sexta-feira, 6 de março de 2015

Os paralelos do ontem e do hoje no ritual do amar

Simone Bittencourt Shauy

Os processos do conhecer, conviver e amar são precisos deixar marinar, porque talvez desta forma a gente possa construir relacionamentos mais gratificantes, significativos e duradouros.

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No passado, para viver o amor, era preciso seguir o compasso da espera. Não havia telefone, computador, smartphones, carro. Trocavam-se cartas e os encontros aconteciam com hora marcada e em público. As despedidas ao pé do portão nunca depois das 10 da noite.
Para o rapaz namorar a moça, era preciso pedir permissão para o pai da pretendente. O namoro em casa era supervisionado. Cada passo de proximidade exigia mais do cumprimento do ritual da espera, levar para o baile, segurar na mão, conversar no banco da praça, conquistar o ficar junto um pouquinho mais a cada encontro .
As descobertas aconteciam em conta-gotas. Se vivia a saudade e a surpresa com intensidade. O amor se desenvolvia em capítulos. Era tudo um processo ritualístico. Hoje tudo isto parece tão arcaico, ultrapassado, mas os relacionamentos de outrora talvez tivessem mais substância em certos aspectos. Quem sabe, naqueles tempos, o amor fosse mais valorizado porque tinha que enfrentar obstáculos para ser vivido.

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Hoje não se vive a surpresa ou a saudade. O sexo é livre. Pode-se tudo, mas de convivência substancial pouco se aprende. Tudo parece tão efêmero, oco, volátil, insincero. Relacionamentos descartáveis como copos plásticos depois de usados.
Hoje se beija um, amanhã outro. Experimenta-se de tudo, mas não há muito compromisso com nada. O amor virou um jogo de conveniência sem quase ou nenhuma realmente profunda vivência. Excesso de permissividade pode bem levar fatalmente a falta de parâmetros. Fica difícil situar o valor das coisas que a gente vive. Há tanta gente junta separada. Há tanta gente engajada socialmente em completa solidão.

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Não acho que a gente tenha que voltar para trás para viver o amor de fato porque, também no passado, nem tudo era o ideal. Talvez o importante seja aprender a viver o ritual do conhecer, aproximar, entender, ouvir semelhante ao modo como se prepara um prato, deixa-se marinando. E é neste marinar que o âmago de cada um se revela para o outro. Isso demanda tempo e interesse genuíno, o importar-se! Existe o compasso do conviver, do conversar, do desenvolver uma amizade, um bem querer substancial. Quando tudo acontece rápido demais, o aprendizado sobre o outro é atropelado. O outro pode até ser considerado íntimo sexualmente, mas ainda é, em muitos quesitos, um desconhecido. E é este atropelamento de etapas que leva um relacionamento a desmoronar-se como um castelo de areia, porque depois do sexo, pode não haver mais nada para preencher o momento de um com o outro. 

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Faço um paralelo de um relacionamento sem muita essência, com uma multidão que, em desespero, corre para registrar os selfies. Tornou-se quase que uma compulsão ter uma foto de tudo. Mas, no fim do dia, as imagens já estão velhas e muito ou nada do fotografado foi vivido de fato. Felicidade fotografada pelas lentes da camera, mas que não se revelou internamente, emocionalmente. É o desencontro do virtual com o real. A felicidade daquele instante, no próximo já foi embora, evaporou-se com o estouro de um fash ou fogos de artifício que, depois que explodem, perdem o brilho.

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