quarta-feira, 11 de março de 2015

Um dia depois

por Carla Hilário Quevedo, em 09.03.15
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App Hipstamatic com lente Jane e rolo Ina's 1969

Ontem foi comemorado o Dia Internacional da Mulher. Um dia depois nada mudou. Só o que era superficial. Hoje já não há descontos e “mimos” nas lojas para as felizes contempladas com doses mais elevadas de estrogénio do que de testosterona. Hoje ninguém me dará os parabéns por ter uma vagina. Talvez por ser muito estúpido felicitar alguém por ser como nasceu: rapariga ou rapaz, gay ou hetero, branco ou preto; e não por ter feito o que fez: inventar o wi-fi, como fez a actriz Hedy Lamarr; combater ferozmente pelo direito ao voto, como fez a extraordinária família Pankhurst, mãe e filhas; comer a maçã que nos expulsaria do sítio onde a humanidade não poderia evoluir, como fez Eva. Mas se é muito estúpido felicitar o próximo por ser o que é, porque é que o Dia da Mulher continua a existir? 

Durante séculos, não se esperou grande coisa do sexo feminino. Durante séculos, aos olhos da lei, as mulheres não foram diferentes de crianças. Durante séculos, as mulheres não falaram, não contaram histórias, não existiram a não ser através do que os homens contaram sobre elas. Ou seja, durante séculos o poder mais relevante esteve nas mãos dos homens. Até hoje me surpreende a resignação das mulheres face à falta de respeito e à injustiça.

Vejamos um exemplo de falta de respeito e injustiça. Nos países ditos civilizados, como Portugal, as mulheres com qualificações, horas de trabalho e a exercer as mesmas funções do que os homens ganham em média menos 18% do que eles. O dia de ontem revelou números e gráficos acerca do que dias antes tinha sido noticiado: vai demorar 80 anos até que as mulheres atinjam a igualdade salarial. Não se importa de repetir? Mas antes de falarmos desta previsão astrológica, especulemos sobre as razões que levam os empregadores a pagar menos às mulheres do que aos homens. Não se julgue que se trata de um problema que afecta sobretudo a classe operária. Segundo dados compilados pela Pordata, (as poucas) mulheres em cargos de topo nas empresas ganham em média menos 30% do que homens nas mesmas funções.

Em que argumentos se baseiam para sustentar esta desigualdade? Além do descaramento, digo. Os motivos podem estar relacionados com a maternidade. Afinal de contas, as mulheres têm filhos, por isso é melhor “transferir” uma parte do salário para quando vier a licença de maternidade. Se a razão para pagar menos a uma mulher for esta, então quer dizer que as mulheres pagam para poderem trabalhar e ter filhos. Uma vez que dar à luz é uma capacidade exclusivamente feminina, a mulher é penalizada por ser mulher.

Acontece que esta “penalização” parece não ser suficiente. Além de correrem o risco de serem despedidas por engravidarem, correm também o risco de não encontrarem o seu local de trabalho quando a licença de maternidade terminar. Em suma, pagam com a redução salarial e mesmo assim não há garantias.

Um dia depois nada mudou. Dizem-nos aliás que vai demorar 80 anos a mudar. Porque não 140? Ou porque não três? Não batam à porta. Deitem-na abaixo.

Publicado na edição de hoje do i.
Fonte: http://bomba-inteligente.blogs.sapo.pt/

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