quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

1968: A REVOLUÇÃO INESPERADA

  "a luta contra o autoritarismo e as instituições em que ele mais se fazia sentir (...) foi outra das bandeiras empunhadas pelos estudantes de todos os países em 68"

Do livro: 1968. Eles só queriam mudar o mundo 
Regina Zappa e Ernesto Soto 


  “Havia um ar estranho: a revolução inesperada arrastara o adversário, tudo era permitido, a felicidade coletiva era desenfreada.” - Antonio Negri

“1968” foi o ano  louco  e  enigmático do  nosso  século. Ninguém o previu e muito poucos os que dele participaram entenderam afinal o que  ocorreu. Deu - se  uma  espécie  de   furacão   humano,     uma generalizada e estridente insatisfação juvenil, que  varreu  o  mundo em  todas  as  direções.  Seu  único  antepassado  foi  1848   quando também  uma  maré  revolucionária  - a  “ Primavera dos Povos”  -, iniciada  em  Paris  em  fevereiro,  espalhou-se  por  quase  todas as capitais e  grandes  cidades  da  Europa,  chegando  até o  Recife no Brasil.

O próprio filósofo Jean-Paul Sartre, presente nos acontecimentos de maio  de 1968  em  Paris, confessou, dois  anos  depois, que  “ainda estava    pensando   no   que   havia  acontecido  e  que   não   tinha compreendido muito bem: não pude entender o que aqueles  jovens queriam...então acompanhei como pude...fui conversar com eles na Sorbone, mas isso não queria dizer nada” (Situations X).

A dificuldade de interpretar os acontecimentos daquele ano deve-se não  só  à  “ múltipla  potencialidade  do  movimento ” como  a ambiguidade  do  seu resultado  final.  A  mistura  de  festa  saturnal romana com combates de rua entre estudantes, operários e policiais, fez  com  que  alguns, como C.Castoriaditis, o  vissem  como   “uma revolta comunitária” enquanto que  para  Gilles Lipovetsky e outros era “a reivindicação de um novo individualismo.”

Tornou-se  um  ano  mítico  porque  “1968”  foi   o ponto de partida para   uma  série   de  transformações  políticas ,  éticas ,   sexuais  e comportamentais ,  que  afetaram  as  sociedades  da  época de uma maneira irreversível. Seria o marco para os movimentos ecologistas, feministas,  das  organizações  não - governamentais (ONGs)  e  dos defensores  das  minorias  e  dos  direitos humanos.  Frustrou  muita gente  também.  A  não realização dos  seus sonhos, “da imaginação chegando  ao  poder”,  fez  com  que  parte  da  juventude  militante daquela época se refugiasse no consumo das drogas ou escolhesse a estrada da violência, da guerrilha e do terrorismo urbano.

“1968” foi  também  uma  reação  extremada,  juvenil,  às  pressões de mais de  vinte  anos  de  Guerra Fria. Uma rejeição aos processos de manipulação  da  opinião  pública  por  meio dos mass-midia que atuavam  como  “aparelhos   ideológicos”  incutindo  os  valores  do capitalismo,  e,  simultaneamente,  um repúdio “ao socialismo real”, ao marxismo oficial, ortodoxo, vigente no leste Europeu, e  entre os PCs europeus ocidentais, vistos como ultrapassados.

Assemelhou - se  aquele  ano  aloucado  a  um  caleidoscópio,  para qualquer lado que se girasse novas formas e novas expressões vinha a luz. Foi uma espécie de fissão nuclear  espontânea  que  abalou as instituições e regimes. Uma  revolução  que não se socorreu de tiros e bombas,  mas da pichação,  das pedradas,  das  reuniões de massa, do auto-falante  e  de  muita irreverência. Tudo o que parecia sólido desmanchou-se no ar.

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