De acordo com as leis da Guerra do Terror do governo Obama, nenhum.
Publicado originalmente no Guardian. Esta versão é ligeiramente resumida.
Pouco antes de Dzhokhar Tsarnaev, um cidadão americano, ser preso ontem à noite, o senador republicano Lindsey Graham defendeu no Twitter que lhe fossem revogados os direitos básicos. “Se capturado”, Graham escreveu, “espero que o governo, pelo menos, considere o suspeito de Boston como um inimigo combatente, para fins de coleta de inteligência”. Argumentou que “se o suspeito tem ligações com organizações terroristas no exterior, ele pode ser um tesouro de informações”. Graham concluiu: “A última coisa que a gente pode querer é dizer para os suspeitos que eles têm o direito de ‘ficar em silêncio’”.
Assim que Tsarnaev foi preso, o presidente Barack Obama sugeriu fortemente que ele fosse julgado num tribunal, o que presumivelmente significa que, em algum momento, terá um advogado, algo que Graham objetou. Mas o Departamento de Justiça de Obama também anunciou que pretendia interrogá-lo “extensivamente” antes de ler para ele os direitos de Miranda (a advertência que avisa o detido de que ele tem o direito de permanecer calado etc). E o Departamento de Justiça disse que pretende questioná-lo não apenas sobre assuntos relacionados a ameaças imediatas à segurança pública – existem outras bombas prontas para explodir? Há um cúmplice à solta, preparando para matar? –, mas “para ganhar inteligência crítica”.
Os tuítes de Graham criaram rapidamente uma tempestade de indignação entre vários democratas, progressistas, liberais e afins. Eles insistiram que tais ações seriam radicais e uma séria ameaça às proteções constitucionais fundamentais. Mas, apesar de compartilhar desse sentimento, fiquei perplexo, por várias razões.
Em primeiro lugar, a administração Obama já revogou os direitos de Miranda para suspeitos de terrorismo capturados em solo americano. Foi há dois anos, com quase nenhuma controvérsia ou protesto, inclusive de muitos daqueles que condenaram Graham. Em maio de 2010, Charlie Savage, do New York Times, relatou que “a administração Obama iria procurar uma lei permitindo que os investigadores interroguem suspeitos de terrorismo sem informá-los de seus direitos”. Em vez de ir ao Congresso, o Departamento de Justiça de Obama adotou as suas próprias regras em março de 2011.
O Departamento de Justiça de Obama explorou e expandiu radicalmente o a exceção de “segurança pública” dos direitos de Miranda, criada em 1984 pelos juízes mais conservadores da Suprema Corte em Nova York, com a discordância veemente de seus membros liberais.
A polícia sempre teve o poder de questionar o suspeito sobre ameaças iminentes sem ler os direitos para ele. Na verdade, eles são livres para questionar sobre qualquer coisa. Mas o Departamento de Justiça de Obama ampliou descontroladamente essa exceção para suspeitos de terrorismo. Um memorando (emitido em segredo, é claro, mas que vazou) citou o que chamou de “a magnitude e a complexidade da ameaça, muitas vezes representada por organizações terroristas”, a fim de reivindicar “significativamente um interrogatório mais extenso, sem a advertência de Miranda de um criminoso comum”.
“Pode haver casos excepcionais em que, apesar de todas as questões sobre segurança terem sido perguntadas, os agentes concluem que o interrogatório é necessário para colher informações valiosas e oportunas não relacionadas a qualquer ameaça imediata”.
Isso é o que Graham defendeu: que Tsarnaev seja interrogado sem os direitos de Miranda, e isso é exatamente o que Obama aprovou há dois anos. Embora eu ainda não saiba por quanto tempo o suspeito será interrogado ou o que lhe será perguntado, Bazelon escreveu:
“E assim, o FBI vai certamente perguntar a Tsarnaev o que lhe aprouver. Não apenas o que os órgãos da lei precisam saber para prevenir uma ameaça terrorista e manter a segurança pública, mas tudo o que considerar relacionado a dados de ‘inteligência valiosa e oportuna’. O que quer que o FBI descubra ficará em segredo: nós não saberemos até onde foi o interrogatório. E, além do mais, ninguém vai chorar pelos direitos de um jovem acusado de matar pessoas inocentes…”
Mas há outra razão por que achei confusa a indignação dos democratas com as declarações de Graham. A teoria sobre a qual os argumentos de Graham são baseados é a mesma que a administração Obama tem abraçado vigorosamente: a saber, que os EUA estão “em guerra”, e que qualquer um que pega em armas contra o país ou tenta matar americanos não tem os direitos básicos – mesmo sendo cidadãos americanos. Como Graham disse ao Washington Post, sua visão de que Tsarnaev não tem direitos é baseada em sua crença de que os EUA estão travando uma guerra global e aqueles que lutam contra o país são “combatentes inimigos”.
É certamente possível se opor aos argumentos de Graham por razões pragmáticas, defendendo que Tsarnaev deve ser julgado em um tribunal federal porque isso será mais benéfico para o governo, se for feito. Mas para qualquer um que apoia a “guerra ao terror” de Obama e seu poder de atingir mesmo os cidadãos dos Estados Unidos, é impossível se opor aos argumentos de Graham, seja por princípio ou em teoria. Se (como os apoiadores das políticas de Obama sobre o terrorismo argumentam) o “campo de batalha” é qualquer lugar onde um terrorista é encontrado e onde ele possa ser detido ou morto sem acusações, então isso necessariamente inclui o solo americano (ou, como Graham afirmou, usando um dos mais arrepiantes slogans imagináveis: “a pátria é o campo de batalha”).
É verdade que Obama disse que não iria exercer esses poderes contra os cidadãos dos EUA em solo dos EUA, mas isso é simplesmente uma escolha pragmática que pode ser alterada a qualquer momento. A teoria é a da guerra do terror: os EUA estão “em guerra” com os terroristas, e qualquer um que pegue em armas contra os EUA e tentam matar americanos são “combatentes”, aos quais podem ser negados direitos básicos.
Desnecessário dizer que Tsarnaev é provavelmente a figura mais odiada da América agora. O resultado, como Bazelon observou, é que muitas pessoas não se importarão com o que será feito com ele, assim como poucas se importam o que acontece com os acusados de terrorismo em Guantánamo ou Bagram, ou no Iêmen e no Paquistão. Mas isso é sempre como os direitos são abreviados: alvejando o grupo mais marginalizado ou o indivíduo mais odiado em primeira instância, com base na expectativa de que ninguém vai se opor por causa de como eles são marginalizados ou odiados. Uma vez que essas violações de direitos acontecem, elas se tornam institucionalizadas para sempre, e não adiantará nenhuma oposição quando forem aplicadas aos outros.
Fonte: http://www.diariodocentrodomundo.com.br/que-direitos-se-e-que-algum-tem-dzhokhar-tsarnaev/
Fonte: http://www.diariodocentrodomundo.com.br/que-direitos-se-e-que-algum-tem-dzhokhar-tsarnaev/
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