quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Amor perfeito (Paulo Moura)


Quem sou eu para desfazer as ilusões de alguém? Por isso nesta história não cito nomes nem locais, para evitar qualquer interferência no curso dos acontecimentos. Eles estavam felizes quando a minha amiga os foi visitar, e assim quero que continuem.

A Marisa (todos os nomes são fictícios), irradiava plenitude, atrás da sua gravidez de, aparentemente, seis meses (pelo menos). O Sérgio exibia aquela expressão um pouco apalermada dos homens realizados. Tinham-se conhecido há três meses, pela internet, mas tudo fora perfeito.

Na vida real, isso raramente acontece. Já com a ajuda da Web, torna-se mais fácil, uma vez que é dada uma oportunidade à imaginação. Ou seja: há um tempo para a idealização. O ser humano já não se encontra totalmente à mercê da sua circunstância. O destino fica mais dócil, mais nosso. Foi isto que Marisa e Sérgio, ela brasileira, ele português, explicaram à minha amiga. E pareciam estar os dois de acordo. Nisso, como em quase tudo. Era uma relação perfeita. E, agora, bem real, ainda que, durante um período, tivesse sido virtual. Mas foi precisamente aí que o sonho se delineou. Depois, restava realizá-lo.

Aconteceu tudo em pouco tempo, mas não era preciso mais. Logo às primeiras trocas de mensagens ficou evidente que eles foram feitos um para o outro. Em poucas semanas, cresceu uma grande paixão. E logo começaram a planear uma vida em conjunto, apesar de ela estar no Brasil e ele em Portugal. Que importância tinha isso? Difícil é encontrar o amor.

A internet permitira que duas almas gémeas se encontrassem, explicavam eles, cheios de entusiasmo. Mas não era a internet que os fascinava. Era ideia da perfeição. A consciência de um amor fruto não do acaso, mas da mente criadora. Tal como o sonharam, assim o iam viver. Eis um objectivo que valia a pena alcançar a qualquer preço. Tão inequívoco e luminoso, que seria absurdo adiá-lo.

Marisa, dominando a magia própria das mulheres apaixonadas, tornou tudo possível. Eis o que propôs a Sérgio: encontrar-se-iam em Portugal e, nesse mesmo dia, fariam amor. A data seria calculada de forma que ela estivesse no seu período fértil, para que engravidasse logo daquela vez. Tudo seria perfeito, sem perdas de tempo. Já tinham desbaratado muito, em todos os anos em que não se conheciam, argumentou ela.

Sérgio achou o plano aliciante. Uma receita fatal. Misturavam-se fantasias masculinas e utopias dominantes num só momento sublime. Era o casamento, a união de dois seres, o saltar para uma nova vida ultrapassado etapas maçadoras, o ideal da entrega absoluta, a quimera de fazer um filho, e ainda o mito ter sexo ao primeiro encontro, com uma mulher desconhecida. Tudo isto junto formava uma imagem demasiado forte, irresistível. Que mais poderia um homem desejar?

Ideias como esta subjugam uma pessoa, hipnotizam-na. São uma caução para a felicidade. Constituem a própria matéria de que são feitos os grandes amores. Não há outra.

Sérgio assinou de cruz. Mudou toda a sua vida. Vendeu a empresa, comprou uma casa, anunciou a familiares e amigos a entrada numa nova fase da existência.

Tudo correu como previsto. Marisa chegou, fizeram amor, ela engravidou. Perfeito. E agora ali estavam, vivendo juntos e esperando o filho, que terá a sorte de nascer no seio de uma família feliz, perfeita. Viverá rodeado de tranquilidade e de afecto. Que será ainda maior pelo facto de nascer prematuro.

Fonte: http://reporterasolta.blogspot.com/

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