por Carla Hilário Quevedo, em 09.03.15
App Hipstamatic com lente Jane e rolo Ina's 1969
Ontem foi comemorado o Dia Internacional
da Mulher. Um dia depois nada mudou. Só o que era superficial. Hoje já
não há descontos e “mimos” nas lojas para as felizes contempladas com
doses mais elevadas de estrogénio do que de testosterona. Hoje ninguém
me dará os parabéns por ter uma vagina. Talvez por ser muito estúpido
felicitar alguém por ser como nasceu: rapariga ou rapaz, gay ou hetero,
branco ou preto; e não por ter feito o que fez: inventar o wi-fi, como
fez a actriz Hedy Lamarr; combater ferozmente pelo direito ao voto, como
fez a extraordinária família Pankhurst, mãe e filhas; comer a maçã que
nos expulsaria do sítio onde a humanidade não poderia evoluir, como fez
Eva. Mas se é muito estúpido felicitar o próximo por ser o que é, porque
é que o Dia da Mulher continua a existir?
Durante séculos, não se esperou grande
coisa do sexo feminino. Durante séculos, aos olhos da lei, as mulheres
não foram diferentes de crianças. Durante séculos, as mulheres não
falaram, não contaram histórias, não existiram a não ser através do que
os homens contaram sobre elas. Ou seja, durante séculos o poder mais
relevante esteve nas mãos dos homens. Até hoje me surpreende a
resignação das mulheres face à falta de respeito e à injustiça.
Vejamos um exemplo de falta de respeito e
injustiça. Nos países ditos civilizados, como Portugal, as mulheres com
qualificações, horas de trabalho e a exercer as mesmas funções do que
os homens ganham em média menos 18% do que eles. O dia de ontem revelou
números e gráficos acerca do que dias antes tinha sido noticiado: vai
demorar 80 anos até que as mulheres atinjam a igualdade salarial. Não se
importa de repetir? Mas antes de falarmos desta previsão astrológica,
especulemos sobre as razões que levam os empregadores a pagar menos às
mulheres do que aos homens. Não se julgue que se trata de um problema
que afecta sobretudo a classe operária. Segundo dados compilados pela
Pordata, (as poucas) mulheres em cargos de topo nas empresas ganham em
média menos 30% do que homens nas mesmas funções.
Em que argumentos se baseiam para
sustentar esta desigualdade? Além do descaramento, digo. Os motivos
podem estar relacionados com a maternidade. Afinal de contas, as
mulheres têm filhos, por isso é melhor “transferir” uma parte do salário
para quando vier a licença de maternidade. Se a razão para pagar menos a
uma mulher for esta, então quer dizer que as mulheres pagam para
poderem trabalhar e ter filhos. Uma vez que dar à luz é uma capacidade
exclusivamente feminina, a mulher é penalizada por ser mulher.
Acontece que esta “penalização” parece
não ser suficiente. Além de correrem o risco de serem despedidas por
engravidarem, correm também o risco de não encontrarem o seu local de
trabalho quando a licença de maternidade terminar. Em suma, pagam com a
redução salarial e mesmo assim não há garantias.
Um dia depois nada mudou. Dizem-nos
aliás que vai demorar 80 anos a mudar. Porque não 140? Ou porque não
três? Não batam à porta. Deitem-na abaixo.
Publicado na edição de hoje do i.
Fonte: http://bomba-inteligente.blogs.sapo.pt/
Nenhum comentário:
Postar um comentário