarda a sua palavra. Em suma, o
papa Francisco é um comunicador excepcional.
O celibato dos padres. Nada de novo. Fala-se disso há dois mil anos. É
assunto requentado. Há muito que os teólogos nos informam de que essa
regra não é um dogma, mas uma decisão tardia (século 11) tomada para
evitar complicações sobre a herança dos filhos de padres. E, com
certeza, um teólogo é muito inteligente, mas não é um homem de governo.
CELIBATO
Alguns dias atrás, porém, a hipótese do fim do celibato foi evocada não por um filósofo, mas por um homem do aparelho, o novo secretário de Estado do Vaticano, Pietro Parolin. Em outros tempos, se um prelado se aventurasse a semelhante derrapada teria sido chamado às falas no mesmo dia, com uma advertência glacial. Nada disso, desta vez. Entretanto, como há alguns dias Francisco defendeu o celibato, as pessoas ficaram perplexas.
Outra surpresa: o encontro do papa com o peruano Gustavo Gutiérrez
Merino, fundador da Teologia da Libertação em 1971, esta teologia com
"cheiro de heresia" e odor de marxismo. É bem verdade que Gutiérrez não
foi tão longe como outros padres, sobretudo brasileiros, e que foi até
absolvido do pecado "marxificante" nos anos 80. Pouco importa: o papa
parece disposto a abrir um capítulo doloroso, o da pobreza.
Em 4 de outubro, ele foi a Assis, a cidade do primeiro Francisco, na
Idade Média, do qual se sabe a compaixão que sentia pelos despossuídos,
os ofendidos e os abandonados. E o papa lançou, alguns dias atrás, um
apelo estranho: gostaria que os conventos vazios fossem abertos aos
"refugiados" em vez de serem convertidos em bens de hotelaria para
ganhar dinheiro. O papa lembra um daqueles agitadores que, nas cidades
grandes, pregam pelos sem-teto e contra as ricas residências vazias dos
"grandes" deste mundo (uma ideia incendiária).
Francisco gritou, enfim, de sua sacada, seu horror à guerra, e rezou
para que a Síria fosse poupada das bombas. Será o caso interpretar essa
insistência à luz dos perigos que cercam os cristãos do Oriente? Seu
calvário é conhecido: os cristãos assassinados no Iraque, os coptas do
Egito que durante o reinado da Irmandade Muçulmana perderam tantas
vidas.
É preciso acrescentar a essa terrível ladainha os cristãos sírios.
Nos últimos tempos, circulam informações angustiantes. A cidade de
Maalula, perto de Damasco, que possui sítios arqueológicos trogloditas
que abrigaram cristãos nos primórdios do cristianismo e cujos habitantes
ainda falam o aramaico, a língua de Jesus Cristo, teria sido atacada e
seus habitantes massacrados por milicianos da Frente Al Nusra, a mais
feroz das organizações radicais islamistas.
MASSACRES
Testemunhos estarrecedores nos chegam. Serão autênticos? O poder corrente de Bashar Assad confirmou os crimes, fez publicidade deles. Os insurgentes os contestam. Eles acusam Assad de ter inventado os horrores para intimidar os ocidentais e impedi-los de entregar armas a uma rebelião cada vez mais infiltrada pelos islamistas mais sanguinários.
Acaso será nomeada uma comissão da ONU para investigar esses crimes? E
quando ela entregará suas conclusões? Em seis meses, um ano?
TRADUÇÃO DE CELSO PACIORNIKFonte:http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,os-apelos-de-francisco-,1075129,0.htm
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