Autor:
Coluna Econômica
O Rio de Janeiro assistiu o nascimento de um estadista, o Papa
Francisco. Foi inesquecível sua atuação na Jornada Mundial da Juventude.
Poucas vezes um estadista conseguiu ser tão preciso nos discursos,
redesenhando um organismo milenar como a Igreja Católica através da
identificação das ideias básicas a nortear o novo rumo.
Não ousou investir contra alguns dogmas, ainda que anacrônicos - como
o celibato ou a condenação das relações homossexuais. Mas verbalizou a
volta da tolerância ao se indagar: "Se um gay busca Deus, quem sou eu
para julgar?".
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Mais que isso.
No período em que o mundo conviveu com o maior processo de inclusão
da história - das grandes massas miseráveis nos países do terceiro mundo
- a Igreja se afastou dos pobres. Na era das quebras de tabu, da
condenação a toda forma de preconceito, a Igreja se esmerou na
condenação moral para fora e no acobertamento para dentro.
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O Papa foi preciso ao identificar nas massas pobres e na juventude a
seiva do revigoramento da Igreja. E no enclausuramento da Cúria, no
Vaticano, seu maior problema.
Há muito tempo a vocação religiosa deixou de atrair os melhores
quadros. A maneira de enfrentar a contemporaneidade dos movimentos
evangélicos foi estimular os padres-show, atuando na mesma piscina rasa
dos pastores. Ao propor a volta do espírito da catequese, em
contraposição à banalização da vida moderna e ao consumismo e busca de
status que caracterizam os tempos atuais.
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O Papa fugiu da polarização Teologia da Libertação x conservadores
que marcou a Igreja brasileira. Ambas estão debaixo da mesma organização
e buscando o mesmo fim: o fortalecimento da Igreja. Criticou tanto os
que tentaram subordinar a Igreja ao marxismo como ao neoliberalismo.
E é essa a estratégia: pairar acima das quizilas, das disputas
internas, e apresentar o objetivo maior, para o qual toda a organização
deverá convergir: os seguidores da Teologia da Libertação atuando junto
às regiões pobres; os conservadores preservando o espaço junto a uma
elite algo anacrônica; e a Igreja empenhada em conquistar novos
territórios junto aos jovens através do chamamento ao jovem.
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A falta de estadistas na Igreja - e nem se venha considerar João
Paulo 2o como tal - produziu lutas intestinas terríveis, especialmente
na América Latina.
Grande parte da liderança política atual fez-se sob a inspiração da
Igreja: no PT, Lula e os movimentos sociais; no PSDB, os egressos da
Ação Popular (AP), que se originou da ação católica, da Juventude
Estudantil Católica (JEC), Juventude Universitária Católica (JUC) e
Juventude Operária Catolica (JOC). Lula saiu dos movimentos populares,
José Serra da AP, Dilma Rousseff do GGN (Grupo Gente Nova), de
inspiração católica.
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Tudo isso se perdeu nas últimas décadas. A Igreja perdeu o encanto
para os jovens, para os ativistas e mesmo para os místicos. Manteve-se
nos movimentos populares, sob boicote da Cúria. Conservou influência
apenas nas zonas rurais e junto aos remanescentes da elite econômica
envelhecida.
Figuras símbolos, como o cardeal Arns e os irmãos Lorscheiter,
príncipes políticos, como dom Lucas Neves e conservadores influentes,
como Eugênio Salles, foram substituídos por burocratas sem visão
política nem missionária.
Agora, Francisco tenta repor a Igreja no caminho da reconstrução.
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