Pelo menos metade das emissões brasileiras de gases do efeito estufa é causada pela pecuária bovina, indica um estudo interdisciplinar divulgado ontem. A maior parte do problema se deve ao desmatamento para abrir pastagens na Amazônia e no Cerrado, afirma o trabalho, mas a fermentação entérica do gado (metano exalado pelos bois) e as queimadas nas áreas de pastagem dão uma dimensão maior ao problema.
O estudo, divulgado ontem em São José dos Campos no Inpe (Instituto Nacional de Pesquisa Espaciais), será objeto também de apresentação na conferência do clima de Copenhague. O plano de corte de emissões que a delegação do país leva ao encontro, porém, não tem uma abordagem específica para cuidar dos bois.
O problema, claro, já era conhecido, mas é a primeira vez que uma pesquisa compila as informações para medir o impacto particular da pecuária nas emissões. "Se você desmata o cerrado e a mata amazônica para criar bois, aquele desmatamento está associado à pecuária", diz Carlos Nobre, do Inpe, um dos líderes do estudo.
Segundo o trabalho, a pecuária é responsável em média por 75% do desmate na Amazônia e 56% no Cerrado. A estimativa se refere ao período de 2003 a 2008. No último ano, a emissão total de gases-estufa pela pecuária nacional foi equivalente a 813 milhões de toneladas de CO2. Em 2003, sob desmatamento maior, era de 1,1 bilhão. Segundo um dos autores do estudo, Roberto Smeraldi, da ONG Amigos da Terra, os valores podem parecer altos, mas são conservadores. "Aspectos da emissão de gases-estufa do solo por conta de degradação de pastagens, de transporte do gado e do uso de energia pelos frigoríficos não entraram nesta conta", afirma. "Vamos avaliar isso depois."Indagado sobre o resultado do estudo, o embaixador extraordinário do Brasil para clima, Sérgio Serra, afirmou que ele não é tratado dentro da proposta brasileira de redução de emissões. O plano apoia-se majoritariamente na coibição do desmatamento - sem discriminar quem está desmatando- e prevê ações no setor agrícola, mas em nenhum dos dois pontos a pecuária é abordada como uma questão específica.
"No plano nacional da mudança do clima do qual emanou essa política nacional que foi aprovada agora no Congresso, ela [política pecuária] deve até entrar em algum detalhamento", disse Serra em Copenhague. "Mas não está nesse pacote que estamos oferecendo aqui. Não há um acordo específico."
Para Gilberto Câmara, diretor do Inpe, mitigar as emissões resultantes da criação de gado não cabe à conferência, mas ao país. "Acho que em nenhum outro lugar o desmatamento é associado com a pecuária tanto quanto no Brasil", disse.
A revelação do peso da pecuária nas emissões brasileiras é uma má notícia do ponto de vista comercial, uma vez que o gado brasileiro já enfrenta restrições não tarifárias para entrar em mercados externos. Países europeus que assumirão meta de corte de emissões podem querem taxar a entrada de carne brasileira, já que vão arcar com o ônus da mitigação.
A depender do resultado de Copenhague, porém, o Brasil sairá em vantagem. Com mecanismos que atribuam valor ao carbono que um pecuarista deixa de emitir (ao evitar desmatar ou ao mudar a dieta do gado), um país rico poderia "comprar" essa emissão. Ainda não está claro como fazer isso, mas o potencial é grande. "O custo das emissões de carbono por unidade de produto [a carne] supera o próprio custo do produto no atacado", diz Smeraldi.
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