sábado, 12 de janeiro de 2013

Raul: a metamorfose que será da Lei

por luís pereira 

“Maluco Beleza” ou, simplesmente, “Raulzito”. Raul Seixas é, com frequência, considerado um dos pioneiros do rock brasileiro que, em nome de uma “sociedade alternativa”, apelava a que se fizesse tudo o que se quisesse, porque “há de ser tudo da Lei”… ou não fosse ele um símbolo da contracultura. Controverso para uns, instável para outros, alternativo para os restantes. Entre altos e baixos, só foi igual na diferença.

Universo Alternativo (Wikicommons, André Koehne).

“Mosca na sopa”

Raul Santos Seixas nasceu em São Salvador da Bahia em 1945, a poucos meses do termo da II Guerra Mundial. Com o findar de uma guerra, o seu nascimento provocaria outros impactos, a longo prazo, com choques e embates num Brasil governado, durante a vida dele, com os indícios e os resquícios da ditadura. A sua relação com as barreiras politico-sociais começou por dar-se logo ao nascer: veio ao mundo a poucos meses da queda do “Estado Novo” de Getúlio Vargas. Nascer em período ditatorial talvez fosse prenúncio dos futuros problemas que Seixas e o seu futuro amigo e reconhecido escritor contemporâneo, Paulo Coelho, viriam a ter com o governo do Regime Militar (1964-1985). 


Memorial Getulio Vargas, Rio de janeiro, Brasil (Wikicommons, Eugénio Hansen, OFS).

Ainda assim, Raul Seixas não deixou de viver e de formar uma sua futura identidade “anarquista”, que não limitasse a sua forma imprevisível de estar na sociedade. A sua juventude também teve mudanças repentinas, daquelas que nunca se sabe, no momento, o que querem justificar. De uma família baiana de classe média, chegou a reprovar por faltas por preferir o “rock'n’roll” a estar na escola. Ainda jovem, funda o “Elvis Rock Club” com um amigo, aproximando-se do estilo “rockabilly”. Mas o clube caiu para a desordem de rua, desde brigas até furtos e vandalismo. Seixas deixava-se ir, sem gostar muito. Rapidamente, os pais matricularam-no num colégio religioso.
Em 1973, lança a música, “Mosca na sopa” - mas, desde cedo, já o era. Saído da classe média, o seu gosto pelo rock ainda era algo que essa sociedade estranhava mais do que entranhava. Só a partir dos anos 60 é que a “sopa” uniforme e fluída que era o panorama social do Brasil passou a ter mais do que uma “mosca chata” a voar e a trazer novidades “esquisitas” para a sociedade. Talvez o gosto dessa luta o tenha transformado numa futura “metamorfose” constante.

“Metamorfose ambulante”

É nos anos 70 que se dá o auge da carreira de Raul. Esse reconhecimento, aliado à sua história de vida, lhe viriam a dar uma aura de símbolo da contra-cultura, ou da “cultura do desbunde”, emergida no Brasil nessa altura, segundo Emília Saraiva Nery no seu estudo sobre o músico. Entretanto, foi experimentando o rock, dando largas à sua veia de escritor, o que lhe garantiu outra imagem e credibilidade. Gostava de ser como Jorge Amado mas conseguiu trazer para a linguagem falada e escrita, a “metamorfose ambulante” à qual, afinal, a sua identidade passou a associar-se. 


A música com o mesmo nome foi um sucesso mas foi mais do que isso. Sob a ideologia, que se expandiu mais nos anos 70, do “mudar de vida”, do “mudar-se” e do submergir no sonho em busca do desejo e da realização pessoal, essa “metamorfose ambulante” foi como que um grito suave em prol de uma mudança que não deveríamos ter receio de realizar, pois o que se fizer, “há-de ser da Lei”. Raul preferiu assumir essa mudança como a sua identidade, e as que fossem necessárias, em que momento fossem, em nome de uma “terra do nunca e dos seus moinhos de vento”, como o próprio dizia.
Daí a “Sociedade Alternativa” que pretendeu criar - que não passava de uma utopia baseada em metáforas, sem regras estipuladas mas com um manifesto escrito, livre e cuja principal contribuição para essa sociedade seria a revolução interna, feita no interior de cada indivíduo, por cada indivíduo. Só com essas “metamorfoses” é que a “Sociedade Alternativa” se tornaria a oficial. Quanto mais regras fossem estabelecidas, menos oportunidades haveria de as pessoas mudarem. Com controlo, não há “metamorfose”.
Em consequência, para Raul este foi também o período da projecção das “cidades alternativas”. Nas suas canções, propunha cidades como a “das Estrelas”, idealizada para o campo, em Minas Gerais. Um sonho e um local projectado para cumprir as máximas da sua sociedade. Não passou de um estado de espírito que não construíu cidades, mas gerou comunidades “saídas da Lei para que fossem da Lei”.

“A Panela do Diabo”

Casou-se várias vezes e teve descendência, mas também teve problemas de saúde e vícios. Raul já não era só uma promessa enquanto compositor e músico mas, sim, uma certeza no sentido da mudança social, quando a sua vida começou a dar-se entre “os altos e os baixos”. A instabilidade consolidou-se com o alcoolismo, as drogas e a depressão, como se d’ ”a panela do Diabo” estivesse a comer. Morreu sem assistir ao lançamento do seu último disco, com o mesmo nome, mas viveu tempo suficiente para mostrar que a mudança de que os outros falam não se procura. Torna-se, como Raul Seixas se tornou.

Festival Raul Seixas (Wikicommons, Samuel Aguiar).

Fonte: http://obviousmag.org/archives/2013/01/raul_a_metamorfose_que_sera_da_lei.html#ixzz2Hlun27i

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