“Maluco
Beleza” ou, simplesmente, “Raulzito”. Raul Seixas é, com frequência,
considerado um dos pioneiros do rock brasileiro que, em nome de uma “sociedade
alternativa”, apelava a que se fizesse tudo o que se quisesse, porque “há de
ser tudo da Lei”… ou não fosse ele um símbolo da contracultura. Controverso
para uns, instável para outros, alternativo para os restantes. Entre altos e
baixos, só foi igual na diferença.
Universo Alternativo (Wikicommons, André Koehne).
“Mosca
na sopa”
Raul
Santos Seixas nasceu em São Salvador da Bahia em 1945, a poucos meses do termo
da II Guerra Mundial. Com o findar de uma guerra, o seu nascimento provocaria
outros impactos, a longo prazo, com choques e embates num Brasil governado,
durante a vida dele, com os indícios e os resquícios da ditadura. A sua relação
com as barreiras politico-sociais começou por dar-se logo ao nascer: veio ao
mundo a poucos meses da queda do “Estado Novo” de Getúlio Vargas. Nascer em
período ditatorial talvez fosse prenúncio dos futuros problemas que Seixas e o
seu futuro amigo e reconhecido escritor contemporâneo, Paulo Coelho, viriam a
ter com o governo do Regime Militar (1964-1985).
Memorial Getulio Vargas, Rio de janeiro, Brasil (Wikicommons, Eugénio Hansen, OFS).
Ainda assim, Raul Seixas não deixou de viver e
de formar uma sua futura identidade “anarquista”, que não limitasse a sua forma
imprevisível de estar na sociedade. A sua juventude também teve mudanças
repentinas, daquelas que nunca se sabe, no momento, o que querem justificar. De
uma família baiana de classe média, chegou a reprovar por faltas por preferir o
“rock'n’roll” a estar na escola. Ainda jovem, funda o “Elvis Rock Club” com um amigo, aproximando-se do
estilo “rockabilly”. Mas o clube caiu para a desordem de rua, desde brigas até
furtos e vandalismo. Seixas deixava-se ir, sem gostar muito. Rapidamente, os
pais matricularam-no num colégio religioso.
Em 1973, lança a
música, “Mosca na sopa” - mas, desde cedo, já o era. Saído da classe média, o
seu gosto pelo rock ainda era algo que essa sociedade estranhava mais do que
entranhava. Só a partir dos anos 60 é que a “sopa” uniforme e fluída que era o
panorama social do Brasil passou a ter mais do que uma “mosca chata” a voar e a
trazer novidades “esquisitas” para a sociedade. Talvez o gosto dessa luta o
tenha transformado numa futura “metamorfose” constante.
“Metamorfose
ambulante”
É nos anos 70 que se
dá o auge da carreira de Raul. Esse reconhecimento, aliado à sua história de
vida, lhe viriam a dar uma aura de símbolo da contra-cultura, ou da “cultura do
desbunde”, emergida no Brasil nessa altura, segundo Emília Saraiva Nery no seu estudo sobre o músico. Entretanto,
foi experimentando o rock, dando largas à sua veia de escritor, o que lhe
garantiu outra imagem e credibilidade. Gostava de ser como Jorge Amado mas
conseguiu trazer para a linguagem falada e escrita, a “metamorfose ambulante” à
qual, afinal, a sua identidade passou a associar-se.
A música com o mesmo
nome foi um sucesso mas foi mais do que isso. Sob a ideologia, que se expandiu
mais nos anos 70, do “mudar de vida”, do “mudar-se” e do submergir no sonho em
busca do desejo e da realização pessoal, essa “metamorfose ambulante” foi como
que um grito suave em prol de uma mudança que não deveríamos ter receio de
realizar, pois o que se fizer, “há-de ser da Lei”. Raul preferiu assumir essa
mudança como a sua identidade, e as que fossem necessárias, em que momento
fossem, em nome de uma “terra do nunca e dos seus moinhos de vento”, como o
próprio dizia.
Daí a “Sociedade
Alternativa” que pretendeu criar - que não passava de uma utopia baseada em
metáforas, sem regras estipuladas mas com um manifesto escrito, livre e cuja
principal contribuição para essa sociedade seria a revolução interna, feita no
interior de cada indivíduo, por cada indivíduo. Só com essas “metamorfoses” é
que a “Sociedade Alternativa” se tornaria a oficial. Quanto mais regras fossem
estabelecidas, menos oportunidades haveria de as pessoas mudarem. Com controlo,
não há “metamorfose”.
Em consequência, para
Raul este foi também o período da projecção das “cidades alternativas”. Nas
suas canções, propunha cidades como a “das Estrelas”, idealizada para o campo,
em Minas Gerais. Um sonho e um local projectado para cumprir as máximas da sua
sociedade. Não passou de um estado de espírito que não construíu cidades, mas
gerou comunidades “saídas da Lei para que fossem da Lei”.
“A Panela do Diabo”
Casou-se várias vezes
e teve descendência, mas também teve problemas de saúde e vícios. Raul já não
era só uma promessa enquanto compositor e músico mas, sim, uma certeza no
sentido da mudança social, quando a sua vida começou a dar-se entre “os altos e
os baixos”. A instabilidade consolidou-se com o alcoolismo, as drogas e a
depressão, como se d’ ”a panela do Diabo” estivesse a comer. Morreu sem
assistir ao lançamento do seu último disco, com o mesmo nome, mas viveu tempo
suficiente para mostrar que a mudança de que os outros falam não se procura.
Torna-se, como Raul Seixas se tornou.
Festival Raul Seixas (Wikicommons, Samuel Aguiar). |
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