quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Quarta via: livre pensar é só pensar


Emancipação de distritos
e o Distrito Felizardo
Luiz Antonio Gonçalves Neto

Emancipação está sempre associado ao movimento de esforços para obtenção de igualdade de direitos políticos ou de liberdade quando um segmento específico se acha tolhido em seus direitos ou privado dessa manifestação. Embora existam outras formas de emancipação como a pessoal, a econômica, étnica como a famosa “Die Juden frage” – A questão judaica – de Karl Marx sendo reclamadas, a do distrito Felizardo e dos demais distritos do Brasil é também uma emancipação diferente da dos judeus. Todos os distritos querem a respectiva independência política que têm as suas sedes a qual estão subjugados. Sob o ponto de vista político isso é mudar radicalmente a sua condição, pois implica a sua autonomia para gerir os próprios recursos e sobre tudo ganhar uma personalidade própria na composição da grande teia municipal da União. Filosoficamente independência é a dissociação de um ser em relação a outro do qual dependia ou por ele era dominado. Portanto, a nossa emancipação é a dissociação da cidade de Ipaumirim da qual dependemos.

Nós temos um território e queremos a sua conquista soberana política e econômica mediante a independência absoluta; ter atos de governo próprio regido por uma lei orgânica própria, mas inevitavelmente esbarramos em certas contingências de difícil superação em virtude de estarmos regidos por um Estado de direito, fenômeno político-social que se deu na modernidade que consiste em uma condição jurídica da qual todos estão submetidos ao respeito do direito. Até mesmo o Estado se acha nessa condição. E isso se dá pelo respeito da hierarquia das normas, separação dos poderes e dos direitos e garantias fundamentais.

Sobre nossas cabeças pesam três grandes Leviathans de relativa força, mas de significativa independência e com o seu grau de poder conforme o seu posicionamento: a União, o Estado e o Município. Todos estes entes são independentes e regidos por leis próprias. A União prevalece sobre os seus estados e estes sobre os seus municípios que por sua vez domina os seus distritos e povoados – menores células habitacional do país.

Constitucionalmente – fator magno que regulamenta a nossa vida civil – estamos sob a Emenda Constitucional no. 15, de 12 de setembro de 1996. Em seu artigo 18º formulou-se uma nova opinião alterando os requisitos de observância obrigatória para todos os Estados-membros, para criação – o que nos interessa nesse estudo –, incorporação, fusão e desmembramento de municípios.

Para a criação do Município de Felizardo é necessário textualmente segundo Alexandre de Morais, in Direito Constitucional, 23º ed. 2008, pg. 290:

- Lei complementar (hermeneuticamente significa aquela lei que complementa ao texto constitucional, que só trata de assunto que a Constituição Federal prevê que seja por lei complementar, grifo nosso) federal estabelecendo genericamente o período possível para a criação, incorporação, fusão e desmembramento de municípios;

- Lei ordinária federal (são aquelas leis que tratam de matéria de ordens, grifo nosso) prevendo os requisitos genéricos exigíveis, bem como a apresentação e publicação dos Estudos de Viabilidade Municipal;

- Consulta prévia, mediante plebiscito, às populações dos municípios diretamente interessados – regulamentada na Lei no 9.709, de 18 de novembro de 1998 em seu artigo 5º – A alteração constitucional – ‘populações dos municípios envolvidos’ significa ‘populações dos municípios diretamente interessadas’ e afasta a interpretação até então pacífica do Tribunal Superior Eleitoral, no sentido de que, no caso de desmembramento de um distrito de determinado município, estariam aptos a votar somente os eleitores inscritos nos distritos no distrito emancipado, que se expressam como legítimos representantes da população diretamente interessada e não de todo o município – TSE – MS no 1.511/DF, Rel. Min. José Cândido, Diário de Justiça, Seção I, 5 jun. 1992. No sentido do texto, em análise à nova redação ao texto do art. 18, § 4o, decidiu o Tribunal Superior Eleitoral que ‘Criação de Município – Lei estadual e resoluções da Justiça Eleitoral visando a realização de Plebiscito entre a população da área territorial a ser elevada a categoria de município – Superveniência de emenda Constitucional prevendo consulta às populações dos municípios envolvidos – O texto constitucional tem imediata vigência, incidindo sobre processos de desmembramentos de municípios ainda não concluído’(TSE – Pleno – Mandato de Segurança no 2.664 – Classe 14a – Rio de Janeiro – Rel. Min. Nilson Naves, Diário da Justiça, Seção I, 24 abr. 1998, p.57). Nesse mesmo sentido: ‘estrangeira aqui a inovação de precedente do Supremo Tribunal Federal, considerando necessária a consulta plebiscitária apenas na região em que pretende a criação de novo Município. Essa decisão é anterior ao texto vigente da Constituição Federal, art. 18, § 4º, alterado pela Emenda 15/96’ (TSE – Agravo regimental interposto nos autos do Mandato de Segurança no 2.812 – Bahia – Rel. Min. Edson Vidigal, Diário da Justiça, Seção I, 23 mar. 2000. p. 43.

Corroborando a interpretação do texto, contrária à anterior jurisprudência do TSE, foi editada a Lei no 9.709, de 18 de novembro de 1998, que em seu artigo 7o prevê que nas consultas plebiscitárias entende-se por população diretamente interessada tanto a do território que se pretende desmembrar, quanto a do que sofrerá desmembramento.

Ressalte-se que o STF afirmou que ‘não parece compatível com a Constituição Federal o diploma legislativo que cria município ad referendum de consulta plebiscitária’ (RTJ, 159/775). Por fim, ‘anote-se que, proclamado pelo TER o resultado negativo da consulta, a decisão – preclusa no âmbito da Justiça Eleitoral -, tem eficácia definitiva e vinculante da Assembléia Legislativa, impedindo a criação do Município projetado, sob pena de inconstitucionalidade por usurpação da competência judiciária’ (RTJ, 158/36). Importante, ainda, destacar decisão do Pretório Excelso que julgou parcialmente inconstitucional a Lei no 498 do Estado do Tocantins no tocante à modificação, sem prévia consulta plebiscitária. Dessa forma, entendeu o STF que, mesmo para a edição de leis estaduais que prevejam alterações geográficas entre municípios, haverá necessidade de consulta plebiscitária; (nesse sentido: STF – Pleno – Adin no 1.262/TO – Rel. Min. Sydney Sanches, decisão: 11-9-97 - Informativo no 83; STF – Pleno – Adin no 3.149-0/SC – Rel. Min. Joaquim Barbosa, Diário da Justiça, Seção I, 1o abr. 2005, p. 5.

- Lei ordinária estadual criando especificamente determinado município.

Alexandre ainda nos diz que “em face à ausência de regulamentação da EC no 15/96, o STF declarou a inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade de diversas leis criadoras de Municípios, devidamente instituídos há alguns anos, reconhecendo a mora do Congresso Nacional e estipulando o prazo, ora de 18, ora de 24 meses para que ‘adote todas as providências legislativas ao cumprimento da referida norma constitucional’, preservando, dessa forma, a segurança jurídica”.

Sob esses prismas aí expostos (Lei complementar e ordinária federal, estudos de viabilidade e lei ordinária estadual) fica difícil uma possível chance do distrito Felizardo se emancipar de Ipaumirim.

Mesmo assim, os distritos não se mantiveram abnegados e pressionam as suas representações políticas e eis que surge a PEC 13/2003 em tramitação de autoria do senador Sérgio Zambiasi (PTB-RS) que devolve às assembléias legislativas a competência de legislar sobre a criação e emancipação de municípios. O nosso estado tem potencial para 34 emancipações. Os critérios mínimos com ao novo projeto nos aproxima do sonho. Pouco agora impede de viabilizar a emancipação do Distrito.

Contra esse pensamento levanta-se outro sobre o impacto que poderá causar na administração financeira da União. Por isso quando da votação da PEC 13 o senador Suplicy PT-SP pediu um estudo sobre esse impacto nas contas do governo e nas do município-vítima e no insurgente que não dispondo de renda suficiente terá que endividar-se para gerir a sua administração. Controversamente aos estudos do governo que previu um IDH satisfatório para 10 mil habitantes para se promover uma emancipação, outros pesquisadores, por exemplo, os do Anuário da Associação Mineira dos Municípios constataram um IDH em municípios com 5 mil habitantes acima do mínimo determinado pelo ONU.

A Câmara Municipal tem relevância nesse papel de emancipação, pois ela se dá à discussão de tudo que interessa ao Município. A cidade de Ipaumirim poderia admitir a perspectiva dessa possibilidade para ter mais um município no seu entorno geo-econômico. Com certeza a cidade mais próspera e mais estruturada em face à esses recursos circulando no seu entorno não perderia a sua competitividade e com isso poderia centralizar muitos projetos de interesse do seu entorno.

Não sabemos como está a história e que história foi criada para a nossa emancipação, sei apenas que ela é um direito subjetivo dos felizardenses ou olho dáguenses. Gostaria de ter acesso ao processo impetrado na Assembléia Legislativa do Ceará e saber sobre o mérito e sua movimentação processual. Em 1991 quando aqui cheguei havia rumores de emancipação. Também não é a primeira vez que esses ventos de liberdade sopram sobre nossas esperanças. Já tivemos segundo a oralidade dos Josés Dias e Costa, vereadores, a oportunidade de emancipar-se gratuitamente sob a influência direta de Dr. Arruda, mas a conjuntura política dominante naquela época era adversa ao líder ipaumiriense.

O insucesso constitucional da mal fadada emancipação dos anos 90 legou apenas uma estória mal compreendida, i.e., malversada, desprovida de cientificidade, e pior ainda, manipulada em interesse particular direcionada contra desafetos políticos e condenou alguns dos atores deste cenário destacadamente dentre eles Dr. Anchieta que ao contrário nunca se reservou ao interesse de ver o seu distrito sob administração própria.

Felizardo, D.I, 28 de janeiro de 2009.