domingo, 26 de setembro de 2010

A RUA (João do Rio)



(...) "Há nada mais enternecedor que o princípio de uma rua? É ir vê-lo nos arrabaldes. A princípio capim, um braço a ligar duas artérias. Percorre-o sem pensar meia dúzia de criaturas. Um dia cercam à beira um lote de terreno. Surgem em seguida os alicerces de uma casa. Depois de outra e mais outra.
Um combustor tremeluz indicando que ela já se não deita com as primeiras sombras. Três ou quatro habitantes proclamam a sua salubridade ou o seu sossego. Os vendedores ambulantes entram por ali como por terreno novo a conquistar. Aparece a primeira reclamação nos jornais contra a lama ou o capim. É o batismo. As notas policiais contam que os gatunos deram num dos seus quintais. É a estréia na celebridade, que exige o calçamento ou o prolongamento da linha de bondes. E insensivelmente, há na memória da produção, bem nítida, bem pessoal, uma individualidade topográfica a mais, uma individualidade que tem fisionomia e alma.
Algumas dão para malandras, outras para austeras; umas são pretensiosas, outras riem aos transeuntes e o destino as conduz como conduz o homem, misteriosamente, fazendo-as nascer sob uma boa estrela ou sob um signo mau, dando-lhes glórias e sofrimentos, matando-as ao cabo de um certo tempo.
Oh! sim, as ruas têm alma! Há ruas honestas, ruas ambíguas, ruas sinistras, ruas nobres, delicadas, trágicas, depravadas, puras, infames, ruas sem história, ruas tão velhas que bastam para contar a evolução de uma cidade inteira, ruas guerreiras, revoltosas, medrosas, spleenéticas, snobs, ruas aristocráticas, ruas amorosas, ruas covardes, que ficam sem pinga de sangue...

(...)
Há entretanto outras ruas, que nascem íntimas, familiares, incapazes de dar um passo sem que todas as vizinhas não saibam. As ruas de Santa Teresa estão nestas condições. Um cavalheiro salta no Curvelo, vai a pé até o França, e quando volta já todas as ruas perguntam que deseja ele, se as suas tenções são puras e outras impertinências íntimas. Em geral, procura-se o mistério da montanha para esconder um passeio mais ou menos amoroso. As ruas de Santa Teresa, é descobrir o par e é deitar a rir proclamando aos quatro ventos o acontecimento. Uma das ruas, mesmo, mais leviana e tagarela do que as outras, resolveu chamar-se logo Rua do Amor, e a Rua do Amor lá está na freguesia de S. José. Será exatamente um lugar escolhido pelo Amor, deus decadente? Talvez não."(...)

Fonte: http://www.almacarioca.com.br/jdorio01.htm


A alma encantadora das ruas, publicada em 1908, está disponível na net. O texto é lindo. Não resisti e recortei esse pedacinho pra compartilhar com vocês. Vamos buscar a alma das nossas ruas de Ip colaborando com o belo trabalho que a Escola Guia está realizando com seus professores e alunos.
As nossas ruas, os nossos becos, as nossas praças são um pouco de nós. É preciso conhecer para amar e é preciso amar para conservar. Qualquer um pode ajudar contando alguma coisa que sabe. Aquele Beco do Velho Custódio com suas jogatinas, a antiga rua da sombra que viu passar por ela as manifestações cívicas, religiosas e políticas mais importantes. A antiga rua do colégio na saída do Baixio, hoje Francisco Vasconcelos de Arruda. A Rua da Matança, a antiga Rua do Sol, a rua da cadeia, do cemitério por onde desfilaram nossas dores e as nossas cachaças nas festas do velho CRI. Os nomes que elas receberam depois tiraram um pouco desta intimidade entre elas e os seus moradores. Vamos recuperar os seus antigos nomes, as suas histórias e estórias. Se vc souber alguma coisa, mande para o blog da escola (http://escolinhaestrelaguia.blogspot.com ) e também para o e-mail do alagoinha.ipaumirim (luiza_ipaumirim@yahoo.com.br )que repassaremos ao colégio.

Vamos trabalhar juntos.!
Contamos com vocês.
ML

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