quarta-feira, 30 de abril de 2014

Aos homens tudo é devido

Toda a gente sabe a his­tó­ria da sereia. Da prin­cesa filha do rei dos mares que durante um imenso tem­po­ral salva um rapaz de mor­rer afo­gado após o nau­frá­gio do navio onde nave­gava. Toda a gente sabe que ela se apai­xo­nou por ele, afi­nal prín­cipe tam­bém, mas na terra, e sabe-se que por causa desse amor tro­cou a cauda de peixe por um lindo par de per­nas — para poder par­ti­lhar desse mundo dele. Mas tam­bém toda a gente sabe que as tro­cas de natu­reza têm um preço ele­vado: as per­nas custaram-lhe a voz. Era uma prin­cesa muda. Assim mesmo tam­bém o prín­cipe terá gos­tado dela — só por um boca­di­nho, pois quando deci­diu casar, casou com a prin­cesa do reino vizi­nho que tinha voz e reino.
Toda a gente sabe que se a prin­cesa não casasse com ele não teria lugar na terra pois não era da terra. Mas para vol­tar a per­ten­cer ao mar, reto­mar a sua cauda de peixe, teria de o matar ela pró­pria antes do nas­cer do sol sobre a noite da lua de mel: enfiar-lhe um punhal de osso de tuba­rão na carne. Isso ou transformar-se ia em espuma do mar quando entrasse nas ondas. Pare­cia fácil matá-lo ao vê-lo tão feliz com a sua noiva, tão esque­cido dela. Porém, amava-o e foi assim que, como toda a gente sabe, ati­rou o punhal ao mar e a seguir jogou-se a si mesma nas ondas e se fez espuma na pri­meira luz da aurora.
Aos homens tudo é devido por­que são as mulhe­res que os parem. Eles nunca per­gun­tam por­que é que ela me ama? Perguntam-se: como é que ela não me ama? Essa é chave.
Penso que Sar­to­rio sabia que a his­tó­ria seria dife­rente se fosse o prín­cipe a sal­var a sereia da morte.
Fonte: http://www.escreveretriste.com/page/5/

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