Macho e fêmea os criou.
Bíblia: Gênese, 1, 27
I
Hoje é sábado, amanhã é domingo
A vida vem em ondas, como o mar
Os bondes andam em cima dos trilhos
E Nosso Senhor Jesus Cristo morreu na Cruz para nos salvar.
Hoje é sábado, amanhã é domingo
Não há nada como o tempo para passar
Foi muita bondade de Nosso Senhor Jesus Cristo
Mas por via das dúvidas livrai-nos meu Deus de todo mal.
Hoje é sábado, amanhã é domingo
Amanhã não gosta de ver ninguém bem
Hoje é que é o dia do presente
O dia é sábado.
Impossível fugir a essa dura realidade
Neste momento todos os bares estão repletos de homens vazios
Todos os namorados estão de mãos entrelaçadas
Todos os maridos estão funcionando regularmente
Todas as mulheres estão atentas
Porque hoje é sábado.
II
Neste momento há um casamento
Porque hoje é sábado.
Há um divórcio e um violamento
Porque hoje é sábado.
Há um homem rico que se mata
Porque hoje é sábado.
Há um incesto e uma regata
Porque hoje é sábado.
Há um espetáculo de gala
Porque hoje é sábado.
Há uma mulher que apanha e cala
Porque hoje é sábado.
Há um renovar-se de esperanças
Porque hoje é sábado.
Há uma profunda discordância
Porque hoje é sábado.
Há um sedutor que tomba morto
Porque hoje é sábado.
Há um grande espírito de porco
Porque hoje é sábado.
Há uma mulher que vira homem
Porque hoje é sábado.
Há criancinhas que não comem
Porque hoje é sábado.
Há um piquenique de políticos
Porque hoje é sábado.
Há um grande acréscimo de sífilis
Porque hoje é sábado.
Há um ariano e uma mulata
Porque hoje é sábado.
Há uma tensão inusitada
Porque hoje é sábado.
Há adolescências seminuas
Porque hoje é sábado.
Há um vampiro pelas ruas
Porque hoje é sábado.
Há um grande aumento no consumo
Porque hoje é sábado.
Há um noivo louco de ciúmes
Porque hoje é sábado.
Há um garden-party na cadeia
Porque hoje é sábado.
Há uma impassível lua cheia
Porque hoje é sábado.
Há damas de todas as classes
Porque hoje é sábado.
Umas difíceis, outras fáceis
Porque hoje é sábado.
Há um beber e um dar sem conta
Porque hoje é sábado.
Há uma infeliz que vai de tonta
Porque hoje é sábado.
Há um padre passeando à paisana
Porque hoje é sábado.
Há um frenesi de dar banana
Porque hoje é sábado.
Há a sensação angustiante
Porque hoje é sábado.
De uma mulher dentro de um homem
Porque hoje é sábado.
Há a comemoração fantástica
Porque hoje é sábado.
Da primeira cirurgia plástica
Porque hoje é sábado.
E dando os trâmites por findos
Porque hoje é sábado.
Há a perspectiva do domingo
Porque hoje é sábado.
III
Por todas essas razões deverias ter sido riscado do Livro das Origens, ó Sexto Dia da Criação.
De fato, depois da Ouverture do Fiat e da divisão de luzes e trevas
E depois, da separação das águas, e depois, da fecundação da terra
E depois, da gênese dos peixes e das aves e dos animais da terra
Melhor fora que o Senhor das Esferas tivesse descansado.
Na verdade, o homem não era necessário
Nem tu, mulher, ser vegetal, dona do abismo, que queres como as plantas, imovelmente e nunca saciada
Tu que carregas no meio de ti o vórtice supremo da paixão.
Mal procedeu o Senhor em não descansar durante os dois últimos dias
Trinta séculos lutou a humanidade pela semana inglesa
Descansasse o Senhor e simplesmente não existiríamos
Seríamos talvez pólos infinitamente pequenos de partículas cósmicas em queda invisível na terra.
Não viveríamos da degola dos animais e da asfixia dos peixes
Não seríamos paridos em dor nem suaríamos o pão nosso de cada dia
Não sofreríamos males de amor nem desejaríamos a mulher do próximo
Não teríamos escola, serviço militar, casamento civil, imposto sobre a renda e missa de sétimo dia,
Seria a indizível beleza e harmonia do plano verde das terras e das águas em núpcias
A paz e o poder maior das plantas e dos astros em colóquio
A pureza maior do instinto dos peixes, das aves e dos animais em cópula.
Ao revés, precisamos ser lógicos, freqüentemente dogmáticos
Precisamos encarar o problema das colocações morais e estéticas
Ser sociais, cultivar hábitos, rir sem vontade e até praticar amor sem vontade
Tudo isso porque o Senhor cismou em não descansar no Sexto Dia e sim no Sétimo
E para não ficar com as vastas mãos abanando
Resolveu fazer o homem à sua imagem e semelhança
Possivelmente, isto é, muito provavelmente
Porque era sábado.
Gente de Ipaumirim. Vida de Ipaumirim. Tempos de Ipaumirim. Alagoinha... Ipaumirim...... memória..... raízes... atualidades....... por novos tempos..... novos olhares...... espaço aberto a todos......
domingo, 31 de agosto de 2014
sábado, 30 de agosto de 2014
As mil faces de Marina Silva, por Guilherme Mello

Em política, uma imagem vale mais que mil palavras. A construção da
imagem política é um processo lento, que exige a repetição contínua de
alguns mantras e a obstinação de seus seguidores.
Uma vez construída, a desestruturação da imagem de um partido ou
candidato pode se provar difícil de se consumar, mesmo com bons
argumentos para isso.
No caso do PT, por exemplo, ao longo de sua história constituíram-se
duas fortes imagens vinculadas ao partido: a de guardião da ética na
política e a de defensor dos mais pobres e trabalhadores.
A primeira imagem, formada enquanto o PT se encontrava na oposição,
foi fortemente abalada por alguns escândalos de corrupção ocorridos nas
gestões petistas.
Mesmo assim, até hoje o PT não representa, no imaginário da maior
parte da população (excluindo-se aí parcelas tipicamente antipetistas),
um partido corrupto, apesar do bombardeio midiático incessante contra a
agremiação partidária.
Por outro lado, a imagem de partido defensor dos interesses dos
pobres e trabalhadores apenas se reforçou com os quase doze anos de
governo petista à frente da presidência da República.
Projeto próprio
No caso de Marina Silva, a construção de sua imagem é mais recente.
Após cumprir mandato no Senado pelo PT e ser ministra do Meio Ambiente
de Lula, Marina abandonou o partido em busca da construção de um projeto
político próprio.
Sua histórica ligação com as causas ambientais iniciaram a construção
da imagem de uma militante verde, que apenas se reforçou com seu
ingresso e candidatura federal pelo Partido Verde.
No entanto, a causa ambiental, apesar de possuir forte apelo em
parcelas da juventude, é insuficiente para construir uma imagem política
forte para gabaritar alguém à assumir o cargo máximo da república.
Novidade política?
Sendo assim, outro fator teve que ser agregado à imagem de Marina ao
longo dos últimos anos: a de novidade política que propõe uma ruptura
com o sistema político atual.
Com essas duas imagens construídas, Marina Silva parece conquistar
parte significava da juventude de classe média alta das grandes cidades,
que se preocupam com a questão ambiental e gostariam de ver uma nova
ordem política no país.
Neste momento em que Marina mais uma vez se lança a presidência da
república, nos cabe perguntar: qual o conteúdo por trás de sua imagem?
De galho em galho
Pois vejamos: do ponto de vista político, Marina é uma ex-petista
que, após sua saída do PT, passou pelo PV, do qual fez uso como
plataforma para organizar sua campanha.
Após desavenças no PV, tentou fundar um novo partido a tempo de
servir como plataforma eleitoral para seu renovado projeto eleitoral.
Não tendo êxito nesta empreitada, aceitou aderir ao PSB para ser capaz
de manter seu projeto de poder vivo.
O projeto político de Marina Silva parece ser a ascensão ao poder de Marina Silva, independente de por qual partido isso ocorra.
Nada mais tradicional no jogo de poder da política brasileira do que
políticos com projetos pessoais de poder, independente de partidos e
base social, como o caso aqui descrito.
Além disso, Marina é incapaz de explicar como irá governar sem o
apoio dos principais partidos políticos constituídos, se valendo de
frases de efeito como “governar com os melhores”, que não possuem
aderência à realidade do modelo político brasileiro.
Discurso frágil
O fato de sua campanha ser liderada pela família Bornhausen em Santa
Catarina e por Heráclito Fortes no Piauí, ambos conservadores políticos
tradicionais ex-integrantes do DEM , demonstra a fragilidade do discurso
marinista.
Do ponto de vista econômico, Marina Silva não representa nenhuma
novidade no debate público. Suas posições sobre o tema, até o momento,
são repetições do discurso liberal de Eduardo Giannetti, seu assessor
econômico ligado historicamente ao PSDB.
Em recentes declarações,
Gianetti tem repetido para quem quiser ouvir que o projeto econômico de
Marina é basicamente o mesmo que o projeto de Aécio Neves, o que ao
contrário de representar uma novidade, parece apontar para um retorno ao
modelo econômico do governo FHC.
A defesa da redução do papel do Estado, do corte de gastos (inclusive
de gastos sociais) e do controle radical da inflação, mesmo que as
custas de maior desemprego e de uma recessão, foram plenamente
incorporadas no discurso de Marina.
Dúbia e conservadora
Por fim, do ponto de vista dos valores, Marina representa o completo
oposto da renovação, possuindo opiniões bastante conservadoras sob
qualquer prisma que se analise.
Sua postura sobre aborto, combate às drogas, criminalização da
homofobia dentre outros tópicos polêmicos a tornam a candidata mais
conservadora do pleito atual no que diz respeito ao debate sobre
costumes.
Sua formação evangélica, que lhe serve como base de sustentação
política, permite que mantenha em público um discurso dúbio sobre temas
polêmicos (como sua proposta de realizar um plebiscito para discutir a
questão do aborto), mantendo assim seu eleitorado evangélico ao mesmo
tempo em que sinaliza alguma esperança aos eleitores mais progressistas.
Imagem e semelhança
Ao final, o que sobra de novidade em Marina? Apesar de incorporar ao
seu discurso a temática ambiental, em todas as outras áreas Marina se
parece muito com um político tradicional.
Politicamente, muda de partido com o objetivo de viabilizar seu
projeto pessoal de poder. Economicamente, se alinha ao discurso liberal
do PSDB, se valendo de ex-tucanos como seus principais assessores.
No quesito dos valores, adota posturas conservadoras e as minimiza
posteriormente para agradar algumas parcelas da juventude mais
progressista.
Em caso de vitória eleitoral, um possível governo Marina Silva se
veria diante do seguinte dilema: garantir governabilidade se apoiando em
setores políticos tradicionais dentro e fora do Congresso, o que
equivaleria a uma traição aos eleitores que apostaram na ideia de que é
possível fazer política de uma forma “nova”; ou honrar seus compromissos
com o eleitorado e não ter força política para governar, caindo no
risco de paralisia governamental ou mesmo instabilidade institucional.
Caso resolva construir uma aliança com os setores tradicionais,suas
recentes declarações e seus apoiadores atuais nos fazem crer que seu
governo se aliará aos interesses dos bancos, do mercado financeiro e de
parcelas do empresariado, enquanto no Congresso Nacional se verá
obrigada a amarrar uma aliança que conte ao menos com o PSDB e o PMDB
para lhe garantir governabilidade. O que há de “novo” nessas alianças de
poder?
Não seria esse arco de sustentação o retorno à velha coalizão liberal
de FHC? Talvez isso explique o recente abandono do ex-presidente ao
candidato de seu partido e suas declarações de apoio velado à Marina
Silva.
Apesar de seu discurso e suas ações não corresponderem à sua imagem,
será difícil a seus adversários desconstruir o mito Marina Silva.
Além de haver pouco tempo de campanha eleitoral, a candidata
dificilmente irá assumir posturas muito claras na maior parte do debate,
mantendo-se como um “espectro” inatacável. Caso se mantenha bem
posicionada nas pesquisas, dificilmente tal espectro irá se materializar
em verdadeiros compromissos políticos, seja com os eleitores, seja com
outros partidos políticos.
Caso, no entanto, a população passe a duvidar da imagem de Marina,
ela terá que se materializar, sair do campo das ideias dúbias e assumir
algumas posições concretas. Se isto ocorrer, o “mito” Marina Silva
estará seriamente ameaçado, pois suas contradições podem vir à tona e
torná-la apenas mais uma dessas boas ideais que se desmancham no ar.
* Guilherme Santos Mello é economista com doutorado pela Unicamp, pesquisador do Cecon-IE/Unicamp e professor da FacampFonte: http://brasildebate.com.br/
sexta-feira, 29 de agosto de 2014
Poesia popular
O
poeta João Paraibano estava numa festa e devido a uma confusão com a
sua mulher, por motivo de ciúmes desta, foi preso. Conta-se que assim
que se viu dentro do cárcere, o poeta (que é analfabeto) aos prantos e
em estado de embriagues, proferiu de improviso os seguintes versos para o
delegado:
Doutor eu sei que errei
Por dois fatos: dama e porre.
Por amor se mata e morre.
Eu nem morri, nem matei,
Apenas prejudiquei
Um ambiente de classe.
Depois de apanhar na face
Bati na flor do meu ramo.
Me prenderam porque amo
Quanto mais se eu odiasse.
Poeta mesmo ofendido
Sabe oferecer afeto.
Faz pena dormir no teto
Da morada de um bandido,
Se humilha, faz pedido
Ninguém escuta a voz sua,
Não vê o sol, nem a lua
Deixar o espaço aceso.
Por que um poeta preso
Com tantos ladrões na rua?
Sei que não sou marginal,
Mas por ciúmes de alguém,
Bebi pra fazer o bem,
Terminei fazendo o mal.
Eu tendo casa, quintal,
Portão, cortina, janela,
Deixei pra dormir na cela
Com a minha cabeça lesa,
Só sabe a cruz quanto pesa
Quem está carregando ela.
Poeta é um passarinho
Que quando está na cadeia
Sua pena fica feia,
Sente saudade do ninho,
Do calor do filhotinho,
Da fonte da imensidade.
Se come deixa a metade
Da ração que o dono bota,
Se canta esquece da nota
Da canção da liberdade.
Doutor, se eu perder meu nome
Não acho mais quem o empreste,
A minha mulher não veste,
Minha filhinha não come
E a minha fama se some
Para nunca mais voltar.
Não querendo lhe comprar,
Mas humildemente peço:
Se puder, rasgue o processo
E deixe o poeta cantar.
Fonte:http://www.santannacantador.com.br/prosas/texto.php?id=6
quinta-feira, 28 de agosto de 2014
O circo dos horrores no velório de Campos, por Ronaldo Souza
Confesso que me chocou.
Somente 12 dias após a sua morte, escrevo sobre a tragédia que abateu
Eduardo Campos e as pessoas que estavam com ele naquele avião.
Preferi assim para não me deixar levar por deduções ou conclusões
precipitadas, ainda que desde o início algumas posturas já indicavam o
rumo que as coisas iriam tomar.
O comportamento da imprensa em absolutamente nada representa qualquer novidade. A imprensa é isso aí; sórdida.
É inevitável o uso de uma expressão em inglês que é muito utilizada na imprensa mundial:
“Good news is no news”.
Notícia boa não é notícia.
Isso espelha o interesse por situações como essa. A comoção é
trabalhada nos mínimos detalhes. Entretanto, não me lembro de ter visto
tanta sordidez antes.
Relembremos a morte de Ayrton Senna.
Comoção nacional.
A imprensa, no seu uniforme de gala, nos fez chorar a morte de um ídolo nacional.
O Brasil chorou.
Mas naquele momento, apesar de eventuais abusos, não parecia haver
outro sentimento que não fosse a dor pela perda de Ayrton Senna, um
ícone nacional.
Parte da própria imprensa chorou junto com o Brasil.
Não foi assim dessa vez.
O que aqueles homens fizeram com os filhos de Eduardo Campos foi absolutamente execrável.
Ali nada reverenciava Eduardo Campos.
Filhos não enterram o político. Filhos enterram o pai.
A dor dessa hora não pode ser substituída por camisetas e punhos cerrados. Aquilo não era uma batalha a vencer.
Ainda que seja o que ocorre com todos nós, ainda que seja o final
esperado, representava a primeira grande derrota imposta pela vida a
aqueles meninos.
Como impor aquele espetáculo dantesco a crianças de 17, 18, 20 anos naquele momento de dor única e inigualável.
Em nenhum momento eles homenagearam e muito menos respeitaram a perda
do pai. Material de campanha política foi distribuído já no velório.
Um verdadeiro veloriomício, expressão que me esforcei muito para não usar como título desse texto, porque chocaria mais ainda.
Confirma-se mais uma vez que o amor de mãe é algo intocável, sagrado.
Ana Arraes, mãe de Eduardo Campos, esteve todo o tempo fora das
manifestações que ocorreram nesses dias, desde a morte até o velório e
sepultamento de Campos.
E continua assim.
Mesmo antes do sepultamento, o irmão de Eduardo Campos já enchia o
peito para anunciar a candidatura de Marina e se insinuava como vice.
Deplorável.
Não se deve avaliar a dor de quem quer que seja e muito menos como
ela se manifesta. Como diz Caetano Veloso em uma de suas músicas, “cada
um sabe a dor e a delícia de ser o que é”.
Confesso, porém, que tive certa dificuldade em aceitar o
comportamento de Renata Campos, a viúva de Eduardo Campos. Mas depois
entendi que na verdade se aproveitaram da sua fragilidade naquele
momento. Chegaram ao cúmulo quando tentaram coloca-la como vice de
Marina, galgando-a ao posto de maior liderança do PSB.
A viúva de repente se tornara a maior liderança política do partido.
Escancarava-se de maneira chocante a jogada política que todo o tempo
comandou o episódio que envolveu a morte de Eduardo Campos.
A própria Marina também tentou convencer Renata Campos a ser sua vice.
A vida saudável exige a maturação dos seus acontecimentos.
Há um tempo para a celebração de todos os nascimentos.
E ele começa com a festa interior. A alegria do filho, do neto, do
irmão, do sobrinho que nasce tende a se prolongar por toda a vida. Ao
mesmo tempo surgem as primeiras dificuldades, os primeiros dissabores. É
a vida chegando mais plena e nos dando cada vez mais o lastro para o
que virá.
Há também um tempo para a celebração de todas as mortes.
A morte é dor. Doída, insuportável.
Exige um tempo para a reflexão. Daí pode nascer mais força para a vida.
Como terá sido a alegria de Eduardo Campos diante do nascimento de cada um dos seus cinco filhos?
Ele teve esse tempo.
Que papel desempenhará na vida dessas crianças a morte do pai?
Não deram a aqueles meninos o direito de sentir a morte do pai. E não há referencial maior para os filhos do que os pais.
Nossos pais são nossos heróis.
Não lhes permitiram o tempo para o ritual da despedida.
É a hora da dor chorada sozinho, com os irmãos, com a mãe, com a família, com os amigos.
São as primeiras dificuldades, os primeiros dissabores chegando.
Em momentos e de formas diferentes para cada um de nós, mas é a vida
que chega através da morte, às vezes parecendo cruel, para nos ensinar a
viver, dando-nos cada vez mais o lastro para o que virá.
É a maturação da morte na nossa alma.
Tão necessária à nossa vida.
E os demais?
Abutres.
É o que todos eles são.
Vão usar essa morte por algum tempo.
Um tempo com validade definida.
Aí Eduardo Campos finalmente descansará em paz
E será chorado só pela família.
Que os demais continuem a sua festa.
Fonte:http://jornalggn.com.br/noticia/o-circo-dos-horrores-no-velorio-de-campos-por-ronaldo-souza#.U_vYmtomA84.facebook
As nuvens se movem (quanto mais as intenções de voto)
Michel Zaidan

Como era de
se esperar, a primeira pesquisa de intenções de voto, depois da morte do
ex-governador e do ato político-eleitoral que a seguiu, juntamente com a
exploração da mídia, mostrou os efeitos conjunturais da tragédia no
comportamento eleitoral dos votantes. Já se sabia, há muito tempo, que o
potencial político de uma eventual candidatura de Marina Silva era
muito maior do que a de Aécio Neves, que convenhamos, não se constitui
propriamente numa novidade para o eleitor brasileiro: representa a volta
da agenda gerencial e privatista do governo do FHC, sem o brilho
acadêmico deste último. A candidata pentecostal - vinculada à Assembléia
de Deus - esta sim, poderia encarnar o espírito (e a carne) da
novidade, ao esconder, com uma retórica ambiental, o conservadorismo de
base de sua candidatura. Agradaria a gregos e troianos: aos religiosos
fundamentalistas e aos verdes. Pousaria de defensora da família cristã
unida e de protetora do meio-ambiente, como crítica das injunções
entrópicas do chamado "desenvolvimentismo" de Dilma e, paradoxalmente,
de Eduardo Campos.
Mas, o que faz da candidata evangélica um cometa eleitoral é a marca
"anti-Dilma" que ela carrega consigo depois da eleição passada.
Apresentando-se como uma vestal no cenário sórdido da campanha política,
Marina pode alegar que saiu do governo petista porque ele trocou o
meio-ambiente pelos imperativos do crescimento econômico a qualquer
custo, partiu o IBAMA em dois pedaços, acelerou a concessão de licenças
ambientais, fez a opção pelo agro-negócio, abandonou a reforma agrária
etc. etc. etc. Ela não, ainda tem as mãos limpas, é uma bem
intencionada, acredita em sonhos, e esse discurso tanto pode arrebanhar
votos da juventude, como da classe média urbana descontente com as
denúncias de corrupção no governo petista, e ainda a extensa base
religiosa das várias igrejas pentecostais e neo-pentecostais.
Acrescente-se a isso a postura defensiva de Dilma Rousseff nos debates
eleitorais, a sua insegurança, a sua tensão.
No entanto, há algo de curioso nesse fenômeno eleitoral "postmortem"
eduardiano. Há algo de curioso e inquietante no engajamento de pessoas
da classe média na exaltação político-eleitoral do PSB, nos bairros
nobres da cidade. 0 que leva este extrato da população recifense a
vestir a camisa de uma candidata pobre, doente, negra e pentecostal? -
que fez toda carreira política e sindical no PT e no governo LULA -
como se fosse a "virgem do contestado" que viria redimir a política
brasileira de seu vícios de deformações seculares. Será que tudo isso é
obra e graça da mera espetacularização do velório e funeral do esquife
do ex-governador?0 que há por atrás disso tudo? - As artimanhas da família e dos marqueteiros do PSB?
É
isso que tem de ser investigado com profundidade e isenção. 0 que
alimenta o dinamismo da conjuntura e as mudanças de intenção de voto,
pode ser uma vontade de renovação - sobretudo de setores médios e da
juventude - numa disputa sem novidades políticas e eleitorais. Vontade
capturada pela candidatura de Marina Silva (como terceiro elemento).
Mas não é de se desprezar o investimento emocional e material da
oligarquia de Pernambuco, que naturalmente não deseja perder o controle
da sucessão estadual e nacional.
Vamos
nos preparar para o embate entre o candidato de retrocesso, a candidata
obscurantista (embora travestida de pós-moderna) e "mais do mesmo". 0
Brasil merece mais do que isso!
Michel Zaidan é filósofo, historiador e professor da Universidade Federal de Pernambuco.
Fonte: http://blogdojolugue.blogspot.com.br/2014/08/michel-zaidan-as-nuvens-se-movem-quanto.html?spref=fb
Para refletir
Devemos ter sempre a noção muito clara
que a democracia é um bem precioso mas extremamente frágil. E há quem se
aproveite dela, a todo o momento, para a exterminar. O populismo, a
demagogia, os nacionalismos, a xenofobia, o radicalismo identitário são
instrumentos políticos de que se usa e abusa - à esquerda e à direita -
para estrangular a democracia. Não devemos perder de vista as lições da
história. Em 1900, na chegada ao século XX, muitos pensadores e um
número incontável de políticos embriagados de "optimismo" e
"modernidade" vaticinaram um mundo de imparável progresso. Ninguém
imaginava então que esse seria o século dos maiores morticínios
registados desde sempre e das mais tenebrosas ditaduras. Ninguém supunha
que nesse mesmo século então emergente seria inventada a mais terrível
das palavras: totalitarismo.
Nada mais ilusório do que o optimismo histórico, nada mais enganador do que a noção de que existe necessariamente um "final feliz" e redentor na sucessão dos ciclos históricos.
Nada mais ilusório do que o optimismo histórico, nada mais enganador do que a noção de que existe necessariamente um "final feliz" e redentor na sucessão dos ciclos históricos.
Fonte: http://delitodeopiniao.blogs.sapo.pt/
quarta-feira, 27 de agosto de 2014
O terno abençoado de LSD anima qualquer culto
Basta passar o terno nas irmãs que a festa começa
TUNTS TUNTS TUNTS TUNTS TUNTS
Música gospel é o caralho, eu quero é fritar nessa porra!!!!!
UHAUHAUHAUHAU…….. olha….. eu sinceramente não sei o que pensar disso
tudo. Sei que esse pastor precisa emprestar o terno pro pessoal do Tomorrowland Brasil.
As mina cai. As mina roda. As mina fica tonta. As mina pula. As mina paga o dízimo. Ô terninho bom, hein?
Bateu forte a onda UHAUHAUAH, é tanta coisa errada nesse vídeo que não
da pra comentar tudo. Já revi umas 10 vezes e cada vez fica mais
engraçado. Lembre-se jovem: não use drogas, use religião!
Fonte: http://www.naosalvo.com.br/
"Tudo que é sólido desmancha no ar"
Campos estendeu incentivo fiscal à empresa dos aviões, que está sendo executada pela União
24 de agosto de 2014 | 09:10 Autor: Fernando Brito

A Folha mostra hoje, com a reportagem “PF vai investigar se avião foi comprado com uso de caixa dois“,
o quanto é explosiva para a campanha do PSB a questão da propriedade da
aeronave que matou o candidato Eduardo Campos, há 10 dias, em Santos.
Não foi à toa que outro “especialista aeronáutico”, Aécio Neves, partiu para cima do tema, apavorado com a erosão eleitoral que Marina Silva está lhe causando.
A Folha afirma que há um documento assinado com a empresa
proprietária do avião, a AF Andrade – um grupo de usineiros em situação
pré-falimentar e interesses em vários estados- dizendo que a BR Par e a
Bandeirantes Companhia de Pneus assumiriam a aeronave, por R$ 16
milhões.
Segundo a Folha, a BR Par não existe no endereço indicado na Junta
Comercial. Nem poderia, porque lá funciona a S&A Serviços
Empresariais, que se presta à tarefa de, entre outras, hospedar empresas
de participações que só existem no papel.
Resta a Bandeirantes Companhia de Pneus.
Esta é um embrulho de dar gosto, como já apontei aqui, que é
proprietária também do Learjet prefixo PP-ASV, que servia antes à
campanha do presidenciável (clique aqui para ver o registro deste avião)
E é destinatária de incentivos fiscais do Estado de Pernambuco.
Os benefícios do Prodepe, um programa estadual que renunciou, no
total, a R$ 232 milhões de ICMS, eram concedidos desde o final de 2006 à
empresa Bandeirantes Renovação de Pneus Ltda., que trabalhava com
pneumáticos usados e foram estendidos por Eduardo Campos, em 2011 para a
Bandeirantes Companhia de Pneus SA, que transferiu sua sede para a
Paraíba.
O decreto está publicado na página 12 do Diário Oficial de Pernambuco, à página 12 da edição de 24 de setembro de 2011.
Não posso afirmar, é claro, que isso seja irregular. Existe aprovação
de órgãos inferiores. Mas é engraçado que uma empresa de distribuição
de pneus que tem capacidade para comprar um Learjet (pelo menos este,
para não falar do outro, no qual se disse apenas “interessada”) ande
precisando de abatimento nos impostos.

Impostos, aliás, dos quais a Bandeirantes foge de pagar.
Há vários processos da União cobrando impostos devidos pela empresa, como este que reproduzo ao lado e que se amplia ao clicar.
A Certidão de Débitos da empresa, que é de acesso público, registra
que ”constam débitos relativos a tributos administrados pela Secretaria
da Receita Federal do Brasil (RFB) com a exigibilidade suspensa, nos
termos do art. 151 da Lei 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código
Tributário Nacional (CTN)” ( ou seja, contestados judicialmente) e que
“constam nos sistemas da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN)
débitos inscritos em Dívida Ativa da União com exigibilidade suspensa,
nos termos do art. 151 do CTN, ou garantidos por penhora em processos de
execução fiscal”.
Mas para avião para ceder a candidato amigo, sobra dinheiro.
Se cavarem a história desta Bandeirantes (ou destas
Bandeirantes, porque existe também uma Sociedade Limitada, funcionando
no mesmo endereço) vão encontrar uma coleção de empresas de importação
de pneus (usados e novos) que opera através do Porto de Cabedelo, na
Paraíba.
Com um passivo tributário e uma história de autuações
e contenciosos ambientais terrível, que surgirá à medida em que as
investigações avançarem.
FONTE: http://tijolaco.com.br/blog/?p=20307
terça-feira, 26 de agosto de 2014
Portrait
Jr. Walker Evans
“Os olhos trafegam em sentimentos, não em pensamentos”
Walker Evans
"Walker Evans nasceu a 3 de Novembro de 1903 em Saint Louis, EUA, mas
passou maior parte da sua infância em Chicago na cidade de Illinois, e
faleceu a 10 de Abril de 1976 em New Haven também nos EUA. Quando os
seus pais se separaram, Evans e a sua mãe mudaram-se para Nova Iorque.
Em 1922, quando terminou os seus estudos do secundário, decidiu que
queria ser escritor, e em 1926 decidiu ir para Paris, mas descobriu a
sua paixão pela fotografia durante os anos 20. Após o retorno de
Paris e impossibilitado como escritor, entregou-se à câmara
fotográfica. Foi um fotógrafo estado-unidense. Os seus primeiros
trabalhos já exibiam a sua visão objectiva e extremamente atenta ao
pormenor. Em 1935 entrou ao serviço da F.S.A. (Farm Security
Administration), um organismo federal criado por Roosevelt para dar
solução à crise agrícola dos EUA durante o período da Grande Depressão.
Usando a fotografia como prova da miséria em que viviam os
agricultores americanos, Evans registava o quotidiano com precisão
objectiva, honrando, apesar de tudo, a pobreza em que estes agricultores
viviam. Em 1938, depois de concluir o seu trabalho para a F.S.A., o
Museu de Arte Moderna de Nova York honrou a obra de Evans com uma
exposição, a primeira dedicada por este museu a um fotógrafo."
Fonte: http://pt.slideshare.net/patriciaalexandravieira/walker-evans-15003915
domingo, 24 de agosto de 2014
Dizer Não
Dizer não

Reprodução parcial da crónica «El que dice no», de Antonio Muñoz Molina, publicada na Babelia de 17 de Maio de 2014.
Há uma beleza própria no gesto daquele
que diz não, com calma e firmeza, por vezes com fúria, ou que diz não ao
inimigo ou ao déspota que deseja subjugá-lo. E também no que diz não
aos que esperavam e confiavam em que dissesse sim, aos próximos, aos
seus, aos que se sentirão magoados, quando não traídos, pela sua
inesperada negativa. Aos que, talvez depois de o haverem nomeado filho
dileto, decidem rebaixá-lo a filho pródigo. Há um não heroico que conduz
com toda a certeza ao cativeiro e à morte, e esse é um não que não pode
exigir-se a ninguém, porque ninguém está em condições de exigir o que
não sabe se ele próprio faria, ainda que existam seres humanos
suficientemente mesquinhos para julgar com dureza aqueles que sofreram
muito mais que eles.
Uma das vantagens menos celebradas da
democracia é que exclui a necessidade do heroísmo na vida pública. Dizer
não numa tirania acarreta a desgraça imediata, e não apenas para quem
decide não seguir a corrente, mas para todos os que o rodeiam. Os
regimes totalitários acreditaram sempre na culpabilidade por parentesco,
por contágio. Se a um cidadão soviético acusassem de conspirador ou de
inimigo do povo, as consequências pagava-as equanimemente toda a sua
família. Num livro que aborda da heroicidade de dizer não, e de dizer
não podendo facilmente ter dito sim, o historiador alemão Joachim Fest
contava a perseguição a que os seus irmãos e ele próprio se haviam visto
submetidos quando o seu pai, um diretor de escola que militava no
Partido Católico do Centro, se negou a jurar lealdade ao regime de
Hitler. Há formas subtis de integridade que apenas conhecem aqueles que
as viveram. Na Alemanha, conta Fest, muitas pessoas que se opunham aos
nazis tomavam a precaução, ao sair à rua, de levar as duas mãos ocupadas
com algo, e assim tinham uma desculpa para não levantar o braço na
saudação obrigatória. O seu pai, o digno católico conservador que não
cedia nem um milímetro, negava-se também a secundar essa astúcia, e saía
com as mãos livres. Ir pelas ruas com as mãos nos bolsos pode ser um
gesto de heroísmo.
Há um não secreto e formidável naquele
momento em que Boris Pasternak e Vasili Grossman decidem, cada um por
si, escrever um romance que por contar a verdade sobre o horror das
vidas destroçadas pela tirania correram o perigo certo da censura e de
que os seus autores acabassem na prisão. A integridade da experiência
que exige a criação de uma obra de arte é incompatível com qualquer
cedência ou qualquer deferência perante os censores. Em 1973, durante o
sinistro final do franquismo, Juan Marsé concebeu aquele que iria ser o
seu romance mais radical até então, o mais poderoso, o mais sombrio, o
mais perto do coração da sua memória infantil e da sua consciência
política, Si te dicen que caí. E porque esse romance era tão
importante para ele, decidiu escrevê-lo, contaria anos depois, como se o
franquismo não existisse, com uma liberdade de espírito que não
aceitava rebaixar-se ao nível da menor concessão, pois aceitá-lo teria
coberto de infâmia o mais nobre que possuía.
O não começa por ser muito pouco, uma
sílaba dita de forma solitária, ou nem tanto, um simples gesto da
cabeça, que pode por vezes redundar em revolta coletiva, mas preserva
sempre a sua irredutível semente individual, pois há uma parte da
consciência que se manterá em guarda contra as coações do coletivo e do
unânime, e porque o cidadão digno negar-se-á sempre a dissolver-se na
massa. Durante a greve dos trabalhadores do lixo, em Memphis, na
primavera de 1968, cada grevista levava nas manifestações um cartaz
idêntico, embora individual, que reclamava, inclusive na luta coletiva, a
singularidade de cada pessoa: comove-nos ver nas fotografias a preto e
branco esses homens, dignamente vestidos apesar da sua pobreza, exigindo
entre todos a dignidade de cada um: «I Am a Man». Sozinha, sem cartaz,
com os seus óculos, com o seu sorriso largo, com as suas mãos de
trabalhadora poisadas sobre o colo, Rosa Parks disse que não quando lhe
exigiram que cedesse o seu lugar no autocarro a um passageiro branco, e
essa negativa foi muito mais poderosa porque uma só pessoa, uma mulher,
se atreveu a exercê-la. (…) Em plena epidemia de fervor evangélico, na
pequena cidade de Amherst, no seio de uma família religiosa, Emily
Dickinson escolheu dizer que não: «Alguns observam o sábado indo à
igreja, eu observo-o ficando em casa».
A democracia torna em larga medida
desnecessário o heroísmo, mas não liberta o dissidente dos incómodos e
dos desgostos de escolherem o sentido oposto. Mais ainda nestes tempos
nos quais se difunde com tanta facilidade o que Jaron Lanier chamou de
«maoismo digital», a súbita agressividade coletiva contra uma só pessoa.
O que está só e dá a cara é ainda e sempre vulnerável: no anonimato de
Internet podem desfrutar-se como nunca os velhos prazeres do ultraje
unânime e do linchamento. Mas (…) sendo humanamente compreensível que
nas ditaduras alguém baixe a cabeça por medo da polícia, nas democracias
é inaceitável que muita gente, que poderia e deveria falar, diga sim em
vez de não apenas pelo medo de não estar na moda, de não fazer como os
outros.
FONTE: http://aterceiranoite.org/2014/06/08/dizer-nao/
Quem tem razão contra Quem tem razão

Ainda um dia me esforçarei por compreender as razões profundas que
levam a que o conflito israelo-palestiniano seja o tema de política
internacional que maiores clivagens cria na opinião pública. Ao ponto de
toldar pessoas habitualmente razoáveis ou de incompatibilizar outras
que pouco antes de se zangarem partilhavam opiniões próximas sobre
muitos assuntos. E isto acontece há décadas. Pelo menos desde as rápidas
mas brutais guerras dos Seis Dias (1967) e do Yom Kippur (1973), quando
os mais duros dos duros militares israelitas, comandados no terreno por
homens como Moshe Dayan ou Ariel Sharon, tomaram conta de Israel,
ampliando a ocupação sionista do território da Palestina e deitando por
terra qualquer possibilidade de um entendimento com a antiga OLP. A sua
atitude de impiedade e conquista favoreceu ao mesmo tempo o crescimento
de setores palestinianos radicalizados que excluíam qualquer acordo,
presente ou futuro, com Tel Aviv. A partir dessa altura a paz
transformou-se numa miragem. E o sofrimento, sobretudo o dos mais
fracos, não mais parou, regressando periodicamente aos paroxismos de
violência e assassinato em massa como aqueles a que estamos a assistir.
Pode dizer-se, em abono das posições extremas e de ódio ao ódio, que
perante o horror dos bombardeamentos indiscriminados que o exército de
Israel está agora a lançar sobre a Faixa de Gaza, existem limites da
desumanidade que requerem atitudes imediatas e frontais, sem panos
quentes, de protesto, repúdio público e busca de uma solução rápida e
eficaz. Estou de acordo com este princípio e por isso defendo que a
primeira medida, uma medida mínima, implica a forte condenação
internacional do governo de Israel, o seu isolamento, pela política de
genocídio que, em nome do combate ao extremismo do Hamas, está a levar a
cabo sobre uma população indefesa e sem possibilidade de escape.
Colocada até, em alguns casos, entre dois fogos. Mas tal não pode
implicar um encolher de ombros por parte dessas mesmas pessoas diante
dos assassinatos em massa que ainda há poucas semanas tinham lugar, por
exemplo, na Síria, e em relação aos quais a «capacidade de indignação»
referente à existência de alvos humanos civis se não fez sentir de
qualquer forma. A dualidade de critérios apenas se entende dado quem a
pratica não colocar o valor da vida humana no centro das suas
preocupações, aceitando a possibilidade de existirem atrocidades más e
outras «boas», consoante o lado que as aplica ou a teia de interesses
políticos que as condiciona. Desta forma, a sua indignação, por muito
justa que possa ser, e neste caso é-o, perde força e autoridade moral.
Nestes termos, é fácil cair em armadilhas, confundindo o odioso da
intervenção comandada a partir de Tel Aviv com uma espécie de essência
maléfica da generalidade dos israelitas diante da qual qualquer outro
comportamento, como o aplicado pelo Hamas – que sabemos só não ser de
idêntico calibre dada a desproporção da força militar disponível e que,
como também é sabido, não representa, nem de longe, a generalidade dos
palestinianos – surge como quase benévolo. Não sei a quem serve, que não
a um prazer mórbido em distorcer as razões do ódio, inventar histórias
como a dos israelitas que assistem aos bombardeamentos como a um
espetáculo (Franco serviu-se da mesma invenção em 1936, quando dos 70
dias de bombardeamento republicano sobre o Alcázar de Toledo) ou a da
deputada do Knessett que exigia que «todas as mães palestinianas sejam
executadas» (nenhum jornal ou agência de informação credível divulgou
tal «notícia»).
Estes exemplos são extremos, bem sei, mas são elucidativos a respeito
da forma como a defesa irracional de uma causa pode causar danos. Em
primeiro lugar, à própria causa, que nada ganha com tais invenções. Mas
também ao seu sentido da luta pela justiça, que deixa de ser contra o
governo israelita e os setores do centro e da direita que o apoiam,
aplicando-se a todos os cidadãos de Israel, muitos dos quais se têm
erguido, entre grandes perseguições, contra a guerra em curso e por uma
solução pacífica do conflito. Os portugueses que viveram parte das suas
vidas do lado da luta contra o regime ou no exílio recordarão como eram
internacionalmente culpabilizados e apodado de «fascistas» pelos crimes
da Guerra Colonial.
De facto, qualquer pessoa avisada, justa, e com um sentido da
história que ultrapasse o que pode divisar-se apenas a dois palmos do
seu nariz, sabe que o fim do conflito no Médio Oriente e do confronto
israelo-palestiniano passará sempre, mais tarde ou mais cedo, por uma
solução de compromisso, com responsabilidades repartidas. Esta solução
implicará dois Estados lado a lado, numa base de igualdade e tendo
Jerusalém como capital partilhada; a esta separação pacificada estariam
associadas reparações financeiras e morais para os refugiados
palestinianos, com possibilidade de viverem no seu estado independente
ou de poderem regressar às suas terras de origem. Outra solução,
minoritária mas também apoiada por muita gente que quer a paz – assim a
pensaram intelectuais como o israelita Amos Oz ou o palestiniano Edward
Saïd –, passaria por um único Estado com direitos iguais para todas as
religiões e povos que vivam no seu território. Em qualquer caso, o
governo israelita teria de ceder, passando a respeitar os direitos dos
palestinianos e a legalidade internacional, só assim deixando de ser
tratado como um governo pária. Tal como os setores extremistas e
fanatizados do Hamas deveriam ser limitados no seu desejo expresso de
expulsar todos os judeus da Palestina, o que, para além de
historicamente injusto, criando, a acontecer, um novo problema humano, é
política e militarmente impossível.
Claro que para se chegar a essa situação permanece quase tudo por
fazer – ao fim de todas estas décadas, é verdade, quase estamos de novo
na estaca zero –, a começar pela necessidade absoluta de palestinianos e
israelitas serem capazes de afastar das suas lideranças e das suas
alianças de circunstância aqueles que, em nome de projetos imperiais ou
de fidelidade a um deus superior, tudo fazem para impedir uma solução de
aproximação que não se traduza na anulação impiedosa do outro. Mas será
esse o primeiro passo para que se torne possível começar a lamber as
feridas e iniciar a via longa e dolorosa do tratamento de ódios tão
profundos quanto compreensíveis. Percebendo-se que a luta não é, as
palavras são de Oz, «entre quem tem razão e quem tem razão», entre os
assassinos sionistas e os algozes islamitas, entre quem sustenta um
estado confessional fundado na força das armas ou outro nas mesmas
condições, mas contra quem se aplica todos os dias em impedir um estado
de paz, de desenvolvimento e de democracia para a região e para os seus
povos. Produzindo ondas de choque que chegam às nossas casas. Um dia
elas terminarão, todos o esperamos, mas não será a cegueira a
consegui-lo.
Fonte: http://aterceiranoite.org/2014/07/25/quem-tem-razao-contra-quem-tem-razao/
sábado, 23 de agosto de 2014
sexta-feira, 22 de agosto de 2014
Aos amantes da fotografia
Vallée de l´Huisne, albumina de prata(1858)
Camille Silvy (1834-1910)
Camille Silvy (1834-1910)
A fotografia nos
primórdios,
quando se limitava a imitar a pintura.
quando se limitava a imitar a pintura.
Fonte: http://antreus.blogspot.com.br/
quinta-feira, 21 de agosto de 2014
Livra-me de mim, por Fernando Pessoa
Senhor, que és o céu e a terra, que és a vida e a morte!
O sol és tu e a lua és tu e o vento és tu!
Tu és os nossos corpos e as nossas almas e o nosso amor és tu também.
Onde nada está tu habitas e onde tudo está - (o teu templo) - eis o teu corpo.
Dá-me alma para te servir e alma para te amar. Dá-me vista para te ver sempre no céu e na terra, ouvidos para te ouvir no vento e no mar, e mãos para trabalhar em teu nome.
Torna-me puro como a água e alto como o céu. Que não haja lama nas estradas dos meus pensamentos nem folhas mortas nas lagoas dos meus propósitos. Faze com que eu saiba amar os outros como irmãos e servir-te como a um pai.
Minha vida seja digna da tua presença. Meu corpo seja digno da terra, tua cama. Minha alma possa aparecer diante de ti como um filho que volta ao lar.
Torna-me grande como o Sol, para que eu te possa adorar em mim; e torna-me puro como a lua, para que eu te possa rezar em mim; e torna-me claro como o dia para que eu te possa ver sempre em mim e rezar-te e adorar-te.
Senhor, protege-me e ampara-me.
Dá-me que eu me sinta teu.
Senhor, livra-me de mim.
Fernando Pessoa em 'O Eu Profundo' - 1912(?)
Fonte: http://assisprocura.blogspot.com.br/
quarta-feira, 20 de agosto de 2014
Lembrando de Alberto Moura

Alberto Moura
Uma vez, seu Alberto me contou um episódio que aconteceu em Cedro e que eu lembrava só um pedacinho do final do verso. Virei mundos e fundos buscando por esse pedacinho recuperar o verso e o contexto onde ele se insere.
Acabei encontrando num artigo de Barros Alves publicado em http://www.oestadoce.com.br/noticia/mocas-da-vaca-braba na página de Opinião. O texto chama-se As moças de vaca brava onde o autor conta uma anedota publicada por Padre Antonio Vieira, nascido em Várzea Alegre, no seu livro Sertão Brabo.
Transcrevo para vocês um recorte de texto do artigo com o verso que procurei durante muito tempo.
(...) em
Cedro, município do centro-sul do Ceará, existe uma localidade chamada
Vaca Brava, mesmo nome do rio que banha a cidade. Certa feita, um
morador do lugar convidou uma dupla de cantadores para realizar uma
cantoria na residência dele. Simultaneamente, um vizinho inventou de
fazer um forró. À noitinha tome verso e viola e nada de ninguém aparecer
para ouvir os cantadores. Todo mundo passava para ir balançar o
esqueleto no “samba” do vizinho. Então, um dos cantadores, já amuado com
a situação, resolveu provocar:
As moças da Vaca Braba
São todas doidas por dança,
Se abufelam com os rapazes
Juntando pança com pança,
Nunca vi uma vaca braba
Ter tanta garrota mansa.
Fonte: http://www.oestadoce.com.br/noticia/mocas-da-vaca-braba
terça-feira, 19 de agosto de 2014
Agosto
Acho que não cheguei a dizer-te que a
D. Idalina deixou a loja, reformou-se, e que agora está lá um indiano. E
que a prima da Paula também vai emigrar. Foi tão pouco tempo, ainda
tanta coisa por dizer, não deu para nada.
- Os dias passam a correr, qualquer dia já estás cá outra vez.
Já sinto saudades e ainda nem
partiste. Quem dera ter já acabado as minhas férias, para não ficar a
ver o tempo passar devagar, devagarinho, sem ti.
- Pois é, o tempo voa.
A Versailles agora tem esplanada, se calhar não viste. E o jardim do Campo Grande ficou pronto.
- Puseste o bilhete de avião e o passaporte na bagagem de mão?
- Estão aqui.
Não é isto que eu te quero dizer. Vais-me fugir outra vez e não consigo dizer-te o que quero.
- Logo telefono, quando chegar.
"Adoro-te", era isto que eu te queria dizer, mas não posso.
- Sim, não te esqueças.
Em 365 dias tenho-te vinte. É uma tortura.
- Felizmente temos o skype.
- Pois, no tempo em que não havia nada, só o telefone e as cartas do correio, era muito pior.
Mas e o teu cheiro? Onde é que no skype posso sentir o teu cheiro?
- Viste como está lá o tempo?
- Sim, dizem que também vai estar calor.
Sou uma piegas, isto é bom para ele.
Toda a gente diz. Lá ganha 3000, aqui ganhava 700. É bom, dá-lhe
currículo, dá-lhe mundo. É tão bom. Devia estar feliz, devia sentir
aquilo que toda a gente diz que eu devia sentir. Estar orgulhosa e
pensar que isto é uma aldeia global e que num instante estamos em
qualquer lado e a começar uma nova vida e a ter muitas experiências.
Aplicar a teoria à prática e por uma vez ser também empreendedora,
forjar um amor menos exigente, mais flexível e 100% digital, para
substituir este que me deixa a morrer de cada vez que o vejo, analógico e
lindo, e volto a perder entre aviões.
- Levas o anti-inflamatório?
- Sim, vai na mala de porão.
É bom!I like, like, like, like it.
- Bem, tenho de ir.
O pior nem é estares lá, mas saber que "nunca mais volto a viver aqui, mãe". Que nunca mais voltas a viver nesta merda de país.
Fonte: http://delitodeopiniao.blogs.sapo.pt/
segunda-feira, 18 de agosto de 2014
A atualidade do pensamento de Milton Santos
Sobre a globalização
“É preciso perceber três espécies de globalização se queremos escapar à crença de que este mundo, assim como nos é apresentado, é a única opção verdadeira:
Há o mundo tal como nos fazem vê-lo, com a globalização como fábula; o segundo é o mundo como ele é, com a globalização como perversidade; e o terceiro, o do mundo como ele pode ser, o da outra globalização.
A globalização tem três faces, portanto: é uma fábula, na medida em que fantasia-se acerca de mitos como a comunicação universal, o fim do Estado e a aldeia global.
O outro lado é a globalização perversa, que ataca a maioria dos países pobres, trazendo miséria, fome e doenças. Mas as mesmas técnicas que permitem em países ricos a proliferação da ideologia perversa permitirão aos países pobres um movimento de baixo para cima, que imporá uma nova ideologia mais humana.”
A imprensa como instrumento de propaganda a serviço de grupos específicos
“A globalização perversa é baseada em fábulas como a da comunicação global, do espaço e tempo contraídos, da desterritorialização e da morte do Estado. São fábulas porque a informação é centralizada e manipulada no interesse das grandes empresas. A diminuição de espaço e tempo pregada só acontece para poucos. A globalização perversa precisa dos territórios e dos governos internos para se manter e a morte do Estado, por sua vez, só aproveita às poucas empresas hegemônicas.
Todas essas fábulas são inculcadas nos cidadãos antes mesmo de qualquer ação.
Nascem daí a violências estrutural e a perversidade sistêmica, onde a competitividade e a potência (falta de solidariedade ou prevalência sobre os outros) puras, unidas à ideologia neoliberal, fazem parecer normais as exclusões sociais. Fala-se muito em violência da sociedade de nosso tempo, mas esquece-se que as violências que mais percebemos são apenas derivadas. A violência estrutural resulta da presença, em estado puro, da competitividade, da potência e do dinheiro. A essência da perversidade é a competitividade, uma guerra em que tudo vale para conquistar melhores espaços no mercado.”
A gestão do “novo”
“... A gestação do novo, na história, dá-se frequentemente, de modo quase imperceptível para os contemporâneos, já que suas sementes começam a se impor quando ainda o velho é quantitativamente dominante. É exatamente por isso que a “qualidade” do novo pode passar despercebida... A história se caracteriza como uma sucessão ininterrupta de épocas. Essa idéia de movimento e mudança é inerente à evolução da humanidade. É dessa forma que os períodos nascem, amadurecem e morrem...”
“... Uma outra globalização supõe uma mudança radical das condições atuais, de modo que a centralidade de todas as ações seja localizada no homem: a precedência do homem. Sem dúvida, essa desejada mudança apenas ocorrerá no fim do processo, durante o qual o reajustamentos sucessivos se imporão. Nas presentes circunstâncias a centralidade é ocupada pelo dinheiro, em suas formas mais agressivas, um dinheiro em estado puro sustentado por uma informação ideológica, com a qual encontram simbiose...”
Os atores que vão mudar a história são os atores de baixo. Vão agir de baixo para cima. Os pobres em cada país, os países pobres dentro dos diversos continente, os continentes pobres em face dos continentes ricos. De tal forma, não teremos uma revolução sincronizada: haverá explosões aqui e ali em momentos diferentes, mas que serão impossíveis de conter.
O Estado
O Estado é indispensável porque as chamadas organizações do terceiro setor não são abarcativas, não podem cuidar do conjunto das pessoas que precisam de cuidados. Já o Estado tem a tendência de cuidar de todos, de todas as pessoas. Essa produção democrática que as ONGs ou o terceiro setor – por suas limitações de origem, financiamento, objetivos – não podem fazer. Então, o Estado torna-se algo cada vez mais indispensável, porque as fontes criadoras de diferenças e desigualdades são muito mais fortes que no passado.
Democracia vazia
A gente esvaziou a palavra democracia de conteúdo. Continua-se falando em uma democracia sem saber muito bem do que se está falando. Nós utilizamos uma série de conceitos que vêm de um outro tempo – e que tornam vazios, porque o tempo mudou! – da maneira que é conveniente. Usa-se o conceito de democracia com referência ao meramente eleitoral. O resto – a representatividade, a responsabilidade, tudo isso – perdeu força.
Responsabilidade da educação
"A educação corrente e formal, simplificadora das realidades do mundo, subordinada à lógica dos negócios, subserviente às noções de sucesso, ensina um humanismo sem coragem, mais destinado a ser um corpo de doutrina independente do mundo real que nos cerca, condenado a ser um humanismo silente, ultrapassado, incapaz de atingir uma visão sintética das coisas que existem, quando o humanismo verdadeiro tem de ser constantemente renovado, para não ser conformista e poder dar resposta às aspirações efetivas da sociedade, necessárias ao trabalho permanente de recomposição do homem livre, para que ele se ponha à altura do seu tempo histórico."
O tecnicismo engessador
"Em nome do cientismo, comportamentos pragmáticos e raciocínios técnicos, que atropelam os esforços de entendimento abrangente da realidade, são impostos e premiados. Numa universidade de ‘resultados’, é assim escarmentada a vontade de ser um intelectual genuíno, empurrando-se mesmo os melhores espíritos para a pesquisa espasmódica, estatisticamente rentável. Essa tendência induzida tem efeitos caricatos, como a produção burocrática dessa ridícula espécie de ‘pesquiseiros’, fortes pelas verbas que manipulam, prestigiosos pelas relações que entretêm com o uso dessas verbas, e que ocupam assim a frente da cena, enquanto o saber verdadeiro praticamente não encontra canais de expressão."
Sobre a violência atual
“O caldo de cultura que baliza a vida já é violento em si. A globalização exige de todos os atores, de todos os níveis e em todas as circunstâncias, que sejam competitivos. Esse processo exige que empresas, instituições, igrejas sejam competitivas. A competição estimula a violência porque a regra que vigora é a regra do resultado. Não existe ética. Quando, por exemplo, se privilegia, no ensino secundário, a formação técnica, sem nenhum conteúdo humanístico, está se criando mais um caldo de cultura que estimula atitudes violentas.”
Fonte: http://assisprocura.blogspot.com.br/
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