Gente de Ipaumirim. Vida de Ipaumirim. Tempos de Ipaumirim. Alagoinha... Ipaumirim...... memória..... raízes... atualidades....... por novos tempos..... novos olhares...... espaço aberto a todos......
domingo, 23 de agosto de 2015
sábado, 22 de agosto de 2015
sexta-feira, 10 de julho de 2015
IDADE MAIOR, VERA LIBERDADE MAIOR
  Paul Cézanne – “The second version of The Card Players”, Metropolitan Museum of Art in New York
"Nunca trocaria os meus amigos surpreendentes, a minha vida maravilhosa, a minha amada família por menos cabelo branco ou por uma barriga mais lisa. À medida que fui envelhecendo, tornei-me mais amável para mim, e menos crítico de mim mesmo. Tornei-me o meu próprio amigo...
Não 
me censuro por comer um cozido à portuguesa ou uns biscoitos extra, ou 
por não fazer a minha cama, ou por comprar algo supérfluo que não 
precisava. Tenho o direito de ser desarrumado, de ser extravagante e 
livre. Vi muitos amigos queridos deixarem este mundo demasiado 
cedo antes de compreenderem a grande liberdade que vem com o 
envelhecimento. Quem me vai censurar se resolvo ficar a ler, ou a jogar 
no computador até as quatro horas da manhã, ou a dormir até meio-dia? Se
 me apetecer dançar ao som daqueles sucessos maravilhosos dos anos 60 e 
70 e 80. Se, ao mesmo tempo, quiser chorar por um amor perdido... danço e
 choro. Se me apetecer andar na praia com um calção excessivamente 
esticado sobre um corpo decadente, e mergulhar nas ondas com abandono, 
apesar dos olhares penalizados dos outros, os do jet set, aí vou eu. 
Eles, também vão envelhecer.
Sei 
que às vezes esqueço algumas coisas. Mas há mais algumas coisas na vida 
que devem ser esquecidas. Eu recordo-me das coisas importantes. Claro, 
ao longo dos anos o meu coração foi quebrado. Como não se pode quebrar o
 coração quando se perde um ente querido, ou quando uma criança sofre, 
ou mesmo quando algum animal de estimação amado morre? Mas corações 
partidos são os que nos dão força, compreensão e compaixão. Um coração 
que nunca sofreu é imaculado e estéril e nunca conhecerá a alegria de 
ser imperfeito.
Sou 
tão abençoado por ter vivido o suficiente para ter os meus cabelos 
grisalhos e ter os risos da juventude gravados para sempre nos sulcos 
profundos do meu rosto. Muitos nunca riram, muitos morreram antes dos 
cabelos serem de prata. Conforme se envelhece, é mais fácil ser-se 
positivo e preocupamo-nos menos com o que os outros pensam. Eu não me 
questiono mais. Ganhei o direito de estar errado. Gosto de ser idoso. A 
idade libertou-me. Gosto da pessoa em que me tornei. Não vou viver para 
sempre, mas enquanto cá ando, não vou perder tempo a lamentar-me do que 
poderia ter sido, e não me vou preocupar com o futuro. Sou livre!"
Fonte: http://sempenisneminveja.blogs.sapo.pt/idade-maior-vera-liberdade-maior-1353180 
quinta-feira, 9 de julho de 2015
quarta-feira, 8 de julho de 2015
terça-feira, 7 de julho de 2015
quinta-feira, 2 de julho de 2015
quarta-feira, 1 de julho de 2015
Os Três Mal-Amados - João Cabral de Melo Neto
"João amava Teresa que amava Raimundo
 que amava Maria que amava Joaquim 
que amava Lili..." 
(Carlos Drummond de Andrade)
JOÃO: 
Olho Teresa. Vejo-a sentada aqui
 a meu lado, a poucos centímetros de mim. A poucos centímetros, muitos 
quilômetros. Por que essa impressão de que precisaria de quilômetros 
para medir a distância, o afastamento em que a vejo neste momento?
RAIMUNDO: 
Maria era a praia que eu frequentava certas manhãs. Meus gestos indispensáveis que se cumpriam a um ar tão absolutamente livre que ele mesmo determina seus limites, meus gestos simplificados diante de extensões de que uma luz geral aboliu todos os segredos.
JOAQUIM:
Maria era a praia que eu frequentava certas manhãs. Meus gestos indispensáveis que se cumpriam a um ar tão absolutamente livre que ele mesmo determina seus limites, meus gestos simplificados diante de extensões de que uma luz geral aboliu todos os segredos.
JOAQUIM:
O amor comeu meu nome, minha 
identidade, meu retrato. O amor comeu minha certidão de idade, minha 
genealogia, meu endereço. O amor comeu meus cartões de visita. O amor 
veio e comeu todos os papéis onde eu escrevera meu nome.
JOÃO:
Olho Teresa como se olhasse o 
retrato de uma antepassada que tivesse vivido em outro século. Ou como 
se olhasse um vulto em outro continente, através de um telescópio. 
Vejo-a como se a cobrisse a poeira tenuíssima ou o ar quase azul que 
envolvem as pessoas afastadas de nós muitos anos ou muitas léguas.
RAIMUNDO:
Maria era sempre uma praia, 
lugar onde me sinto exato e nítido como uma pedra - meu particular, 
minha fuga, meu excesso imediatamente evaporados. Maria era o mar dessa 
praia, sem mistério e sem profundeza. Elementar, como as coisas que 
podem ser mudadas em vapor ou poeira.
JOAQUIM:
O amor comeu minhas roupas, meus
 lenços, minhas camisas. O amor comeu metros e metros de gravatas. O 
amor comeu a medida de meus ternos, o número de meus sapatos, o tamanho 
de meus chapéus. O amor comeu minha altura, meu peso, a cor de meus 
olhos e de meus cabelos.
JOÃO:
Posso dizer dessa moça a meu 
lado que é a mesma Tereza que durante todo o dia de hoje, por efeito do 
gás do sonho, senti pegada a mim?
RAIMUNDO:
Maria era também uma fonte. O 
líquido que começaria a jorrar num momento que eu previa, num ponto que 
eu poderia examinar, em circunstâncias que eu poderia controlar. Eu 
aspirava acompanhar com os olhos o crescimento de um arbusto, o 
surgimento de um jorro de água.
JOAQUIM:
O amor comeu meus remédios, 
minhas receitas médicas, minhas dietas. Comeu minhas aspirinas, minhas 
ondas-curtas, meus raios-X. Comeu meus testes mentais, meus exames de 
urina.
JOÃO:
Esta é a mesma Teresa que na 
noite passada conheci em toda intimidade? Posso dizer que a vi, 
falei-lhe, posso dizer que a tive em toda a intimidade? Que intimidade 
existe maior que a do sonho? a desse sonho que ainda trago em mim como 
um objeto que me pesasse no bolso?
RAIMUNDO:
Maria não era um corpo vago, 
impreciso. Eu estava ciente de todos os detalhes do seu corpo, que 
poderia reconstituir à minha vontade. Sua boca, seu riso irregular. 
Todos esses detalhes não me seria dificil arrumá-los, recompondo-a, como
 num jogo de armar ou uma prancha anatômica.
JOAQUIM:
O amor comeu na estante todos os
 meus livros de poesia. Comeu em meus livros de prosa as citações em 
verso. Comeu no dicionário as palavras que poderiam se juntar em versos.
JOÃO:
Ainda me parece sentir o mar do 
sonho que inundou meu quarto. Ainda sinto a onda chegando à minha cama. 
Ainda me volta o espanto de despertar entre móveis e paredes que eu não 
compreendia pudessem estar enxutos. E sem nenhum sinal dessa água que o 
sol secou mas de cujo contacto ainda me sinto friorento e meio úmido 
(penso agora que seria mais justo, do mar do sonho, dizer que o sol o 
afugentou, porque os sonhos são como as aves não apenas porque crescem e
 vivem no ar).
RAIMUNDO:
Maria era também, em certas 
tardes, o campo cimentado que eu atravessava para chegar em algum lugar.
 Sozinho sobre a terra e sob um sol que me poderia evaporar de toda 
nuvem.
JOAQUIM:
Faminto, o amor devorou os 
utensílios de meu uso: pente, navalha, escovas, tesouras de unha, 
canivete. Faminto ainda, o amor devorou o uso de meus utensílios: meus 
banhos frios, a ópera cantada no banheiro, o aquecedor de água de fogo 
morto mas que parecia uma usina.
JOÃO:
Teresa aqui está, ao alcance de 
minha mão, de minha conversa. Por que, entretanto, me sinto sem direitos
 fora daquele mar? Ignorante dos gestos, das palavras?
RAIMUNDO: 
Maria era também uma árvore. 
Um desses organismos sólidos e práticos, presos à terra com raízes que a
 exploram e devassam seus segredos. E ao mesmo tempo lançados para o 
céu, com quem permutam seus gases, seus passáros, seus movimentos.
JOAQUIM:
O amor comeu as frutas postas 
sobre a mesa. Bebeu a água dos copos e das quartinhas. Comeu o pão de 
propósito escondido. Bebeu as lágrimas dos olhos que, ninguém o sabia, 
estavam cheios de água.
JOÃO:
O sonho volta, me envolve 
novamente. A onda torna a bater em minha cadeira, ameaça chegar até a 
mesa. Penso que, no meio de toda esta gente da terra, gente que parece 
ter criado raízes, como um lavrador ou uma colina, sou o único a escutar
 esse mar. Talvez Teresa...
RAIMUNDO:
Maria era também a garrafa de 
aguardente. Aproximo o ouvido dessa forma correta e explorável e percebo
 o rumor e os movimentos de sonhos possíveis, ainda em sua matéria 
líquida, sonhos de que disporei, que submeterei a meu tempo e minha 
vontade, que alcançarei com a mão.
JOAQUIM: 
O amor voltou para comer os papéis onde irrefletidamente eu tornara a escrever meu nome.
JOÃO:
Talvez Teresa... Sim, quem me dirá que esse oceano não nos é comum?
RAIMUNDO:
Maria era também o jornal. O mundo ainda quente, em sua última edição e mais recente.
JOAQUIM:
O amor roeu minha infância, de 
dedos sujos de tinta, cabelo caindo nos olhos, botinas nunca engraxadas.
 O amor roeu o menino esquivo, sempre nos cantos, e que riscava 
os livros, mordia o lápis, andava na rua chutando pedras. Roeu as 
conversas, junto à bomba de gasolina do largo, com os primos que tudo 
sabiam sobre passarinhos, sobre uma mulher, sobre marcas de automóvel.
JOÃO:
Posso esperar que esse oceano 
nos seja comum? Um sonho é uma criação minha, nascida de meu tempo 
adormecido, ou existe nele uma participação de fora, de todo o universo,
 de sua geografia, sua história, sua poesia?
RAIMUNDO:
Maria era também um livro susto 
de que estamos certos, susto que praticar, com que fazer os exercicíos 
que nos permitirão entender a voz de uma cadeira, de uma cômoda; susto 
cuidadosamente oculto, como qualquer animal venenoso entre folhas claras
 e organizadas dessa floresta numerada que leva dísticos explicativos: 
poesia, poemas, versos.
JOAQUIM:
O amor comeu meu estado e minha 
cidade. Drenou a água morta dos mangues, aboliu a maré. Comeu os mangues
 crespos e de folhas duras, comeu o verde ácido das plantas de cana 
cobrindo os morros regulares, cortados pelas barreiras vermelhas, pelo 
trenzinho preto, pelas chaminés. Comeu o cheiro de cana cortada e o 
cheiro de maresia. Comeu até essas coisas de que eu desesperava não 
saber falar delas em verso.
JOÃO:
O arbusto ou a pedra aparecida 
em qualquer sonho pode ficar indiferente à vida de que está 
participando? Pode ignorar o mundo que está ajudando a povoar? É 
possível que sintam essa participação, esses fantasmas, essa Teresa, por
 exemplo, agora distraída e distante? Há algum sinal que a faça 
compreender termos sido, juntos, peixes de um mesmo mar?
RAIMUNDO:
Maria era também a folha em 
branco, barreira oposta ao rio impreciso que corre em regiões de alguma 
parte de nós mesmos. Nessa folha eu construirei um objeto sólido que 
depois imitarei, o qual depois me definirá. Penso para escolher: um 
poema, um desenho, um cimento armado - presenças precisas e 
inalteráveis, opostas a minha fuga.
JOAQUIM:
O amor comeu até os dias ainda 
não anunciados nas folhinhas. Comeu os minutos de adiantamento de meu 
relógio, os anos que as linhas de minha mão me asseguram. Comeu o futuro
 grande atleta, o futuro grande poeta. Comeu as futuras viagens em volta
 da terra, as futuras estantes em volta da sala.
JOÃO:
Donde me veio a ideia de que 
Teresa talvez participe de um universo privado, fechado em minha 
lembrança? Desse mundo que, através de minha fraqueza, compreendi ser o 
único onde me será possível cumprir os atos mais simples, como por 
exemplo, caminhar, beber um copo de água, escrever meu nome? Nada, nem 
mesmo Teresa.
RAIMUNDO:
Maria era também o sistema 
estabelecido de antemão, o fim aonde chegar. Era a lucidez, que, ela só,
 nos pode dar um modo novo e completo de ver uma flor, de ler um verso.
JOAQUIM:
O amor comeu minha paz e minha 
guerra. Meu dia e minha noite. Meu inverno e meu verão. Comeu meu 
silêncio, minha dor de cabeça, meu medo da morte.
Fim de "Os Três Mal-Amados"
Fonte:  http://carolinicesrosa.blogspot.com.br/2011/09/os-tres-mal-amados-joao-cabral-de-melo.html
segunda-feira, 29 de junho de 2015
Janio de Freitas: “Hipocrisia. Nos últimos 60 anos todos os presidentes tiveram relações com empreiteiras”
Postado em 
28 de junho de 2015 às 10:33 am
Janio de Freitas, na Folha:
Como inquérito “sob segredo de Justiça”, a Operação Lava Jato lembra 
melhor uma agência de propaganda. Ou, em tempos da pedante expressão 
“crise hídrica”, traz a memória saudosa de uma adutora sem seca.
Em princípio, os vazamentos seriam uma transgressão favorável à 
opinião pública ansiosa por um sistema policial/judicial sem as 
impunidades tradicionais. Mas, com o jorro contínuo dos tais vazamentos,
 nos desvãos do sensacionalismo não cessam os indícios que fazem a “nova
 Justiça” –a dos juízes e procuradores/promotores da nova geração– um 
perigo equivalente à velha Justiça acusada de discriminação social e 
inoperância judicial.
É
 preciso estar muito entregue ao sentimento de vingança para não 
perceber um certo sadismo na Lava Jato. O exemplo mais perceptível e 
menos importante: as prisões nas sextas-feiras, para um fim de semana 
apenas de expectativa penosa do preso ainda sem culpa comprovada. 
Depois, a distribuição de insinuações e informações a partir de mera 
menção por um dos inescrupulosos delatores, do tipo “Fulano recebeu 
dinheiro da Odebrecht”. Era dinheiro lícito ou provou-se ser ilícito? É 
certo que o recebedor sabia da origem, no caso de ilícita?
A hipocrisia domina. São milhares os políticos que receberam doações 
de empreiteiras e bancos desde que, por conveniência dos candidatos e 
artimanha dos doadores, esse dinheiro pôde se mover, nas eleições, sob o
 nome de empresas. Nos últimos 60 anos, todos os presidentes tiveram 
relações próximas com empreiteiros. Alguns destes foram comensais da 
residência presidencial em diferentes mandatos. Os mesmos e outros 
viajaram para participar, convidados, de homenagens arranjadas no 
exterior para presidente brasileiro. Banqueiros e empreiteiros doaram 
para os institutos de ex-presidentes. Houve mesmo jantares de 
arrecadação no Alvorada e pagos pelos cofres públicos. Ninguém na Lava 
Jato sabe disso?
Mas a imprensa é que faz o sensacionalismo. É. Com o vazamento deformado e o incentivo deformante vindos da Lava Jato.
A partir de Juscelino, e incluídos todos os generais-presidentes, só 
de Itamar Franco e Jânio Quadros nunca se soube que tivessem relações 
próximas com empreiteiros e banqueiros. A íntima amizade de José Sarney 
foi mal e muito comentada, sem que ficasse evidenciada, porém, mais do 
que a relação pessoal. Benefícios recebidos, sob a forma de trabalhos 
feitos pela Andrade Gutierrez, foram para outros.
Ocorre mesmo, com os vazamentos deformantes, o deslocamento da 
suspeita. Não importa, no caso, o sentido com que o presidente da 
Odebrecht usou a palavra “destruir”, referindo-se a um e-mail, em 
anotação lida e divulgada pela Lava Jato. O episódio foi descrito como 
um bilhete que Marcelo Odebrecht escreveu com instruções para o seu 
advogado, e cuja entrega “pediu a um policial” que, no entanto, ao ver a
 palavra “destruir”, levou o bilhete ao grupo da Lava Jato.
Muito inteligível. Até que alguém, talvez meio distraído, ao contar o
 episódio acrescentasse que Marcelo, quando entregou o bilhete e fez o 
pedido ao policial, já estava fora da cela e a caminho de encontrar seu 
defensor.
Então por que pediria ao policial que entregasse o bilhete a quem ele mesmo ia encontrar logo?
 Fonte: http://www.diariodocentrodomundo.com.br/essencial/janio-de-freitas-hipocrisia-nos-ultimos-60-anos-todos-os-presidentes-tiveram-relacoes-com-em
terça-feira, 23 de junho de 2015
sexta-feira, 19 de junho de 2015
Relaxe.
 "Dois Baianos assaltaram um banco.
Chegando no esconderijo um deles disse:
-Vamos contar o dinheiro??
O outro:
-Não, vai dar muito trabalho, senta aqui no sofá e liga a tv que já já o jornal fala quanto foi roubado!!!
Baiano é outro nível !
Chegando no esconderijo um deles disse:
-Vamos contar o dinheiro??
O outro:
-Não, vai dar muito trabalho, senta aqui no sofá e liga a tv que já já o jornal fala quanto foi roubado!!!
Baiano é outro nível !
sexta-feira, 12 de junho de 2015
quinta-feira, 11 de junho de 2015
Repertório das ruas
Na fila do elevador e de repente
vejo uma aparição. Chega uma mulher que parecia ter saído de um filme
centro-americano. Cabelo na cintura, cacheado e repicado,  de um tom negro daqueles que vc só consegue se
usar  uma antiga tinta que vendia nas
barracas de feira da minha terra, era um pó e se chamava “Tinta Sol”. No rosto,
uma maquiagem  pesadíssima. Olhos claros.
Blusa decotada, seios fartos expostos num decote profundo. Um colarzinho
discreto pra realçar os peitos. Minissaia estampada e sandália dourada com
pedrarias.  O conjunto era uma paleta de
cores indescritível. Uma composição que nem  Salvador Dali seria capaz de imaginar. Ainda
bem que eram três horas da tarde.
A rua é tudo.
ML. 
domingo, 7 de junho de 2015
terça-feira, 26 de maio de 2015
brilha apesar da maldade dos outros
por Patrícia Reis, em  26.05.15
 Deixa-te
 vestir de escuridão apenas para fora e ninguém verá que brilhas, podes 
tudo, pensa devagar, pensa depressa. Faz por dentro e mantém os gestos 
banais que te garantem o lugar no grupo, na dinâmica de grupo que brada 
pelo direito à diferença, mas que não tolera o que é impossível de 
descodificar. Constrói em ti sem ninguém ver. Aprende o sabor das 
palavras, uma a uma, cada letra com o seu sabor e, antes de dizeres em 
concordância com o mundo o que é suposto, ou apenas político e correto, 
invade-te com a verdade que ninguém entenderá. Importa pouco o que o 
mundo quer que sejas, sê para ti e tudo se tornará mais fácil. Brilha 
por dentro. Cá fora faz frio. Acredita em mim.
 
 domingo, 10 de maio de 2015
Outras Mães

 Quando eu for pequeno, mãe, 
quero ouvir de novo a tua voz
na campânula de som dos meus dias
inquietos, apressados, fustigados pelo medo.
Subirás comigo as ruas íngremes
com a certeza dócil de que só o empedrado
e o cansaço da subida
me entregarão ao sossego do sono.
quero ouvir de novo a tua voz
na campânula de som dos meus dias
inquietos, apressados, fustigados pelo medo.
Subirás comigo as ruas íngremes
com a certeza dócil de que só o empedrado
e o cansaço da subida
me entregarão ao sossego do sono.

Quando eu for pequeno, mãe, 
os teus olhos voltarão a ver
nem que seja o fio do destino
desenhado por uma estrela cadente
no cetim azul das tardes
sobre a baía dos veleiros imaginados.
os teus olhos voltarão a ver
nem que seja o fio do destino
desenhado por uma estrela cadente
no cetim azul das tardes
sobre a baía dos veleiros imaginados.

Quando eu for pequeno, mãe, 
nenhum de nós falará da morte,
a não ser para confirmarmos
que ela só vem quando a chamamos
e que os animais fazem um círculo
para sabermos de antemão que vai chegar.
nenhum de nós falará da morte,
a não ser para confirmarmos
que ela só vem quando a chamamos
e que os animais fazem um círculo
para sabermos de antemão que vai chegar.

Quando eu for pequeno, mãe, 
trarei as papoilas e os búzios
para a tua mesa de tricotar encontros,
e então ficaremos debaixo de um alpendre
a ouvir uma banda a tocar
enquanto o pai ao longe nos acena,
lenço branco na mão com as iniciais bordadas,
anunciando que vai voltar porque eu sou
                                        
e a orfandade até nos olhos deixa marcas.
trarei as papoilas e os búzios
para a tua mesa de tricotar encontros,
e então ficaremos debaixo de um alpendre
a ouvir uma banda a tocar
enquanto o pai ao longe nos acena,
lenço branco na mão com as iniciais bordadas,
anunciando que vai voltar porque eu sou
e a orfandade até nos olhos deixa marcas.
José Jorge Letria

Viver é uma
 peripécia. Um dever, um afazer, um prazer, um susto, uma cambalhota. 
Entre o ânimo e o desânimo, um entusiasmo ora doce, ora dinâmico e 
agressivo. 

Viver não é cumprir nenhum destino, 
não é ser empurrado ou rasteirado pela sorte. Ou pelo azar. Ou por Deus,
 que também tem a sua vida. Viver é ter fome. Fome de tudo. De aventura e
 de amor, de sucesso e de comemoração de cada um dos dias que se podem 
partilhar com os outros. Viver é não estar quieto, nem conformado, nem 
ficar ansiosamente à espera. 
Viver é romper, rasgar, repetir com criatividade. A vida não é fácil, nem justa, e não dá para a comparar a nossa com a de ninguém. De um dia para o outro ela muda, muda-nos, faz-nos ver e sentir o que não víamos nem sentíamos antes e, possivelmente, o que não veremos nem sentiremos mais tarde.
Viver é observar, fixar, transformar. Experimentar mudanças. E ensinar, acompanhar, aprendendo sempre. A vida é uma sala de aula onde todos somos professores, onde todos somos alunos. Viver é sempre uma ocasião especial. Uma dádiva de nós para nós mesmos. Os milagres que nos acontecem têm sempre uma impressão digital. A vida é um espaço e um tempo maravilhosos mas não se contenta com a contemplação. Ela exige reflexão. E exige soluções.
A vida é exigente porque é generosa. É dura porque é terna. É amarga porque é doce. É ela que nos coloca as perguntas, cabendo-nos a nós encontrar as respostas. Mas nada disso é um jogo. A vida é a mais séria das coisas divertidas.
Joaquim Pessoa
Fonte:  http://alicealfazema.blogs.sapo.pt/
sábado, 9 de maio de 2015
As correspondências entre Einstein e Freud, sobre a violência humana

Prezado professor Freud: “Existe alguma forma de livrar a Humanidade da ameaça de guerra?”
Assim está exarado no caput da carta enviada ao cognominado Médico 
de Almas e Pai da Psicanálise, Sigmund Freud. A correspondência estava 
assinada pelo famoso físico alemão Albert Einstein, datada de 30 de 
julho de 1932, às vésperas da invasão nazista à Áustria, o qual 
apresenta a questão a convite da Liga das Nações [precursora da ONU] e 
de seu Instituto Internacional para a Cooperação Intelectual, localizado
 em Paris. Além daquela, outras duas perguntas compõem a histórica 
missiva: “Como os mecanismos de poder conseguem despertar nos homens um 
entusiasmo extremado, a ponto de sacrificarem suas vidas?” e “É possível
 controlar a evolução da mente do homem de modo a torná-lo à prova das 
psicoses do ódio e da destrutividade?”1
Einstein nasceu na cidade de Ulm, Alemanha, em 14 de março de 1879.
 A partir de 1912-1914 começa a realizar os seus famosos estudos em 
torno da Teoria da Relatividade Geral, publicando-a em 1916. Recebe o 
prêmio Nobel de Física em 1922, desencarnando em 18 de abril de 1955, 
aos 76 anos.2
Sigmund Freud, nasceu na Morávia em 6 de maio de 1856, na cidade de
 Freiberg, atual Pribor, na República Checa. Ingressa no curso de 
Medicina, na Universidade de Viena, em 1873, concluído em 1881. A partir
 de 1885 e até março de 1886, faz estágio com o grande médico francês 
Jean Martin Charcot (1825-1893), no hospital Salpêtrière, em Paris. 
Desencarna em Londres, a 23 de setembro de 1939.3
A essência do pensamento de Einstein, ao formular ao criador da Psicanálise as suas instigantes perguntas4,
 demonstra a preocupação do grande físico, inicialmente com a ameaça 
constante de nova guerra. Ele um dia declarou: Não sei quais serão as 
armas da Terceira Guerra Mundial, mas a Quarta Guerra Mundial será 
combatida com paus e pedras5. Destaca para o Dr. Freud, 
assim, que, com o progresso da Ciência de nossos dias, “esse tema 
adquiriu significação de assunto de vida ou morte para a civilização”, e
 de que “todas as tentativas de solucioná-lo terminaram em lamentável 
fracasso”. Ao justificar o seu apelo ao famoso psicanalista, em nome das
 entidades de caráter social e científico que representa, o gênio da 
Matemática declara que “o objetivo habitual do seu pensamento não lhe 
permite uma compreensão interna das obscuras regiões da vontade e do 
sentimento humano”, e posiciona a sua expectativa de que Freud 
“proporcione a elucidação do problema mediante o auxílio do seu profundo
 conhecimento da vida instintiva do homem”.
No segundo questionamento, derivado do primeiro, Einstein enfatiza o
 seu diagnóstico científico que “o homem encerra dentro de si um desejo 
de ódio e destruição e que esse estado de paixão pode ser elevado à 
potência de psicose coletiva e que só um especialista [como no caso de 
Freud] na ciência dos instintos humanos pode resolver ”.
Finalmente, na última questão formulada naqueles idos de 1932, pelo
 criador da Teoria Geral da Relatividade – e que um dia declarou que 
“apenas duas coisas são infinitas, o Universo e a estupidez humana, mas 
não estou certo quanto ao primeiro”6 –, ele argumenta que 
possuía consciência do interesse das classes dominantes, que “não tinham
 limite em sua fome de poder político” e que “consideravam a guerra como
 uma forma de expandir seus interesses pessoais”, tendo Einstein ainda 
noção exata, além das guerras entre as nações, “da existência dos 
conflitos por intolerância religiosa ou perseguições a minorias 
raciais”.7
Em setembro de 1932, Sigmund Freud responde ao “prezado professor 
Einstein”, declarando ter sido pego de surpresa acerca da indagação: O 
que pode ser feito para proteger a Humanidade da maldição da guerra?, 
enfatizando que, em princípio, entendeu ser o assunto do domínio de 
estadistas, mas teve a intuição que Einstein formulara a questão não 
como cientista, mas na qualidade de filantropo, solicitando, portanto, a
 ele, Freud, uma resposta-abordagem a partir da Psicanálise, enfatizando
 ser a guerra consequência das “pulsões”*, do ódio e do desejo de 
destruição e que a sociedade vive em constante transformação da 
violência. Em muitos indivíduos, segundo Freud, existem agressividade e 
crueldade, conforme apurava o ilustre psicanalista, ouvindo relatos 
dramáticos resultantes de transtornos da personalidade.
O pensamento freudiano ensina que os seres humanos são incitados à 
guerra por diversos motivos, entre eles o desejo da agressão e 
destruição, e que a satisfação desses impulsos destrutivos seria 
facilitada por sua mistura com outros motivos de natureza emotiva e 
idealista. Freud enfatiza que, se o desejo de aderir à guerra é um 
efeito do instinto destrutivo, a solução será contrapor-lhe o “eu” 
antagonista mais poderoso: Eros, o instinto do amor. Nesse ponto, 
portanto, a Psicanálise fala de amor e Freud lembra o Novo Testamento: 
Ama a teu próximo como a ti mesmo e que nesse momento “os homens 
partilham seus interesses e produzem comunhão de sentimentos”. O autor 
de O Mal-estar na Civilização (1930) propunha que era necessário um 
cuidado com a educação dos homens de mentalidade independente, educação 
essa que não deveria ser baseada na coação ou na intimidação, embora 
para ele esse ideal educacional fosse uma utopia.
No ano em que Sigmund Freud fazia treze anos de idade, Allan Kardec
 desencarnava em Paris, a 31 de março de 1869. Einstein nasceria somente
 dez anos depois e, em 1932, a sua famosa carta, escrita quando ele 
tinha cinquenta e três anos, poderia também ter sido submetida à 
apreciação do pensamento doutrinário do Espiritismo, constante de suas 
obras básicas, resultado do esforço pessoal de Allan Kardec e de sua 
equipe de médiuns e de colaboradores diretos, e da ação coletiva, 
organizada, com dinâmica de universalidade de ensino, promovida pelos 
Espíritos que se mobilizaram, em nome de Deus e de Jesus, para 
consolidarem a vinda do Consolador à Terra.
Imaginando-se a possibilidade, que resposta Allan Kardec daria aos 
questionamentos de Einstein? O Codificador certamente se reportaria ao 
capítulo VI – Da Lei de Destruição, constante da parte terceira de O 
Livro dos Espíritos8, publicado em 18 de abril de 1857, 
máxime a partir da questão 742, quando os Espíritos, indagados sobre: 
Qual a causa que leva o homem à guerra?, respondem que é “Predominância 
da natureza animal sobre a natureza espiritual e satisfação das paixões”
 e que “À medida que o homem progride, a guerra se torna menos 
frequente, porque ele evita suas causas, e quando a julga necessária, 
sabe adicionar-lhe humanidade”. Reforçaria esses lúcidos e racionais 
ensinos informando que o homem não tem duas almas, uma boa e outra má, 
maneira de ver que resultaria serem, os bons e maus instintos do homem, 
efeito da predominância de uma ou outra dessas almas, e sim o que dupla 
no homem só é a natureza. Há nele a natureza animal e a natureza 
espiritual, tal como exarado na questão 605.
Comentaria, ainda, consoante a questão 743 do livro básico da 
Doutrina Espírita, que a guerra desaparecerá um dia da face da Terra, 
quando os homens compreenderem a justiça e praticarem a lei de Deus e 
que, nessa época, todos os povos serão irmãos.
Elucidaria, também, a respeito do livre-arbítrio, tal como está 
registrado na questão 843, na qual os Espíritos destacam que o homem tem
 a liberdade de pensar e de agir, e que seria uma máquina se não 
possuísse a liberdade de escolha consoante o seu próprio discernimento. 
Apresentaria, igualmente, os seus estudos em torno da educação moral, 
aquela que consiste na arte de formar os caracteres, que pode ser 
definida como o “conjunto dos hábitos adquiridos”, afirmando que “só a 
educação poderá reformar os homens”, ensinamentos estes constantes das 
questões 685a e 796 de O Livro dos Espíritos.
Finalmente poderia encerrar a sua resposta a Einstein informando-o 
que “o homem é quase sempre o artífice da sua própria infelicidade”, mas
 que, “praticando a lei de Deus, ele pode poupar-se de muitos males e 
alcançar felicidade tão grande quanto o comporte a sua existência 
grosseira”, consoante as informações dos Espíritos, exaradas na questão 
921 do referido livro.
Num futuro próximo, muitas indagações acerca de enigmas da vida e 
do comportamento humano, que aturdem cientistas, religiosos, pensadores 
agnósticos e de visão reducionista do homem, serão examinadas à luz do 
Espiritismo, obtendo-se, então, a claridade necessária à sua 
interpretação e solução.
* Instinto (no sentido freudiano) que compele a agir.
1. Tudo Sobre Freud. Revista Mythos Editora, n.19, p.30.
2. COHEN, Marleine. Albert Einstein. Biblioteca Época – personagens que marcaram época. Editora Globo.
3. Tudo Sobre Freud. Opus cit. e Freud e o Despertar do Inconsciente. Coleção Memórias da Psicanálise 1. Viver Mente e Cérebro.
4. Vide http://www.scribd.com/doc/7182942/Einstein-e-Freud-Por-Que-a-Guerra-Cartas
5. COHEN, Marleine. Albert Einstein. Opus cit. p.109.
6. Idem, Ibidem, p.110.
7. Tudo Sobre Freud, p.30.
8. KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. 1. edição comemorativa do 
Sesquicentenário.Tradução de Evandro Noleto Bezerra, 2006, FEB.
Revista RIE - Janeiro de 2010
Fonte: \http://jornalggn.com.br/noticia/as-correspondencias-entre-einstein-e-freud-sobre-a-violencia-humana
quinta-feira, 30 de abril de 2015
Novo tratamento do Alzheimer restaura totalmente a função da memória
Se uma pessoa tem a doença de Alzheimer, isso é geralmente o resultado 
de uma acumulação de dois tipos de lesões - placas amilóides e 
emaranhados neurofibrilares. As placas amilóides ficam entre os 
neurônios e criam aglomerados densos de moléculas de beta-amilóide.
Os emaranhados neurofibrilares são encontrados no interior dos neurónios
 do cérebro, e são causados por proteínas Tau defeituosas que se 
aglomeram numa massa espessa e insolúvel. Isso faz com que pequenos 
filamentos chamados microtúbulos fiquem torcidos, perturbando o 
transporte de materiais essenciais, como nutrientes e organelas.
Como não temos qualquer tipo de vacina ou medida preventiva para a 
doença de Alzheimer - uma doença que afeta 50 milhões de pessoas em todo
 o mundo - tem havido uma corrida para descobrir a melhor forma de 
tratá-la, começando com a forma de limpar as proteínas beta-amilóide e 
Tau defeituosas do cérebro dos pacientes.
Saiba mais: Doença de Alzheimer: Factos e Sintomas
Agora, uma equipa do Instituto do Cérebro de Queensland, da Universidade
 de Queensland, desenvolveu uma solução bastante promissora. Publicando 
na Science Translational Medicine,
 a equipa descreve a técnica como a utilização de um determinado tipo de
 ultra-som chamado de ultra-som de foco terapêutico, que envia feixes 
feixes de ondas sonoras para o tecido cerebral de forma não invasiva.
Por oscilarem de forma super-rápida, estas ondas sonoras são capazes de 
abrir suavemente a barreira hemato-encefálica, que é uma camada que 
protege o cérebro contra bactérias, e estimular as células microgliais 
do cérebro a moverem-se. As células da microglila são basicamente 
resíduos de remoção de células, sendo capazes de limpar os aglomerados 
de beta-amilóide tóxicos.
Os pesquisadores relataram um restauro total das memórias em 75 por 
cento dos ratos que serviram de cobaias para os testes, havendo zero 
danos ao tecido cerebral circundante. Eles descobriram que os ratos 
tratados apresentavam melhor desempenho em três tarefas de memória - um 
labirinto, um teste para levá-los a reconhecer novos objetos e um para 
levá-los a relembrar lugares que deviam evitar.
Fonte: www.ciencia-online.net › Psicologia › Saúde 
terça-feira, 21 de abril de 2015
'Os demônios do Demônio', por Eduardo Galeano
Muçulmanos, judeus, mulheres, homossexuais, índios, negros, estrangeiros e pobres: em ensaio de 2005, Eduardo Galeano
 discorre sobre as diferentes faces do Demônio, descritas pela antítese 
de cada um desses 'anjos do mal'. O artigo foi publicado por Le Monde Diplomatique e republicado por Le Monde Diplomatique Montevidéu, 13-04-2015.
O Demônio é mulçumano
A experiência prova que a ameaça do inferno é sempre mais eficaz que a promessa do Céu.
Benditos sejam os inimigos.
Dante já sabia que Maomé era 
terrorista. Por alguma razão o colocou em um dos círculos do inferno, 
condenado à pena de prisão perpétua. “O vi partido”, celebrou o poeta em
 A Divina Comédia , “desde a barba até a parte inferior do ventre...”. 
Mais de um Papa já tinham comprovado que as hordas muçulmanas, que 
atormentavam a Cristandade, não eram formadas por seres de carne e osso,
 eram um grande exército de demônios que aumentava quanto mais sofria 
com os golpes das lanças, das espadas e dos arcabuzes.
Hoje em dia, os mísseis fabricam muito mais inimigos que os inimigos 
das entranhas. Porém, que seria de Deus, afinal de contas, sem inimigos?
 O medo impera, as guerras existem para desbaratar o medo. A experiência
 prova que a ameaça do inferno é sempre mais eficaz que a promessa do 
Céu. Benditos sejam os inimigos. Na Idade Média, cada vez que o trono 
tremia, por bancarrota ou fúria popular, os reis cristãos denunciavam o 
perigo muçulmano, desatavam o pânico, lançavam uma nova Cruzada, o santo
 remédio. Agora, há pouco tempo, George W. Bush foi reeleito presidente do planeta graças o oportuno aparecimento de Bin Laden, o grande Satã do reino, que as vésperas das eleições anunciou, pela televisão, que ia comer todas as crianças.
Lá pelo ano de 1564, o especialista em demonologia Johann Wier
 teria contado os demônios que estavam trabalhando na terra, a tempo 
integral, a favor da perdição das almas cristãs. Eram sete milhões 
quatrocentos e nove mil cento e vinte sete, que agiam divididos em 
setenta e nove legiões.
Muita água fervente passou, depois daquele censo, debaixo das pontes 
do inferno. Quantos são, hoje em dia, os enviados do reino das trevas? 
As artes do teatro dificultam as contas. Estes falsos continuam usando 
turbantes, para ocultar seus cornos, e longas túnicas tampam os rabos do
 dragão, suas asas de morcego e a bomba que carregam debaixo do braço.
O Demônio é judeu
A colossal carnificina organizada por Hitler culminou uma longa história de perseguição e humilhação.
Hitler não inventou nada. Há mil anos, os judeus são
 os imperdoáveis assassinos de Jesus e os culpados de todas as culpas. 
Como? Jesus era judeu? E judeus eram também os doze apóstolos e os 
quatro evangelistas? O que você disse? Não pode ser. As verdades 
reveladas estão além das dúvidas e não exigem mais evidências do que a 
própria existência. As coisas são como se diz que são, e se diz porque 
se sabe: nas sinagogas o Demônio dá aulas, e os judeus desde há muito se
 dedicam a profanar hóstias e a envenenar águas bentas. Por causa deles 
aconteceram bancarrotas econômicas, crises financeiras e derrotas dos 
militares; são eles que trouxeram a febre amarela e a peste negra e 
todas as outras pestes.
A Inglaterra os expulsou, nenhum escapou, no ano de 1290, porém isso não impediu Chaucer, Marlowe e Shakespeare,
 que nunca tinham visto um judeu, fossem obedientes à caricatura 
tradicional e reproduzissem personagens judeus segundo o modelo satânico
 de parasita sanguessuga e o avaro usurário. Acusados de servir ao 
Maligno, estes malditos andaram durante séculos de expulsão em expulsão e
 de matança em matança. Depois da Inglaterra foram sucessivamente 
expulsos da França, Áustria, Espanha, Portugal e de numerosas cidades 
suíças, alemães e italianos. Os reis católicos Izabel e Fernando
 expulsaram os judeus e também os muçulmanos porque sujavam o sangue. Os
 judeus haviam vivido na Espanha durante treze séculos. Levaram com eles
 as chaves de suas casas. Há quem as guardem ainda. Nunca mais voltaram.
A colossal carnificina organizada por Hitler culminou uma longa 
história de perseguição e humilhação. A caça aos judeus tem sido sempre 
um esporte europeu. Agora, os palestinos, que jamais a praticaram, pagam
 a culpa.
O Demônio é mulher
“Toda a bruxaria provém da luxúria carnal, que nas mulheres é insaciável”.
O livro Malleus Maleficarum, também chamado O martelo das bruxas, recomenda o mais ímpio exorcismo contra o demônio que tem seios e cabelos compridos.
Dois inquisidores alemães, Heinrich Kramer e Jakob Sprenger, o escreveram, a pedido do Papa Inocêncio VIII,
 para enfrentar as conspirações demoníacas contra a Cristandade. Foi 
publicado pela primeira vez em 1486 e até o final do século XVIII foi o 
fundamento jurídico e teológico dos tribunais da Inquisição em vários 
países.
Os autores afirmavam que as bruxas, do harém de Satanás, 
representavam as mulheres em estado natural: “Toda bruxaria provém da 
luxúria carnal, que nas mulheres é insaciável”. E demonstravam que 
“esses seres de aspecto belo, cujo contato é fétido e a companhia 
mortal” encantavam os homens e os atraíam com silvos de serpentes, rabos
 de escorpião, para aniquilá-los. Os autores advertiam aos incautos: “A 
mulher é mais amarga que a morte. É uma armadilha. Seu coração, uma 
rede; e correias, seus braços”.
Esse tratado de criminologia, que enviou milhares de mulheres às fogueiras da Inquisição,
 aconselhava que todas as suspeitas de bruxaria fossem submetidas à 
tortura. Se confessassem, mereceriam o fogo. Se não confessassem também,
 porque só uma bruxa, fortalecida por seu amante, o Demônio, nos 
conciliábulos das bruxas, poderia resistir a semelhante suplício sem 
soltar a língua.
O papa Honório III sentenciara que o sacerdócio era 
coisa de machos: - As mulheres não devem falar. Seus lábios têm o 
estigma de Eva, que provocou a perdição dos homens.
Oito séculos depois, a Igreja Católica continua negando o púlpito às filhas de Eva. 
O mesmo pânico faz com que os muçulmanos fundamentalistas as mutilem o sexo e lhes cubram a cara.
O mesmo pânico faz com que os muçulmanos fundamentalistas as mutilem o sexo e lhes cubram a cara.
E o alívio pelo perigo conjurado leva os judeus mais ortodoxos a 
começar o dia sussurrando: “Graças, Senhor, por não me ter feito 
mulher”.
O Demônio é homossexual
Em nenhum lugar do mundo se levou em conta os muitos homossexuais condenados ao suplício ou a morte pelo delito de sê-lo.
Desde 1446, os homossexuais iam para a fogueira em Portugal. Desde 
1497 eram queimados vivos na Espanha. O fogo era o destino merecido 
pelos filhos do inferno, que surgiam do fogo.
Na América, ao contrário, os conquistadores preferiam jogá-los aos cachorros. Vasco Núnez de Balboa, que entregou muitos deles para a refeição dos cães, acreditava que a homossexualidade era contagiosa. Cinco séculos depois, ouvi o Arcebispo de Montevidéu dizer o mesmo. Quando os conquistadores apontaram no horizonte, só os astecas e os incas, em seus impérios teocráticos, castigavam a homossexualidade com a pena de morte. Os outros americanos a toleravam e em alguns lugares a celebravam, sem proibição ou castigo.
Na América, ao contrário, os conquistadores preferiam jogá-los aos cachorros. Vasco Núnez de Balboa, que entregou muitos deles para a refeição dos cães, acreditava que a homossexualidade era contagiosa. Cinco séculos depois, ouvi o Arcebispo de Montevidéu dizer o mesmo. Quando os conquistadores apontaram no horizonte, só os astecas e os incas, em seus impérios teocráticos, castigavam a homossexualidade com a pena de morte. Os outros americanos a toleravam e em alguns lugares a celebravam, sem proibição ou castigo.
Essa provocação insuportável devia desencadear a cólera divina. Do 
ponto de vista dos invasores, a varíola, o sarampo e a gripe, pestes 
desconhecidas que matavam índios como moscas, não vinham da Europa, mas 
sim do Céu. Assim, Deus castigava a libertinagem dos índios que 
praticavam a anormalidade com toda a naturalidade.
Nem na Europa, nem na América, nem em nenhum lugar do mundo se levou 
em conta os muitos homossexuais condenados ao suplício ou a morte pelo 
delito de sê-lo. Nada sabemos dos longínquos tempos e pouco ou nada 
sabemos dos tempos de agora.
Na Alemanha nazista, estes “degenerados culpados de aberrante delito 
contra a natureza” eram obrigados a exibir a estrela amarela. Quantos 
foram para os campos de concentração? Quantos lá 
morreram? Dez mil? Cinqüenta mil? Nunca se soube. Ninguém os contou, 
quase ninguém os mencionou. Tampouco se soube quantos foram os ciganos 
exterminados.
No dia 18 de setembro de 2002, o governo alemão e os bancos suíços 
resolveram “retificar a exclusão dos homossexuais entre as vítimas do 
Holocausto”. Levaram mais de meio século para corrigir essa omissão. A 
partir dessa data os homossexuais que tinham sobrevivido em Auschwitz e em outros campos, se é que ainda haja algum vivo, puderam reclamar uma indenização.
O Demônio é índio
Os conquistadores cumpriram a missão de devolver a Deus o ouro, a prata e outras várias riquezas que o Demônio havia usurpado.
Os conquistadores descobriram que Satã, quando expulso da Europa, 
tinha encontrado refúgio na América. Nas ilhas e nas praias do mar do 
Caribe, beijadas dia e noite por seus lábios flamejantes, habitadas por 
seres bestiais que andavam nus, tal como o Demônio os havia colocado no 
mundo, que cultuavam o sol, a terra, as montanhas, os mananciais e 
outros demônios disfarçados de deuses, que chamavam de jogo ao pecado 
carnal e o praticavam sem horário nem contrato, que ignoravam os dez 
mandamentos e os sete sacramentos e os sete pecados capitais, que não 
conheciam a palavra pecado nem temiam o inferno, que não sabiam ler nem 
tinham nunca ouvido falar do direito de propriedade, nem de nenhum 
direito e que, como se tudo isso fosse pouco, tinham o costume de 
comerem uns aos outros. E crus.
A conquista da América foi uma longa e difícil tarefa de exorcismo. 
Tão arraigado estava o Demônio nestas terras, que quando parecia que os 
índios se ajoelhavam devotamente ante a Virgem, estavam na realidade 
adorando a serpente que ela amassava com o pé; e quando beijavam a Cruz 
não estavam reconhecendo ao Filho de Deus, mas estavam celebrando o 
encontro da chuva com a terra. 
Os conquistadores cumpriram a missão de devolver a Deus o ouro, a 
prata e outras várias riquezas que o Demônio havia usurpado. Não foi 
fácil recuperar o tesouro. Ainda bem que de vez em quando recebiam 
alguma pequena ajuda de lá de cima. Quando o dono do inferno preparou 
uma emboscada em um desfiladeiro, para impedir a passagem dos espanhóis 
em busca da prata de Cerro Rico de Potosi, um arcanjo baixou das alturas
 e lhe deu uma tremenda surra.
O Demônio é negro
Supunha-se que a leitura da Bíblia podia facilitar a viagem dos africanos do inferno para o paraíso, mas a Europa esqueceu de ensiná-los a ler.
Como a noite, como o pecado, o negro é inimigo da luz e da inocência. 
Em seu célebre livro de viagens, Marco Pólo fala dos habitantes de Zanzibar. “Tinham uma boca muito grande, lábios muito grossos e nariz como o de um macaco. Caminhavam nus, totalmente negros e para quem de qualquer outra região que os visse acreditaria que eram demônios”.
Três séculos depois, na Espanha, Lúcifer, pintado de negro, trepado numa carroça em chamas, entrava nos pátios das comédias e nos palcos das feiras. Santa Tereza de Jesus, que viveu para combatê-lo, apesar disso nunca pode entendê-lo. Uma vez ficou ao lado e viu “um negrinho abominável”. Outra vez ela viu que do seu corpo negro saía uma chama vermelha, quando se sentou em cima de seu livro de orações e queimou os textos do ofício religioso.
Em seu célebre livro de viagens, Marco Pólo fala dos habitantes de Zanzibar. “Tinham uma boca muito grande, lábios muito grossos e nariz como o de um macaco. Caminhavam nus, totalmente negros e para quem de qualquer outra região que os visse acreditaria que eram demônios”.
Três séculos depois, na Espanha, Lúcifer, pintado de negro, trepado numa carroça em chamas, entrava nos pátios das comédias e nos palcos das feiras. Santa Tereza de Jesus, que viveu para combatê-lo, apesar disso nunca pode entendê-lo. Uma vez ficou ao lado e viu “um negrinho abominável”. Outra vez ela viu que do seu corpo negro saía uma chama vermelha, quando se sentou em cima de seu livro de orações e queimou os textos do ofício religioso.
Uma breve história do intercâmbio entre África e Europa: durante os 
séculos XVI, XVII e XVIII, a África vendia escravos e comprava fuzis. 
Trocava trabalho pela violência. Os fuzis punham ordem no caos infernal e a escravidão
 iniciava o caminho da redenção. Antes de serem marcados com ferro 
quente, na cara e no peito, todos os negros recebiam uma boa unção de 
água benta. O batismo espantava o demônio e dava alma a esses corpos 
vazios. Depois, durante os séculos XIX e XX, a África entregava ouro, 
diamantes, cobre, marfim, borracha e café e recebia Bíblias. Trocava 
produtos por palavras. Supunha-se que a leitura da Bíblia podia 
facilitar a viagem dos africanos do inferno para o paraíso, mas a Europa
 esqueceu de ensiná-los a ler.
O Demônio é estrangeiro
O imigrante está disponível para ser acusado como responsável pelo 
desemprego, a queda do salário, a insegurança pública e outras temíveis 
desgraças.
O “culpômetro” indica que o imigrante vem roubar-nos
 o emprego e o “perigosímetro” acende a luz vermelha. Se for pobre, 
jovem e não for branco, o intruso, que veio de fora, está condenado, a 
primeira vista, por indigência, inclinação ao tumulto ou por ter aquela 
pele. De qualquer maneira, se não é pobre, nem jovem, nem escuro, deve 
ser mal recebido, porque chega disposto a trabalhar o dobro em troca da 
metade.
O pânico diante da perda do emprego é um dos medos mais poderosos 
entre todos os medos que nos governam nestes tempos de medo. E o 
imigrante está sempre disponível para ser acusado como responsável pelo 
desemprego, a queda do salário, a insegurança pública e outras temíveis 
desgraças.
Em outros tempos, a Europa distribuía para o mundo soldados, presos e
 camponeses mortos de fome. Estes protagonistas das aventuras coloniais 
passaram à história como agentes viajantes de Deus. Era a Civilização 
lançada nos braços da barbárie.
Agora a viagem se faz na contramão. Os que chegam, ou tentam chegar 
do sul em direção ao norte, não trazem nenhuma faca entre os dentes nem 
fuzil no ombro. Vêm de países que foram oprimidos até a última gota de 
seu sugo e não têm a intenção de conquistar nada além de um trabalho ou 
trabalhinho. Esses protagonistas das desventuras parecem, muito mais, 
mensageiros do Demônio. É a barbárie que toma de assalto a Civilização.
O Demônio é pobre
Os bens de poucos sofrem a ameaça dos males de muitos.
Se lambem enquanto você come, espiam enquanto você dorme: os pobres 
espreitam. Em cada um se esconde um delinqüente, talvez um terrorista. 
Os bens de poucos sofrem a ameaça dos males de muitos. Nada de novo. Tem
 sido assim desde quando os donos de tudo não conseguem dormir e os 
donos de nada não conseguem comer.
Submetidas a um acossamento durante milhares de anos, as ilhas da 
decência estão encurraladas pelos turbulentos mares da vida desgraçada. 
Rugem as ondas sucessivas que forçam viver em sobressalto perpétuo. Nas 
cidades de nosso tempo, imensos cárceres que prendem os prisioneiros ao 
medo, as fortalezas dizem ser casas e as armaduras simulam ser trajes.
Estado de sítio. Não se distraia, não baixe a guarda, desconfie: você
 está estatisticamente marcado, mais cedo ou mais tarde terá que sofrer 
algum assalto, seqüestro, violação ou crime. Nos bairros malditos 
espreitam, ocultos, remoendo invejas, tragando rancores, os autores de 
sua próxima desgraça. São vagabundos, pobres diabos, bêbados, drogados, 
carne de cárcere ou bala, pessoas sem dentes, sem rumo e sem destino.
Ninguém os aplaude, porém os ladrões de galinha fazem o que podem 
imitando, modestamente, os mestres que ensinam ao mundo as fórmulas do 
êxito. Ninguém os compreende, porém eles aspiram serem cidadãos 
exemplares, como esses heróis de nosso tempo que violam a terra, 
envenenam o ar e a água, estrangulam salários, assassinam empregos e 
sequestram países.
Fonte: http://www.ihu.unisinos.br/noticias/541892-os-demonios-do-demonio-por-eduardo-galeano
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