domingo, 3 de julho de 2011



CONFIRMADO : POLÍTICOS SUGERIRAM AO PRESIDENTE ITAMAR QUE FECHASSE, POR UM TEMPO, O CONGRESSO NACIONAL


Que segredo o senhor teve de guardar quando estava na presidência mas hoje pode contar?
Não sei se posso contar todos os segredos. De pronto, posso mencionar um, ocorrido quando assumimos o governo. Dentro da turbulência e da falta de auto-estima que o País vivia, nosso primeiro objetivo, naquele momento, era a manutenção do estado de direito e da democracia. Eu, particularmente, tinha lutado pela democracia desde jovem, desde que tinha sido prefeito de Juiz de Fora. A primeira preocupação, portanto, era essa.
Quando estava tentando formar o ministério, falei com uma figura muito importante, que ocuparia um cargo fundamental. A resposta que obtive foi: “Itamar, gosto tanto de você, mas, pelo amor de Deus, me deixe onde estou, porque você não vai durar 48 horas na presidência”. Aquilo realmente me trouxe preocupação.
Resolvi substituir os ministros militares, por quem tinha muito respeito. Sempre tive, aliás, muito respeito pelas Forças Armadas. Mas eu tinha de fazer a substituição dos ministros militares. Fernando Henrique Cardoso, a quem nós já havíamos escolhido para ser ministro das Relações Exteriores, assustou-se um pouco: achou que aquilo poderia impedir a continuidade do governo.
Tivemos durante algum tempo a sensação de que poderia não haver uma continuidade – sobretudo depois que determinada revista, já na primeira semana após a nossa posse, publicou, na capa, um título provocado pelo fato de que não havíamos nomeado nenhum ministro de São Paulo para a área do Ministério da Fazenda ou do Planejamento. Tínhamos escolhido um nordestino e um mineiro: Gustavo Krause, para a Fazenda, e Paulo Haddad, para o Planejamento, dois grandes ministros, dois grandes amigos. Mas a revista veio assim: “Ministros pífios”(O ex-presidente refere-se à Veja – que, na edição de 7 de outubro de 1992, estampava na capa o seguinte título: “Início pífio: Itamar monta um ministério de compadres”). A gente já imaginava que atrás daqueles “ministros pífios” poderia haver outro movimento…
O importante é que, ao longo do processo que vivi como presidente da República, sempre me preocupei, até por formação, com a manutenção do estado de direito. É uma formação que vem de dentro de casa e também da atividade política, desde os tempos de prefeito da minha querida cidade de Juiz de Fora. Tantos lutaram pelo estado de direito, um ideal que perseguimos ao longo da vida. Queríamos também dar ao País uma nova ordem econômica, o que terminou acontecendo, realmente.


É verdade que o senhor recebeu uma sugestão para fechar o Congresso?
Você vai me colocar numa situação difícil. Mas é verdade. Só não vou dizer o nome dos parlamentares. Vou preservar o nome dos parlamentares porque acho que devo manter esse detalhe sem uma revelação pública. Nós estávamos no palácio, quando dois deputados e um senador entraram de repente, abruptamente, no gabinete e disseram: “O Congresso enfrenta uma crise muito séria. Há corrupção generalizada na área da comissão de orçamento. Quem sabe, você fecharia o Congresso? Faria uma limpeza e, então, daríamos uma nova ordem institucional ao País”.
Falei: “Não! Não! Eu quebraria tudo aquilo que aprendi desde jovem, tudo aquilo que sinto. O Congresso é fundamental num processo democrático. Comigo não contem! Vamos resolver a crise no Congresso. O governo dará todo o apoio que for necessário”. Tanto deu que criou uma comissão de notáveis, encarregada de dar tudo aquilo que a comissão orçamentária precisasse. O que se viu ? Deputados foram cassados.
Quando ouvi a proposta, vivi uma hora difícil. Houve uma segunda vez, um diálogo mais particular. “Vamos fechar o Congresso, vamos limpar, vamos fazer assim, tipo De Gaulle?” (Em meio à crise provocada pelos protestos de estudantes e operários em 1968 em Paris, o general Charles De Gaulle, presidente da França, dissolveu o parlamento, convocou novas eleições e obteve grande vitória eleitoral). Respondi: “Como ‘tipo De Gaulle’? Nós estamos longe da França! Vamos manter a situação. A minha idéia é: custe o que custar, nós entregaremos a faixa ao novo presidente da República, que será eleito democraticamente, como exige e quer a sociedade brasileira. Tenho pedido a Deus que me dê sempre humildade, sabedoria e, sobretudo, equilíbrio para que possa entregar o governo ao sucessor de uma maneira democrática”.


Em que altura do mandato o senhor recebeu a sugestão dos deputados e do senador para fechar o Congresso Nacional?
A proposta foi feita logo que houve a crise da Comissão de Orçamento. Deve ter sido em outubro, novembro de 1993. A crise continuou em 1994. Por que fechar o Congresso? Por que o Congresso não poderia resolver os seus problemas? Há um aspecto importante: em toda crise, sempre respeitamos as decisões do Congresso. Mas, quando a crise ocorria no Executivo, nós sustávamos imediatamente o problema.
Tive um problema com o chefe da Casa Civil, Henrique Hargreaves, amigo fraternal, a quem eu conhecia há anos. O pai de Hargreaves tinha sido meu líder na Câmara dos Deputados. Tenho, portanto, uma amizade fraterna com o ministro Henrique Hargreaves. Quando houve um episódio em que estavam querendo envolvê-lo, o próprio Hargreaves me procurou: “Itamar, é melhor eu sair. Depois, se você quiser, volto. Mas só depois que eu resolver o problema”. Assim aconteceu. (Acusado de ter ligações com irregularidades descobertas na Comissão de Orçamento do Congresso, o chefe da Casa Civil se afastou em novembro de 1993 e voltou ao cargo em fevereiro de 1994, depois de inocentado.)
O então ministro da Fazenda, hoje deputado, Eliseu Resende, é um grande amigo que tenho. Mas eu dizia: “Você é o ministro. Quando o Senado da República começa a discutir quem pagou suas diárias de hotel em Nova York, diminui muito o ministro da Fazenda. Infelizmente, você não pode continuar até resolver esse problema”. (Eliseu Resende perdeu o cargo depois da publicação de denúncias de que favoreceria a empreiteira Norberto Odebrecht). A mesma coisa aconteceu com o ministro das Minas e Energia que, de repente, faz um bilhete em que dizia que uma obra deveria ser dirigida para apoiar o candidato Fernando Henrique Cardoso. Tive de tirá-lo também. (Em memorando interno que vazou para a imprensa, o então ministro de Minas e Energia, Alexis Stepanenko, recomendava a assessores que programassem a inauguração de obras para antes das eleições.)
Internamente, portanto, agíamos na mesma hora. Não deixávamos. Podem me negar tudo – menos a percepção de que, em qualquer crise, nós sabíamos que o poder legislativo deveria ter, sempre, a solução dos problemas atinentes.

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