sábado, 21 de março de 2015

Quem somos nós?


O homem não é conhecível a si próprio, porque a sua vida consiste em esforços alternados para ser o que não é, e essa transposição e substituição contínuas de almas irreais e estranhas fazem com que aquilo que na verdade e, ao contrário de Deus, pareça o que nunca é. Mesmo no mais pobre de nós existem pelo menos sete homens. 

Há aquele que parece aos outros e o julgado, justamente, sabe quase sempre que não é. Há aquele que diz ser e ele próprio sabe não ser, porque a vaidade ou medo tornam sempre mentiroso. 

Há aquele que julga ser e é o mais distante da verdade, que cada um se inclina para se julgar aquilo que não é, por uma retorsão do orgulho que afasta tudo o pior, que é a maioria. Há aquele que quereria ser, o mito pessoal de todo o homem, o sonho reservado ao futuro, aquele que depois deforma todas as autobiografias. 

Aquele que finge ser para comodidade e necessidade da vida comum, onde o insensível deve mostrar-se caloroso, o avarento liberal e o vil corajoso. 

Há aquele que se poderia chamar o nosso duplo desconhecido: a personalidade subconsciente, que só conhecemos vagamente e por suposição, embora oriente com frequência a nossa vida e sugira, valendo-se hipocritamente de razões fingidas, muitos dos nossos atos. 

E, finalmente, há aquele que é verdadeiramente e ninguém conhece, à parte Deus, do qual apenas um inimigo paciente pode entrever algumas frações inferiores. 

O eu essencial e autêntico esquiva-se sempre, a tudo e a si próprio. Nunca nos assemelhamos a nós mesmos. 

Giovanni Papini, in 'Relatório Sobre os Homens'

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