As pessoas não dizem mais o que pensam. A maioria já não dizia mesmo, só que, atualmente, nem a minoria dissonante tem tido coragem de revelar seus verdadeiros pensamentos e opiniões. E, quando alguém ousa abrir o bico, provoca reações adversas. Entre o riso debochado de uns e o espanto de outros, a verdade é que muita gente condena para fora e festeja para dentro. Condena no discurso, mas, festeja no silêncio da sua mais profunda intimidade, lá onde os curiosos não podem penetrar.
Nas questões de família, nas discussões de trabalho ou em simples conversas de bar, é cada vez mais difícil encontrar alguém que se permita defender posições polêmicas. Há um receio generalizado de mostrar o que de fato passa pela cabeça, de expor ideais, de revelar sentimentos verdadeiros. E esse bloqueio acontece, ironicamente, numa época em que o mundo virou um imenso reality show. Todos querem aparecer, mas ninguém quer se mostrar como realmente é.
Eu diria que se trata da maldição do “politicamente correto” e do “marketing pessoal”, ferramentas do pensamento médio a serviço da padronização de comportamento. Desde que inventaram estes rótulos, o mundo ficou muito mais óbvio. A maioria defende o mesmo discurso, forjado mais no interesse de tentar agradar ou, pelo menos, de não desagradar os outros. Reparem que não é a sinceridade que rege essa postura e, sim, a hipocrisia. Aliás, anda bem arriscado ser sincero, hoje em dia. Já a hipocrisia, para muitos, é quase uma regra de sobrevivência.
Pense no seu dia a dia, nas coisas que você gostaria de dizer em voz alta e que desafiariam o senso comum ou (e isso seria o grande avanço) estimulariam boas discussões.
Você é contra ou a favor do aborto? E as cotas para negros na universidade? E o que você faria para resolver o problema das favelas? E o capitalismo... você teria coragem de criticar o sistema numa conversa com seu patrão?
Pensando bem, pra que iniciar um debate ou comprar briga, não é mesmo? Melhor não brincar com fogo! Então, tratamos de sufocar nossos pensamentos antes que eles se tornem opiniões incômodas. E, assim, a vida segue para todo mundo, sem palpites provocadores nem interferências constrangedoras. É cada um no seu quadrado e estamos conversados!
Acho, inclusive, que isso tudo estimula a proliferação de revistas especializadas em fofocas, já que é mais seguro discutir sobre a novela e a vida intima dos artistas do que dizer alguma tolice sobre o mundo real.
No campo do humor, não anda fácil fazer graça com tantas regras a limitar os piadistas. Mas, de vez em quando, surgem situações que escapam da vigilância ética. Outro dia, fui jurado de um quadro do Tudo é possível, da minha amiga Ana Hickmann. Pais e filhos contando histórias engraçadas e o júri avaliando o desempenho de cada um. E não é que só teve piada de loira, gago, gay e português!? Como não dá pra exigir que a plateia seja politicamente correta, todo mundo riu e aplaudiu.
A verdade é que, nessa história de respeitar a tudo e a todos, as escorregadas são inevitáveis e quando elas acontecem, fica todo mundo de olho arregalado, sem saber direito o que pensar e fazer. Não pense que pretendo defender a intolerância, o racismo e o preconceito. Não. Muito pelo contrário. Acho que a sociedade precisa, sim, criar e cultivar o respeito em todos os níveis. A minha intenção é apenas cutucar as pessoas sobre a sinceridade dos nossos atos e posturas. Se o discurso não coincide com o pensamento, é sinal de que existe um descompasso na nossa filosofia de vida. É como se estivéssemos sendo obrigados a mentir em nome da sobrevivência, quando deveríamos fazer uso do direito ao contraditório. Livre arbítrio do pensamento é tão indispensável como liberdade de expressão. Não devemos ter vergonha de discordar, sob pena de sermos imobilizados pelo conservadorismo, que já domina a sociedade em proporção considerável. A sensação que temos, de modo geral, é de que aqueles que desafiarem o pensamento médio, serão ejetados! Deste modo, não resolveremos nossas questões mais profundas e vamos continuar jogando a sujeira debaixo do tapete.
É prudente que se tome cuidado com o duplo sentido das palavras, mas não há como censurar o nosso próprio pensamento. Até que ponto, essa postura-padrão das pessoas está inibindo a personalidade de cada um? De cada ser humano?
Adorei quando, durante jogo decisivo pelo campeonato paulista, Paulo Henrique Ganso, do Santos, se recusou a deixar o campo e obrigou o treinador a desistir de sua substituição. Raciocinemos juntos: Ganso teve personalidade ou foi politicamente incorreto ao desafiar o chefe? Talvez, as duas coisas. Como o ato contribuiu para a vitória, ele foi aplaudido por toda a imprensa. Porém, sabemos que, se o time tivesse sido derrotado, todos o condenariam pela “insubordinação”. É a volatilidade do raciocínio jornalístico, que, por sinal, é um espelho de quem o consome.
Mas, sem que a maioria perceba, este sufocamento vem provocando certo tédio, que pode ser medido, por exemplo, através dos programas de TV. As atrações que mais geram polêmica, ultimamente, são humorísticos como Legendários, CQC e Pânico. O objetivo de seus produtores é provocar o telespectador, rasgando a cartilha do politicamente correto. Em casa, as opiniões se dividem. Há os que se sentem constrangidos e aqueles que vibram. A ousadia tem seu preço. Mas, pelos elevados índices de audiência, este tipo de programa parece agradar os telespectadores. É mais um sinal claro de que muita gente reprimida anda precisando, com urgência, de uma válvula de escape.
Até em realities de fundo mais acadêmico, como O Aprendiz, algumas situações surpreendem. Em recente episódio, chamou-me a atenção o diálogo entre um participante que servia cafezinho de graça para a multidão e um homem de aparência humilde, que furou a fila: o aprendiz pede que o homem vá para o fim da fila, e recebe uma resposta desconcertante: “Eu não gostei do seu jeito de falar. Eu também já fui como você e fiquei assim!” bradou o homem, que se equilibrava em uma bengala. Diante deste fato, observei que a ânsia de sermos sempre politicamente corretos, às vezes, nos deixa cegos e quando nos manifestamos apenas por intuição, movidos pelo pensamento médio, corremos certo risco de resvalar na arrogância.
Enfim, é assunto para muita discussão. E acho que, em vez de adotarmos preguiçosamente o discurso comum, o ideal é questionar não só o que a maioria diz, mas, principalmente, o nosso próprio pensamento.
Que tal pensar a respeito?
Britto Jr.
Fonte: http://noticias.r7.com/blogs/britto-jr/2010/05/24
Nas questões de família, nas discussões de trabalho ou em simples conversas de bar, é cada vez mais difícil encontrar alguém que se permita defender posições polêmicas. Há um receio generalizado de mostrar o que de fato passa pela cabeça, de expor ideais, de revelar sentimentos verdadeiros. E esse bloqueio acontece, ironicamente, numa época em que o mundo virou um imenso reality show. Todos querem aparecer, mas ninguém quer se mostrar como realmente é.
Eu diria que se trata da maldição do “politicamente correto” e do “marketing pessoal”, ferramentas do pensamento médio a serviço da padronização de comportamento. Desde que inventaram estes rótulos, o mundo ficou muito mais óbvio. A maioria defende o mesmo discurso, forjado mais no interesse de tentar agradar ou, pelo menos, de não desagradar os outros. Reparem que não é a sinceridade que rege essa postura e, sim, a hipocrisia. Aliás, anda bem arriscado ser sincero, hoje em dia. Já a hipocrisia, para muitos, é quase uma regra de sobrevivência.
Pense no seu dia a dia, nas coisas que você gostaria de dizer em voz alta e que desafiariam o senso comum ou (e isso seria o grande avanço) estimulariam boas discussões.
Você é contra ou a favor do aborto? E as cotas para negros na universidade? E o que você faria para resolver o problema das favelas? E o capitalismo... você teria coragem de criticar o sistema numa conversa com seu patrão?
Pensando bem, pra que iniciar um debate ou comprar briga, não é mesmo? Melhor não brincar com fogo! Então, tratamos de sufocar nossos pensamentos antes que eles se tornem opiniões incômodas. E, assim, a vida segue para todo mundo, sem palpites provocadores nem interferências constrangedoras. É cada um no seu quadrado e estamos conversados!
Acho, inclusive, que isso tudo estimula a proliferação de revistas especializadas em fofocas, já que é mais seguro discutir sobre a novela e a vida intima dos artistas do que dizer alguma tolice sobre o mundo real.
No campo do humor, não anda fácil fazer graça com tantas regras a limitar os piadistas. Mas, de vez em quando, surgem situações que escapam da vigilância ética. Outro dia, fui jurado de um quadro do Tudo é possível, da minha amiga Ana Hickmann. Pais e filhos contando histórias engraçadas e o júri avaliando o desempenho de cada um. E não é que só teve piada de loira, gago, gay e português!? Como não dá pra exigir que a plateia seja politicamente correta, todo mundo riu e aplaudiu.
A verdade é que, nessa história de respeitar a tudo e a todos, as escorregadas são inevitáveis e quando elas acontecem, fica todo mundo de olho arregalado, sem saber direito o que pensar e fazer. Não pense que pretendo defender a intolerância, o racismo e o preconceito. Não. Muito pelo contrário. Acho que a sociedade precisa, sim, criar e cultivar o respeito em todos os níveis. A minha intenção é apenas cutucar as pessoas sobre a sinceridade dos nossos atos e posturas. Se o discurso não coincide com o pensamento, é sinal de que existe um descompasso na nossa filosofia de vida. É como se estivéssemos sendo obrigados a mentir em nome da sobrevivência, quando deveríamos fazer uso do direito ao contraditório. Livre arbítrio do pensamento é tão indispensável como liberdade de expressão. Não devemos ter vergonha de discordar, sob pena de sermos imobilizados pelo conservadorismo, que já domina a sociedade em proporção considerável. A sensação que temos, de modo geral, é de que aqueles que desafiarem o pensamento médio, serão ejetados! Deste modo, não resolveremos nossas questões mais profundas e vamos continuar jogando a sujeira debaixo do tapete.
É prudente que se tome cuidado com o duplo sentido das palavras, mas não há como censurar o nosso próprio pensamento. Até que ponto, essa postura-padrão das pessoas está inibindo a personalidade de cada um? De cada ser humano?
Adorei quando, durante jogo decisivo pelo campeonato paulista, Paulo Henrique Ganso, do Santos, se recusou a deixar o campo e obrigou o treinador a desistir de sua substituição. Raciocinemos juntos: Ganso teve personalidade ou foi politicamente incorreto ao desafiar o chefe? Talvez, as duas coisas. Como o ato contribuiu para a vitória, ele foi aplaudido por toda a imprensa. Porém, sabemos que, se o time tivesse sido derrotado, todos o condenariam pela “insubordinação”. É a volatilidade do raciocínio jornalístico, que, por sinal, é um espelho de quem o consome.
Mas, sem que a maioria perceba, este sufocamento vem provocando certo tédio, que pode ser medido, por exemplo, através dos programas de TV. As atrações que mais geram polêmica, ultimamente, são humorísticos como Legendários, CQC e Pânico. O objetivo de seus produtores é provocar o telespectador, rasgando a cartilha do politicamente correto. Em casa, as opiniões se dividem. Há os que se sentem constrangidos e aqueles que vibram. A ousadia tem seu preço. Mas, pelos elevados índices de audiência, este tipo de programa parece agradar os telespectadores. É mais um sinal claro de que muita gente reprimida anda precisando, com urgência, de uma válvula de escape.
Até em realities de fundo mais acadêmico, como O Aprendiz, algumas situações surpreendem. Em recente episódio, chamou-me a atenção o diálogo entre um participante que servia cafezinho de graça para a multidão e um homem de aparência humilde, que furou a fila: o aprendiz pede que o homem vá para o fim da fila, e recebe uma resposta desconcertante: “Eu não gostei do seu jeito de falar. Eu também já fui como você e fiquei assim!” bradou o homem, que se equilibrava em uma bengala. Diante deste fato, observei que a ânsia de sermos sempre politicamente corretos, às vezes, nos deixa cegos e quando nos manifestamos apenas por intuição, movidos pelo pensamento médio, corremos certo risco de resvalar na arrogância.
Enfim, é assunto para muita discussão. E acho que, em vez de adotarmos preguiçosamente o discurso comum, o ideal é questionar não só o que a maioria diz, mas, principalmente, o nosso próprio pensamento.
Que tal pensar a respeito?
Britto Jr.
Fonte: http://noticias.r7.com/blogs/britto-jr/2010/05/24
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