Há dias li um artigo escrito por um teólogo em resposta a uma declaração de Stephan Hawking. Numa rara entrevista recente, o físico reiterou a sua convicção de que depois da vida não há mais nada, e comparou o cérebro humano a um computador, que se vai degradando com o tempo até deixar de funcionar.
O teólogo mostrava-se decepcionado com o materialismo de Hawking, e respondia com este argumento perturbador: o cérebro humano, à medida que se degrada e se aproxima do fim, começa a apreciar Wagner e a admirar cada vez mais a beleza do mundo.
Eu sou ateu como Hawking, e acredito que ele terá razões para explicar esses delírios tardios da mente humana. Mas não deixa de ser intrigante esse interesse crescente das pessoas pela beleza do mundo. Não acontece a todos, mas com alguns transforma-se numa verdadeira obsessão.
Em tempos li muitas coisas sobre uma estranha espécie de maníacos: os coleccionadores de orquídeas. São homens ou mulheres geralmente acima dos 50 anos, cuja mania se vai agravando com a idade. Tornam-se fanáticos por orquídeas. Passam horas observando em êxtase os pormenores de espécimens raros ou exóticos, compram orquídias por preços exorbitantes, procuram-nas por todo o mundo, encomendam-nas, cultivam-nas, guardam sementes, cruzam-nas, criam combinações genéticas.
A orquídea é um ser vivo de beleza concentrada. Darwin considerou-a um dos expoentes da evolução das espécies, o ponto mais avançado de uma linha evolutiva. É a combinação radical do belo e do efémero, a manifestação momentânea e eloquente do que o Universo é capaz. Uma orquídea deslumbra e comove. É verdadeira. Não foi lapidada como um diamante, nem é formada de ilusões ópticas, como uma galáxia distante. É um ser simples e frágil que podemos segurar numa mão. Podemos contemplá-la, mas também amarfanhá-la em menos de um segundo. É o esplendor à nossa mercê.
É verdade que há algo de erótico numa orquídea. Em 1653, o Guia Herbanário Britânico avisava que elas são “quentes e húmidas, sob o domínio de Vénus, e provocam excessivamente sensações de luxúria”. Na era vitoriana era vedado às mulheres possuírem orquídeas, cujas formas eram consideradas perigosamente sugestivas.
Mas esse é apenas um dos instrumentos de sedução das orquídeas, esses seres que aliam o obsceno e o sublime. Outro, é parecerem jóias. Uma orquídea pode ser tão bela, que sentimos que é eterna, embora dure apenas umas semanas. Isso não impede os coleccionadores mais loucos de pagarem 20 mil euros ou mais por uma orquídea. Alguns têm mesmo um consultor de orquídeas, a quem pagam uma avença.
Com um interesse tão intenso, as orquídeas raras tornaram-se um lucrativo negócio. John Laroche é um criador da Florida. Usa métodos tão extravagantes como torrar sementes no micro-ondas ou clonar exemplares que rouba em parques naturais ou jardins privados. “De cada vez que crio um novo híbrido sinto-me como Deus”, disse ele a uma jornalista, pouco antes de ser preso, como um vulgar ladrão de arte.
O vício das orquídeas tem delapidado fortunas, destruído famílias, tal como o do álcool, das drogas ou do jogo. Mas ao contrário destes não é curável. Um viciado no álcool pode sempre obter auxílio junto dos alcoólicos anónimos. Um louco das orquídeas não tem salvação. O objecto do seu vício é perfeito e por isso não substituível. Para além da beleza pura não há mais nada.
(PÚBLICO)
Nenhum comentário:
Postar um comentário