Em todo o
mundo, mas especialmente nas regiões mais pobres do planeta, as mulheres
personificam a força da vida que se renova diariamente no desmentido da
fatalidade.
Vencer a
fome para milhões de mulheres que compõe 43% da força de trabalho agrícola nos
países em desenvolvimento, por exemplo, não é uma meta distante, mas uma
incumbência da rotina cotidiana.
As
mulheres são como voluntárias anônimas dessa que é a guerra mais devastadora e,
paradoxalmente, a de mais fácil solução em nosso tempo: superar a privação
alimentar que atinge um em cada oito habitantes do planeta, cerca de 870 milhões
de seres humanos.
Todos os
anos, adverte a Organização Mundial da Saúde (OMS), a fome sozinha mata mais que
doenças como a Aids, a malária e a tuberculose
juntas.
Nos
países em desenvolvimento, 30% da mortalidade infantil nos primeiros cinco anos
de vida tem sua origem na desnutrição.
Depende
em grande parte das mãos femininas o escrutínio diário entre o alimento e a mesa
nua, em milhões de lares em todo o planeta.
Cabe aos
governos e instituições de cooperação internacional dar-lhes um empoderamento
correspondente a esse protagonismo. Municiando-as das ferramentas, dos direitos,
das políticas e dos recursos necessários à eficácia de uma vigília incansável.
Insubstituível.
A
compreensão do Estado sobre o papel nuclear da mulher no desenvolvimento
econômico e social e o consenso político para dotá-la de instrumentos e direitos
correspondentes constitui um dos mais importantes passos da luta contra a
fome.
Desde a
gestação, a mulher é a grande sentinela na linha de frente da luta pela justiça
social. Os primeiros mil dias na vida de uma criança, entre a gravidez e os dois
anos de idade, marcarão para sempre o seu
desenvolvimento.
Podem
significar a diferença para mais ou para menos na contabilidade sombria que hoje
acumula o saldo de 2,5 milhões de crianças mortas todos os anos, enredadas numa
teia de fome e privações.
Nenhum
programa sério de combate à pobreza e à desigualdade será bem sucedido se não
incorporar como seu aliado quem figura como o primeiro abrigo da segurança
alimentar em qualquer sociedade: a mulher.
Do ventre
ao leite materno, dele à primeira fruta, da primeira porção de cereal à primeira
refeição completa e dela às milhares seguintes, a nutrição humana conecta-se à
oferta da natureza e às restrições da sociedade mediada pelo longo e generoso
cordão umbilical do zelo feminino.
Revestir
a mesa da família de algum alimento, ali onde a oferta é escassa, cara e muitas
vezes improvável, requer frequentemente a extensão desse instinto materno no
manejo da terra, adicionado de uma intimidade carnal com o ciclo da natureza e
do alimento.
No
gigantesco continente africano, fronteira onde se trava a principal batalha
contra a fome no século XXI, cerca de 240 milhões de pessoas formam a maior
proporção de famintos do mundo, equivalente a 23% da população
regional.
É no
espaço rural, onde vivem 60% dos africanos, que a luta contra a tragédia assume
contornos decisivos. As mulheres chefiam uma em cada quatro lares rurais na
África. Na porção sul do continente, essa participação sobe a
45%.
Guerras e
conflitos éticos, migrações e colapsos ambientais exacerbaram a sua presença e o
seu peso na força de trabalho agrícola nos últimos anos. No Norte da África ela
saltou de 30% para 43%, desde 1980. Tornou-se majoritária em alguns países, caso
do Lesoto, onde corresponde a mais de 65% dos que trabalham a
terra.
O aumento
das responsabilidades das mulheres significa uma dupla, às vezes uma tripla
jornada - no campo, na família e na comunidade. Esses compromissos adicionais
nem sempre são reconhecidos, valorizados e compartilhados com os homens e
frequentemente torna-se uma trava no empoderamento da mulher nas
sociedades.
No chão
africano, como em outras terras distantes do globo, o dia feminino nasce junto
ao fogo e amanhece com os pés na roça.
A mão que
semeia é a mesma que rastreia a coleta da primeira refeição e se desdobra no
amparo matinal à infância, no cuidado com os animais.
Muitas
vezes, é essa mesma mão que traz a novidade para dentro de casa. A produção de
um queijo, um artesanato, a introdução de uma nova semente, a reprodução de um
caprino, a coleta do mel - reforços preciosos de um orçamento magro e uma dieta
premida pela única certeza que reveste esse universo esquecido: a inconstância
do alimento.
É
imperioso resguardar esse lastro da vida, sobretudo nas regiões mais pobres,
onde a infância e a adolescência femininas estão sendo capturadas precocemente
pelo redemoinho da sobrevivência.
Mais de
61 milhões de meninas com idade entre cinco e 14 anos trabalham na agricultura
atualmente, lembra a OIT.
Paradoxalmente, em todas as latitudes,
são as mulheres que amargam um acesso mais restrito à propriedade jurídica da
terra, que por extensão afeta seu direito ao crédito e aos insumos necessários à
maximização de um esforço superlativo na cadeia
comunitária.
A
equiparação desses direitos e acessos, de modo a fechar o hiato de gênero na
agricultura das nações mais vulneráveis, figura como uma das mais importantes
políticas de segurança alimentar a serem implementadas por governos e
instituições voltadas à cooperação internacional.
Não só
contra a fome.
Sobretudo
nas condições difíceis da luta pela sobrevivência em países pobres e em
desenvolvimento, as mulheres frequentemente são quem impelem sociedades à busca
da paz, cooperação, da segurança e da solidariedade.
Valor Econômico - 08/03/2013
José Graziano da Silva é diretor-geral da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO)
Fonte: http://assisprocura.blogspot.com.br/
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