(Mauro Santayana)
O golpe político e
militar contra o governo legítimo do presidente João Goulart, por mais se tente
identificar como revolução, foi ato contra a República e de submissão à
potencia estrangeira que o planejou, organizou e financiou. Assim ocorreu aqui e
em outros paises do continente.
Tratou-se de ofensa
imperdoável à nação de brasileiros. Hoje, com os documentos existentes e
divulgados, não há dúvida de que a interrupção do processo democrático de
desenvolvimento econômico e social do país se fez na defesa dos interesses do
governo norte-americano no mundo. Essa origem externa não exculpa, e, sim,
agrava a responsabilidade histórica dos brasileiros que aderiram ao movimento,
mesmo que se escudem na defesa da ordem, da fé, das famílias e da virgindade de
suas donzelas, como tantos religiosos pregaram do púlpito.
O golpe só foi
possível porque frágeis eram (e frágeis continuam a ser) as instituições
nacionais. A história republicana, maculada pela nostalgia oligárquica do
Império, se fez no confronto entre a necessidade democrática e a reação
conservadora. E, a partir da Revolução de 30, que se fez para modernizar e
democratizar o Brasil, os golpes e tentativas de golpe passaram a ser freqüentes
sob a influência da expansão imperialista americana e o então projeto nazista de
estabelecer em nossas terras uma Germânia Austral.
Mas, não é este o
espaço para discutir o que ocorreu em 1937, e o que teria ocorrido se as
eleições de 1938 se realizassem, com a prevista vitória eleitoral do
filo-fascista Plínio Salgado. O fato é que Vargas se tornou a personalidade mais
querida e mais poderosa do país, ao eleger-se presidente em 1950 e retomar o seu
projeto nacional de desenvolvimento, frustrado pelo governo Dutra.
Ainda assim, com toda
a sua popularidade, o presidente foi sitiado por uma terrível campanha
parlamentar e jornalística, a pretexto do atentado da Rua Toneleros, até hoje
não bem explicado, e que também merece ser investigado a fundo. Por detrás de
tudo - sabemos hoje também com a divulgação de documentos norte-americanos -
atuava o interesse de Washington contra os projetos de desenvolvimento do país.
A criação de empresas estatais como a Petrobrás e a Eletrobrás era o sinal de
que o Brasil buscava, com firmeza, sua segunda
independência.
A nação reagiu contra
o cerco a Getúlio, rompido pelo grande presidente com a coragem do suicídio, e
elegeu Juscelino, meses depois. Nova tentativa de ruptura do processo, em
novembro de 1955, foi contida com o apoio de boa parcela das Forças Armadas, e o
político mineiro pôde assumir a Presidência e dar o grande salto que completou a
Revolução de 30, na efetiva modernização do país.
A Comissão da Verdade,
como parece claro, não pretende buscar culpados, mas tem como prioridade saber o
que ocorreu a centenas de brasileiros, entre eles Herzog e Manuel Fiel Filho,
dos últimos trucidados por funcionários do Estado, que agiam em nome do governo
militar. Na mesma ocasião, e de forma clandestina, dezenas de comunistas – que
não participavam da luta armada – foram também executados pelo
regime.
Quase todos nós nos
sentimos torturados no sumo da alma, com as declarações de cabo Anselmo à
televisão, ao fazer a apologia da entrega de pessoas indefesas à sanha de
psicopatas treinados cientificamente para torturar jovens e velhos, homens e
mulheres. E da entrega de mulheres grávidas aos torturadores como, sem
arrependimento e com orgulho, declarou ter feito com a
sua.
Todos os que perderam
seus pais e filhos, irmãos e irmãs, maridos e mulheres, amigos e companheiros,
têm direito ao pranto, se não diante de seus mortos, pelo menos diante da
reconstituição de seus derradeiros momentos. Devem conhecer o lugar e o dia em
que pereceram, para ali chorar. O direito ao pranto é tão necessário quanto o
direito a viver. É assim que nos comovemos com a emoção da Presidente Dilma
Roussef, na cerimônia de quarta-feira.
É certo que, no
próprio processo investigatório, será difícil não se inteirar de atos praticados
pelos que resistiam à Ditadura. Conhecê-los não macula os que os praticaram, nas
duras condições dos combates nas trevas, para lembrar a imagem do historiador
Jacob Gorender. A culpa real não cabe a quem age em defesa da legitimidade
republicana, e, sim, aos que, ao praticar o crime de lesa populi,
provocaram a reação desesperada de suas vítimas.
Fonte:http://www.maurosantayana.com/
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