Não gosto de efemérides. As efemérides montam um
circo insuportável em torno de feitos, personagens ou valores
importantes. Não gosto de um dia para celebrar José Afonso porque todos
os dias são de celebrar José Afonso. Não gosto de calendários para ser
feliz, horas para ser solidário, datas para celebrar a mulher, o livro
ou o lince ibérico. Preferia sentir que as pessoas se importam realmente
com as coisas, que reflectem os seus valores e ponderam as suas opções,
a ficar com esta sensação repisada de uma memória colectiva que anda de
empurrão. Hoje é dia de partilhar músicas do Zeca no facebook,
ontem foi dia de relembrar Amália, amanhã será dia de partilhar Carlos
Paredes, depois de amanhã choraremos a morte de Mandela e elogiaremos o
talento de Eusébio e assinalaremos a enorme perda para a cultura
portuguesa que será o desaparecimento de Manoel de Oliveira. Faremos
tudo isto com um currículo miserável de profundo desrespeito e
desinteresse pelas obras, pelos feitos, pelo sentido, pelo significado,
faremos por fazer, porque fica bem, porque é dia de, porque o respeito e
os ventos massivos de uma sociedade ordenada a tal obrigam. Deixamo-nos
impelir pelas tendências como se fôssemos um catavento. Devíamos acabar
com as efemérides e transformar cada segundo das nossas vidas num
exercício de reflexão íntima sobre valores e referências pessoais.
Fonte: http://universosdesfeitos-insonia.blogspot.com.br/search/label/Livro%20de%20estilo
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