domingo, 17 de abril de 2011


Dom Zacarias Rolim, o alvo do atentado


Um bispo tipo bonachão e tranquilo, mas apoiador do golpe e alinhado com o regime militar de 1964. O líder da Diocese de Cajazeiras, dom Zacarias Rolim de Moura, um tradicionalista que permitia missa celebrada em latim tinha, também, uma visão pragmática e a preocupação com a altivez e independência da Igreja. O longo bispado caracterizou-se pela criação de condições para a autonomia financeira da Diocese, agregando um patrimônio que se constitui fonte de renda para as atividades religiosas e de ensino. Construiu dezenas de imóveis pelos 43 municípios da Diocese, que servem de renda e como morada de padres. Por 40 anos conduziu a Diocese de Cajazeiras, zelando pela disciplina, os bons costumes e a educação.

Dom Zacarias não era um homem intolerante, mas era de posições firmes, tanto que considerava que a Diocese deveria ter arrecadação própria, e não depender do governo. Com a arrecadação do dízimo, conseguiu construir mais de 40 casas na Diocese, lembra o padre Antônio Luiz do Nascimento, o padre Buíca, 74, que o auxiliou no Conselho da Diocese. No período militar de 64, a gestão conservadora de dom Zacarias enfrentou divergências e resistências de padres da linha progressista, seguidores da Teologia da Libertação. O conflito mais profundo ocorreu com o grupo de cinco padres italianos, oriundos de Verona, que chegaram a partir de 1974. Abrindo comunidades eclesiais de base, os italianos passaram a trabalhar na organização de camponeses e sindicatos e começaram a contestar a ação pastoral de dom Zacarias e a sua autoridade, e atuar em desobediência e sem dar satisfação das ações. O confronto só acabou após dom Zacarias pedir e conseguir que a Diocese de Verona chamasse os italianos de volta.

Politicamente de direita e ligado à ala conservadora da Igreja Católica, dom Zacarias tinha o perfil de homem culto, com domínio do português e com conhecimento profundo do latim e de história. Fã de cinema e assíduo frequentador das sessões, o bispo fazia a seleção dos filmes em cartaz nos cines Apolo 11 e Pax. Nas viagens ao Recife, pela Igreja, aproveitava para alugar fitas nas distribuidoras.

Nasceu em 1914, na fazenda Malhada das Pompas, em Umari, Ceará, divisa com a Paraíba. Era neto do tenente-coronel da Guarda Nacional, Vital de Souza Rolim (1829/1915), primeiro grande chefe político e fundador do Partido Liberal em Cajazeiras, no período da Monarquia .

Ordenou-se em 1937, no Seminário Arquidiocesano da Paraíba, em João Pessoa, retornando a Cajazeiras como padre e diretor do Colégio Diocesano Padre Rolim. Elevado a bispo de Cajazeiras, em 1953, pelo papa Pio XII, foi fiel ao legado de educador deixado pelo fundador da cidade, padre Ignácio de Souza Rolim (1800/1899). Dom Zacarias investiu no ensino, abrindo escolas em cidades da abrangência da Diocese.

Fundou, também, em 1964, um mês após o golpe, a Rádio Alto Piranhas (alusão ao Rio Piranhas, que se une ao Rio Peixe e formam o Rio Açu, no Rio Grande do Norte), e a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Cajazeiras, em 1969, incorporada pela UFPB, além dos cines Pax e Apolo 11, homenagem aos astronautas norte-americanos que primeiro chegaram à Lua. Sagrado bispo emérito de Cajazeiras, em 1990, pelo Papa João Paulo II, renunciou aos 76 anos. Morreu na Malhada das Pompas, em 5 de abril de 1992.


Explosão, dois mortos, feridos e... censura


Uma coincidência aconteceu naquela noite de 2 de julho de 1975. O filme em cartaz era Sublime Renúncia, com a atriz Romy Schneider em um dos principais papéis, que não agradou à maioria. Para piorar a insatisfação, o rolo de fita tinha problema e partiu várias vezes. A platéia apupava, assobiava, batia nas carteiras. Paguei pra vê, quero meu dinheiro de volta eram algumas frases jogadas antes dos mais irritados se retirarem. Ironia do destino ou a arte imitando a vida, o filme tem uma cena de assalto a banco, na qual a personagem provoca uma explosão de bomba-relógio ao abrir o caixa forte.

Os irmãos Geraldo e Luiz Conrado eram os responsáveis por operar os projetores do cine Apolo 11, que ficavam no primeiro andar do auditório. Por ainda estar na sala de projetores, Luiz saiu ileso. O caçula Manuel Justino Conrado (Manuelzinho), que tinha servido ao Tiro de Guerra de Cajazeiras, era o porteiro. O soldado Didi fazia a segurança e ajudava às vezes na portaria. O menor Geraldo Galvão, para ganhar uns trocados, corria o auditório depois das sessões para recolher objetos e pertences deixados pelos espectadores. O soldado Altino Soares (Didi) recebia e os guardava para os proprietários.

No final do filme, um ficava para desligar a máquina e o outro as luzes do auditório. Eu desci para apagar as luzes laterais. Foi aí que veio o papuco (pipoco). Fui atingido ainda na escada, narra Geraldo Justino Conrado, aos 66 anos, mostrando as pernas deformadas pela fratura e pelos estilhaços. Hoje, vive tomando remédios para dores e para os nervos”.

As vítimas foram levadas de imediato ao Hospital Regional de Cajazeiras para o socorro de urgência. Dois dias depois, seguiram para João Pessoa, internando-se no Hospital Edson Ramalho. Com o cérebro perfurado por uma lasca de madeira de uma das cadeiras, Manuelzinho permaneceu todo o tempo inconsciente e foi o primeiro a morrer, dois dias depois do atentado. Nove dias após o episódio, morre o soldado Didi. A bomba tinha um alto poder de destruição, a ponto de ter arrancado a grade da entrada do Cine-Teatro. Quando eu cheguei, Didi ainda estava vivo. Eu disse: ‘Didi, e aí?’ Ele respondeu: ‘Eh, tem jeito, não’. As pernas (os restos) foram amputadas, recorda Geraldo Galvão. A infecção generalizada levou o soldado à morte.

O jornal oficial do governo da Paraíba, A União, revela no dia 4 de julho, que a notícia do atentado só tinha chegado a João Pessoa na noite anterior, quando da passagem pelo Aeroporto Castro Pinto de um avião da Força Aérea Brasileiro que conduzia um coronel, um major e um capitão do Exército, componentes de uma comissão investigadora. No aeroporto, embarca o secretário de Segurança Pública, coronel Audízio Siebra. À tarde, havia seguido para Cajazeiras o superintendente da Polícia Federal na Paraíba, Sadoc Thales Reis.

Na edição de 5 de julho, três dias depois, o jornal O Norte de João Pessoa informa que as autoridades não tinham identificado ainda quem colocou a bomba, porém, acreditavam que se tratava de uma ação terrorista com ramificações no Estado e que a pessoa que levou o petardo para a cidade não agiu isoladamente. Essa interpretação demonstrava, assim, que os órgãos de investigação consideravam que as autorias intelectual e material foram de pessoas de fora da cidade.

O governador Ivan Bichara (Arena) visita a cidade no dia 7 de julho e, segundo A União, impressiona-se com os estragos da explosão. Bichara reúne-se também com Dom Zacarias Rolim de Moura, que havia retornado à cidade. Ao jornal O Norte, edição de 8 de julho, o bispo afirma: Não tenho inimigos, se ideologicamente entre em divergência com outras pessoas, não vejo razão nenhuma para que isso justifique um atentado, pois sou apenas um discípulo de Deus.

O historiador e professor da Universidade Federal de Campina Grande, Francisco Chagas Amaro, 58, natural de Cajazeiras, à época um radialista com 23 anos, revela que a censura do regime militar passou a tomar conta do noticiário. Notícias na imprensa eram só as oficiais. O episódio da bomba ficou sob censura. Tudo corria sob sigilo. Ninguém se aventurou a comentar ou fazer juízo. Estabeleceu-se o silêncio. A imprensa não teve acesso ao inquérito, destaca.


Original: Jornal do Commercio, Recife

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