Nesta semana se instala, em Copenhague, a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 15).
Sou pouco otimista quanto à possibilidade de adoção de medidas efetivas relacionadas com orçamento de carbono, desmatamento, mitigação das mudanças climáticas, etc. Ainda que venham a ser fixadas metas, receio que não serão apresentados projetos efetivos.
De qualquer forma, não há dúvida que a questão ambiental ingressou definitivamente na agenda política internacional, sendo inevitáveis desdobramentos em termos de acordos, programas, avaliações, etc.
Há algum tempo, a questão ecológica passou a interagir com o direito tributário, merecendo a denominação de ecotributação ou tributação ambiental.
Trata-se de matéria inscrita no domínio da extrafiscalidade, que diz respeito ao uso dos instrumentos tributários para fins que ultrapassam o interesse estritamente arrecadatório com vistas à cobertura dos encargos públicos.
Por essa via, a política tributária abdica de sua finalidade natural e busca modelar comportamentos da sociedade segundo determinados padrões.
Nos países de cultura anglo-saxônica, usa-se a expressão “impostos do pecado” (sin taxes) para qualificar tributos que incidem sobre atividades tidas como contrárias à moralidade (jogo, tabaco e bebida).
Nos anos trinta, esse conceito foi reformulado por Arthur Pigou, no âmbito da doutrina do estado de bem-estar social, para, afastando-se da fundamentação moral, vincular a tributação seletiva à idéia de externalidade.
Assim, as atividades que gerassem externalidades negativas, ou seja, aquelas cujos custos sociais suplantam os privados deveriam merecer uma tributação mais elevada, como forma de induzir mudanças de conduta.
Por força dessa tese, alguns países europeus tributam bebidas em função dos respectivos teores alcoólicos.
A tributação ambiental é a nova fronteira da extrafiscalidade. Em alguns países europeus, foram criadas espécies tributárias específicas em proveito do meio ambiente; aqui, foram adotadas iniciativas que podem ser consideradas como ecotributação.
No caso brasileiro, não vislumbro a possibilidade, sem alteração constitucional, de criação de tributos ambientais: as contribuições sociais e as de intervenção no domínio econômico não são adequadas para esse objetivo; as taxas, quando muito, se prestam a recuperar custos de fiscalização ou de utilização de ecossistemas sensíveis; a competência residual para instituição de impostos (art. 154, I, da Constituição) é de difícil consecução, pela sobreposição de requisitos bastante severos.
Nesse juízo, não tomei em conta, obviamente, as multas por danos ambientais – necessárias, mas insuficientes para outorgar eficácia à política ambiental.
A solução que tem sido adotada no Brasil passa por conferir interesse ambiental à incidência tributária convencional.
No governo de Fernando Henrique, por exemplo, a legislação do Imposto Territorial Rural (ITR) foi alterada para permitir que fossem deduzidas da base de cálculo as áreas de preservação ambiental, identificadas por meio de Ato Declaratório Ambiental (ADA).
Os resultados pouco expressivos da medida decorrem não dela mesma, mas da baixa representatividade do próprio tributo.
A esse exemplo se associam outros. À época do apagão, foram desonerados todos os equipamentos relacionados com fontes alternativas de energia; ao mesmo tempo, elevou-se a tributação de produtos com elevado consumo de energia.
Pretendeu-se, por meio de Medida Provisória lamentavelmente rejeitada pelo Congresso, conceder crédito presumido ao aproveitamento de aparas de plástico destinadas à reciclagem.
Malgrado o absoluto ceticismo dos fabricantes quanto à possibilidade tecnológica dos automóveis flex, equiparou-se a alíquota do IPI sobre eles incidente à dos carros a álcool, desde muito tributados com alíquota inferior à dos movidos a gasolina.
Essa última medida mudou completamente o mercado brasileiro de automóveis, pois a participação relativa dos automóveis flex, nesse mercado, cresceu desde um insignificante percentual para quase 90%, hoje.
Na mais recente alteração do IPI de automóveis, prorrogou-se a alíquota reduzida dos automóveis flex, eliminando-se os incentivos dos carros a gasolina.
A despeito da boa intenção dos que patrocinaram a medida, não vejo como ela possa estimular a opção pelos automóveis flex, já definitivamente eleitos como preferência nacional. Ao contrário, preocupa-me a recorrente concessão de estímulos fiscais e creditícios a automóveis e motocicletas.
Os engarrafamentos e a poluição passaram a ser constantes em todas as médias e grandes cidades brasileiras. Será que nossas cidades estão aptas para acolher uma frota automobilística, grande e crescente?
Parece que estamos diante de um caso de externalidade negativa, em que o tributo deveria ser utilizado para conter a expansão da demanda, e não o contrário.
De tudo, resta a certeza de que estamos diante de um novo e desafiador campo tributário.
Everardo Maciel é ex-Secretário da Receita Federal
Sou pouco otimista quanto à possibilidade de adoção de medidas efetivas relacionadas com orçamento de carbono, desmatamento, mitigação das mudanças climáticas, etc. Ainda que venham a ser fixadas metas, receio que não serão apresentados projetos efetivos.
De qualquer forma, não há dúvida que a questão ambiental ingressou definitivamente na agenda política internacional, sendo inevitáveis desdobramentos em termos de acordos, programas, avaliações, etc.
Há algum tempo, a questão ecológica passou a interagir com o direito tributário, merecendo a denominação de ecotributação ou tributação ambiental.
Trata-se de matéria inscrita no domínio da extrafiscalidade, que diz respeito ao uso dos instrumentos tributários para fins que ultrapassam o interesse estritamente arrecadatório com vistas à cobertura dos encargos públicos.
Por essa via, a política tributária abdica de sua finalidade natural e busca modelar comportamentos da sociedade segundo determinados padrões.
Nos países de cultura anglo-saxônica, usa-se a expressão “impostos do pecado” (sin taxes) para qualificar tributos que incidem sobre atividades tidas como contrárias à moralidade (jogo, tabaco e bebida).
Nos anos trinta, esse conceito foi reformulado por Arthur Pigou, no âmbito da doutrina do estado de bem-estar social, para, afastando-se da fundamentação moral, vincular a tributação seletiva à idéia de externalidade.
Assim, as atividades que gerassem externalidades negativas, ou seja, aquelas cujos custos sociais suplantam os privados deveriam merecer uma tributação mais elevada, como forma de induzir mudanças de conduta.
Por força dessa tese, alguns países europeus tributam bebidas em função dos respectivos teores alcoólicos.
A tributação ambiental é a nova fronteira da extrafiscalidade. Em alguns países europeus, foram criadas espécies tributárias específicas em proveito do meio ambiente; aqui, foram adotadas iniciativas que podem ser consideradas como ecotributação.
No caso brasileiro, não vislumbro a possibilidade, sem alteração constitucional, de criação de tributos ambientais: as contribuições sociais e as de intervenção no domínio econômico não são adequadas para esse objetivo; as taxas, quando muito, se prestam a recuperar custos de fiscalização ou de utilização de ecossistemas sensíveis; a competência residual para instituição de impostos (art. 154, I, da Constituição) é de difícil consecução, pela sobreposição de requisitos bastante severos.
Nesse juízo, não tomei em conta, obviamente, as multas por danos ambientais – necessárias, mas insuficientes para outorgar eficácia à política ambiental.
A solução que tem sido adotada no Brasil passa por conferir interesse ambiental à incidência tributária convencional.
No governo de Fernando Henrique, por exemplo, a legislação do Imposto Territorial Rural (ITR) foi alterada para permitir que fossem deduzidas da base de cálculo as áreas de preservação ambiental, identificadas por meio de Ato Declaratório Ambiental (ADA).
Os resultados pouco expressivos da medida decorrem não dela mesma, mas da baixa representatividade do próprio tributo.
A esse exemplo se associam outros. À época do apagão, foram desonerados todos os equipamentos relacionados com fontes alternativas de energia; ao mesmo tempo, elevou-se a tributação de produtos com elevado consumo de energia.
Pretendeu-se, por meio de Medida Provisória lamentavelmente rejeitada pelo Congresso, conceder crédito presumido ao aproveitamento de aparas de plástico destinadas à reciclagem.
Malgrado o absoluto ceticismo dos fabricantes quanto à possibilidade tecnológica dos automóveis flex, equiparou-se a alíquota do IPI sobre eles incidente à dos carros a álcool, desde muito tributados com alíquota inferior à dos movidos a gasolina.
Essa última medida mudou completamente o mercado brasileiro de automóveis, pois a participação relativa dos automóveis flex, nesse mercado, cresceu desde um insignificante percentual para quase 90%, hoje.
Na mais recente alteração do IPI de automóveis, prorrogou-se a alíquota reduzida dos automóveis flex, eliminando-se os incentivos dos carros a gasolina.
A despeito da boa intenção dos que patrocinaram a medida, não vejo como ela possa estimular a opção pelos automóveis flex, já definitivamente eleitos como preferência nacional. Ao contrário, preocupa-me a recorrente concessão de estímulos fiscais e creditícios a automóveis e motocicletas.
Os engarrafamentos e a poluição passaram a ser constantes em todas as médias e grandes cidades brasileiras. Será que nossas cidades estão aptas para acolher uma frota automobilística, grande e crescente?
Parece que estamos diante de um caso de externalidade negativa, em que o tributo deveria ser utilizado para conter a expansão da demanda, e não o contrário.
De tudo, resta a certeza de que estamos diante de um novo e desafiador campo tributário.
Everardo Maciel é ex-Secretário da Receita Federal
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