Fundador da The School of Life vem ao País dar palestras sobre
compaixão e trabalho. Para o filósofo australiano, colocar-se no lugar
do outro é a verdadeira revolução.
Há 20 anos, Roman Krznaric se inscreveu para um curso de culinária na
Bahia; mas, como não conseguiu uma bolsa de estudos, declinou a viagem.
Hoje, o filósofo australiano, um dos fundadores da The School of Life,
na Inglaterra, finalmente conhecerá o Brasil. Abriu uma exceção para
viajar de avião – ele se preocupa com as emissões de carbono – e virá ao
País para uma palestra sobre trabalho, dia 22, no Teatro Augusta.
Escritor do best seller Como Encontrar o Trabalho da Sua Vida,
o filósofo continua interessado em culinária, mas se dedica a
incentivar o que chama de “questionamentos sobre a vida”. E a vida
laboral, segundo o escritor, é uma das questões que causam mais
insatisfação e inquietação no mundo contemporâneo. “Hoje, pessoas de
todas as classes sociais começam a enxergar o trabalho como algo para
além da sobrevivência. É uma ocupação que pode fazer você se sentir
preenchido”, conta. A saída para a insatisfação, explica, tem algumas
alternativas: aplicar seus valores pessoais no trabalho; procurar um
emprego que faça diferença no mundo; e usar seus talentos e habilidades;
entre outras. “Uma das maiores razões de satisfação no trabalho não é
dinheiro, mas autonomia”, diz.
Além de aulas e conferências pelo mundo, o australiano toca,
paralelamente, um projeto definido por ele como “a grande ambição de sua
vida”: a criação de um Museu da Empatia. “Trata-se de um lugar onde
você poderá entrar e conversar com pessoas que não conhece. Assim como
emprestamos livros de uma biblioteca, será possível emprestar pessoas
para uma conversa”, explica. O projeto não é de todo utópico. Segundo o
filósofo, depois de um vídeo explicando seu conceito de empatia, com 500
mil visualizações, sua caixa de e-mail recebe, pelo menos, uma mensagem
por dia de pessoas do mundo inteiro se propondo a ajudar na criação do
museu.
É por meio dessa troca e da disseminação desse conceito de empatia
que o filósofo acredita ser possível fazer uma revolução: “As pessoas
acham que a paz e as revoluções são construções de acordos políticos.
Mas acredito que é possível que isso seja feito nas raízes das relações
humanas. Desmontando ignorâncias e preconceitos”, diz.
A seguir, os melhores momentos da entrevista.
No seu livro, o senhor fala que 60% das pessoas estão insatisfeitas com a vida profissional. Por que esse desconforto crescente?
Parte dessa insatisfação vem do fato de que, nos últimos 20 ou 30
anos, houve um grande crescimento de expectativa com relação ao
trabalho. Antes disso, poucos se questionavam sobre seus empregos. Hoje,
pessoas de todas as classes sociais começam a ver o trabalho como algo
para além da sobrevivência. Uma ocupação pode fazer você se sentir
preenchido. De taxistas a investidores de banco, médicos, faxineiras…
todos procuram por mais significado no trabalho. Nasceu o conceito de
que trabalho pode ser um lugar para se aplicar os talentos, as paixões,
os valores.
Como essa mudança ocorreu?
À medida que as necessidades básicas são alcançadas,
como casa, comida, educação, as pessoas buscam mais propósitos na vida.
E, claro, hoje em dia há mais profissões. Na Europa do século passado,
se você quisesse trabalhar com algo que envolvesse suas visões políticas
e sociais, existiam poucas possibilidades. Atualmente, há um enorme
mercado de trabalho para isso, como ONGs, órgãos de meio ambiente,
sociais, em que as pessoas podem sentir que estão fazendo a diferença
diariamente. Isso é algo novo. Ter um trabalho onde me sinto valioso e
cheio de significados.
O senhor não acha que essa tendência contemporânea de que o
emprego tem de ter alguma função social pode criar uma certa culpa
coletiva?A maioria das pessoas não trabalha com algo que faz diferença
para o mundo.
Sim. Nossos valores são grandes motivadores para o trabalho e para a
satisfação laboral. E sim, existe uma culpa de quem pensa “se eu não
estou trabalhando com meninos de rua, então sou uma pessoa ruim”.
Entretanto, há outras maneiras de encontrar satisfação no trabalho. Uma
delas é essa: aplicar seus valores pessoais na prática. Outra é usar
seus talentos – sendo um artista ou um jogador de futebol, você não está
necessariamente mudando o mundo, mas sua satisfação virá do uso de suas
habilidades e paixões. Para mim, o maior problema não é a culpa, mas o
arrependimento. É a sensação de chegar ao fim da vida e saber que não
fez o que gostaria realmente de ter feito.
O que acha da corrente que defende que as pessoas trabalhem em casa, sozinhas?
Isso é um tópico contemporâneo muito importante. Nos
últimos meses, especialmente nos EUA, as empresas não estão deixando
seus funcionários trabalharem de casa. O exemplo mais clássico é a nova
chefe executiva do Yahoo, Marissa Mayer, que há alguns meses não permite
que seus funcionários trabalhem de casa. Isso é trágico. Uma das
revoluções modernas laborais, no mundo ocidental, é a ideia de trabalhar
de casa.
Por quê?
Uma das razões apontadas pela maioria das pessoas
que são felizes no trabalho não diz respeito à remuneração, mas à
autonomia. É o senso de liberdade, o poder de decisão sobre o próprio
trabalho, que cria satisfação. Mesmo que não seja o emprego dos sonhos.
Trabalhar de casa é uma dessas possibilidades. Controlar o próprio
horário, a disciplina.
Recentemente, um estagiário se suicidou na Inglaterra, depois
de trabalhar 72 horas seguidas. O que acha da cultura que incentiva
trabalhar demais?
Muitas empresas fazem o culto do “overwork”, em que
trabalhar muito, além da conta, é valorizado. Especialmente em bancos e
consultorias. Na Inglaterra, um milhão de pessoas afirmam ser viciadas
no trabalho. Ou seja, trabalham mais do que precisariam. A ideia de
“work adiction” é um grande problema. O Japão é um caso clássico. Muitas
pessoas cometem suicídio ou sofrem de ataque do coração, depois de
trabalhar demais. Existe, inclusive, uma palavra no dicionário japonês
para “morrer de tanto trabalhar”. Espero que isso seja uma mensagem para
indivíduos e para essas empresas.
No livro, o senhor afirma que encontrar o “trabalho da vida” é como encontrar o amor perfeito.
Isso aprendi com uma mulher que, aos 30, pediu
demissão e testou 30 profissões diferentes durante um ano. E ela me
disse, no fim desse processo, que encontrar o emprego perfeito é como
encontrar um amor perfeito. Você pode fazer uma lista com qualidades que
gostaria num parceiro e, no fim, se apaixonar por um que não tenha
nenhuma delas. Trabalho é isso. Empregos inesperados podem ser
surpreendentemente bons. Por isso, experimentar é importante. Para se
dar chance de descobrir novas paixões e talentos. O contrário também
acontece.
Como?
Eu, por exemplo, trabalhei como jardineiro em um
grande jardim público. O salário era ruim, mas achei que seria
fantástico, porque estaria perto da natureza, fazendo algo para o
público. No fim, trabalhava o dia inteiro, com um esforço físico enorme e
as pessoas nem me notavam. Era invisível. Todos nós precisamos de
respeito e sentir que nosso trabalho é válido.
O senhor acredita que o aspecto financeiro não provoca
satisfação no emprego. No entanto, existe uma questão social,
especialmente nos países em desenvolvimento, como o Brasil.
Sim, o dinheiro importa. Se você tem de ter dois empregos para alimentar a família, claro que não há tempo para ficar experimentando ser um professor de ioga, por exemplo. Nesses casos, a pergunta é: como posso fazer com que meu trabalho seja mais prazeroso?
Sim, o dinheiro importa. Se você tem de ter dois empregos para alimentar a família, claro que não há tempo para ficar experimentando ser um professor de ioga, por exemplo. Nesses casos, a pergunta é: como posso fazer com que meu trabalho seja mais prazeroso?
Crê que as sociedades contemporâneas continuam incentivando o sucesso por meio das conquistas individuais?
Perseguir o interesse próprio foi a grande
propaganda do último século. Entretanto, ser humano não é apenas seguir
os desejos individuais. A ideia de felicidade ocidental falhou. A
introspecção, o interesse próprio, perseguir valores que não envolvam o
coletivo… Temos a tendência a sentir compaixão uns pelos outros. Somos
criaturas empáticas. Há estudos que mostram que compaixão dá prazer.
Somos também coletivos. Formamos comunidades de todos os tipos, o tempo
inteiro. As pessoas estão, cada vez mais, querendo fazer parte de algo
maior do que elas mesmas.
O senhor tem a ideia de criar um Museu da Empatia. O que é esse projeto?
É a maior ambição da minha vida. Estamos em
desenvolvimento ainda. Trata-se de um lugar onde você pode entrar e
conversar com pessoas que não conhece. Fazer um “laboratório humano”.
Assim como você empresta livros de uma biblioteca, será possível
“emprestar pessoas” para uma conversa. Nesse processo também quero criar
uma plataforma online, em que será possível “baixar” exposições.
Como?
Você poderá estar em São Paulo e fazer parte do
Museu da Empatia, dividindo histórias de como, por exemplo, você faz uma
“conversa-refeição” – que é um conceito criado por nós na The School of
Life. “Conversa-refeição” nada mais é do que estranhos que se sentam a
uma mesa e, no lugar de um menu gastronômico, recebem um cardápio de
ideais. Com questões sobre a vida, do tipo: “De que maneira o amor mudou
a sua história?”, “Como ser mais corajoso?” ou “Como ter mais
satisfação no trabalho”. Meu objetivo é que as pessoas possam baixar
esses menus, com instruções para fazer isso em suas comunidades.
O senhor diz que a “empatia”, no sentido de compaixão, é algo capaz de criar uma revolução. Poderia explicar?
A ideia de empatia é, para mim, o ato de “calçar os
sapatos de outra pessoa”. Olhar o mundo pela visão do outro. E,
normalmente, quando pensamos nessas coisas, sempre consideramos um
relacionamento somente entre duas pessoas. Entretanto, se olharmos a
história, em todo o mundo, vemos que movimentos de empatia coletiva
tiveram momentos de grande êxito. Em outros, sofreram um colapso e
desapareceram, como no Holocausto e no genocídio de Ruanda. As pessoas
podem agir juntas. Fazendo esse exercício de se colocar no lugar do
outro, é possível, sim, mudar o mundo.
Tem um exemplo de um desses momentos?
Na Europa e nos EUA, no século 18, quando houve um
grande movimento contra a escravidão. Foi disseminada uma grande
reflexão sobre o que era ser escravo. De tempos em tempos, surgem
pessoas que se organizam para desafiar atitudes de injustiça. E muitas
dessas pessoas são motivadas pela empatia. Hoje, no Oriente Médio, há
muitas iniciativas para criar paz entre palestinos e israelenses. As
pessoas acham que a paz e as revoluções são construções de acordos
políticos. Mas acredito que é possível que isso seja feito nas raízes
das relações humanas. Desmontando ignorâncias e preconceitos. Há um
enorme potencial no diálogo para comandar mudanças profundas nas
sociedades.
Como nutrir esse sentimento em épocas de extremismos?
Nutrir empatia em um local cheio de preconceitos é
difícil. A saída para isso é alimentar a curiosidade pelo outro. Nós não
conversamos com quem não conhecemos. Esse seria um belo exercício de
sensibilização. Ficamos muito tempo com pessoas que são como nós. /MARILIA NEUSTEIN
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