Eu gostaria de começar contando sobre um dos meus melhores amigos,
Okoloma Mmaduewesi, que morava na minha rua e cuidava de mim como um
irmão mais velho. Ele morreu na queda do avião Sosoliso, na Nigéria, em
2005. Ele era uma pessoa com quem eu podia brigar, rir e ter conversas
sinceras. Ele também foi a primeira pessoa a me chamar de feminista.
Eu tinha 14 anos e nós estávamos na sua casa, discutindo. Não lembro
exatamente qual era o assunto, mas, enquanto argumentava, ele me olhou e
disse: “Sabe de uma coisa? Você é feminista!”. Não era um elogio. Percebi pelo tom de voz dele. O mesmo tom que alguém usaria para dizer: “Você apoia o terrorismo!”.
Eu não sabia o que a palavra feminista significava. E eu não queria
que Okoloma soubesse que eu não sabia. Então disfarcei e continuei
argumentando, sabendo que primeira coisa que eu faria quando chegasse em
casa era procurar o significado no dicionário.
Agora avançando alguns anos…
Escrevi um livro sobre um homem que batia em sua mulher, entre outras
coisas, e que acabou não tendo um final muito feliz. Enquanto eu estava promovendo
o livro na Nigéria, um jornalista, um homem bem-intencionado, veio me
dar um conselho. Ele me disse que as pessoas estavam dizendo que meu
livro era feminista. Sua dica para mim era a de que eu nunca deveria me
intitular feminista porque feministas são mulheres infelizes que não
conseguem arranjar maridos.
Então eu decidi me chamar de “feminista feliz”.
Mais tarde, uma acadêmica nigeriana veio me dizer que feminismo não
fazia parte da cultura africana e que, se eu me considerava uma
feminista, era porque havia sido corrompida pelos livros ocidentais. O
que me surpreendeu porque eu tentei ler os tais livros clássicos sobre
feminismo e, entediada, não consegui terminar.
De qualquer forma, decidi me chamar de “feminista feliz e africana”.
E, quando eu vi, já era uma “feminista feliz e africana que não odeia
homens, que gosta de usar batom e usa salto alto para si mesma e não
para os outros”. O feminismo carrega uma bagagem pesada e negativa: você odeia homens, odeia sutiã, odeia a cultura africana…
Penso com frequência no meu amigo Okoloma Mmaduewesi. Ele estava
certo, anos atrás, quando ele me chamou de feminista. Eu sou uma
feminista. E quando procurei a palavra no dicionário naquele dia, foi
esse o significado que achei: “uma pessoa que acredita na igualdade
social, política e econômica dos sexos”.
O texto acima é a transcrição de parte da palestra Todos Nós Deveríamos Ser Feministas, ministrada por pela escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie, no TEDxEuston 2012*.
Existe um movimento para “limpar” a palavra feminismo justamente por
ela ter se associado à ódio, raiva, brigas. Não me entenda errado: acho
que nenhuma mudança ou ruptura do status quo é feita sem grito, sem pé
na porta. O feminismo teve isso também. Identificamos inimigos e
iniciamos uma guerra. E na tentativa de aumentar as opções para as
mulheres, muitas vezes acabamos fazendo o contrário, ao apontar quais
eram os caminhos “certos” e os “errados”.
Hoje, nós mulheres, com a liberdade um pouco mais alargada,
rejeitamos a imagem de feministas – mais por acharmos que ela nos
rejeita. Seja porque somos felizes, seja porque não odiamos homens. Quando decidimos assumir esse rótulo, é sempre cheio de dedos, explicações, “poréms”.
Algumas celebridades que influenciam meninas mais jovens, como Katy
Perry, Taylor Swift e Lady Gaga, negam ser feministas. Por quê?
A verdade é que, como já discutimos nesse outro texto,
o feminismo não é algo tão simples quanto defensores e detratores
pensam. Na maioria das vezes, ele é complexo e conflitante. Você pode
gostar de moda e ainda lutar pelos direitos das mulheres. Você pode ser
famosa, dançar no palco de espartilho, cantar sobre amor adolescente e
ainda ser feminista. Queimamos sutiã na década de 1960, mas apenas como
forma simbólica de exterminar aquilo que nos prende, sufoca e limita.
Ninguém precisa deixar de usá-los. Assim como ninguém precisa fazer nada
que não queira. ”Acima de tudo, o feminismo começa com uma construção
pessoal, sem perder de vista a luta pela liberdade coletiva. O feminismo
é poder de escolha”**.
Veja a palestra inteira aqui:
* Agradeço à Letícia Souki por me indicar o TEDx da Chimamanda.
** Essa definição bonita de feminismo é da Mariana Tavares.
Fonte: http://thinkolga.com/2013/07/03/por-que-e-tao-dificil-ser-feminista/
Um comentário:
E no entanto essa Adélia Prado cuja poesia você postou ao lado é profundamente crítica ao Movimento Feminista. Pesquise e verá.
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