Cornelius Vanderbilt entrevistou Al Capone em 1931 para a revista “Liberty”. A matéria teve enorme repercussão por vários motivos. Vanderbilt era membro de uma rica e tradicional família americana. E Capone o mais famoso gângster americano.
Veja o resultado abaixo.
“Nossa gente tem que se manter unida”.
Estávamos sentados, eu e Al Capone, em um escritório espaçoso no quarto andar do Lexington Hotel na rua 22 com a Michigan, em Chicago. Já passava das quatro da tarde. Era quinta-feira, 27 de agosto. Ano de 1931.
Lá embaixo, nas calçadas, havia policiais fardados e à paisana. Todo mundo sabia que eles estavam nas ruas. Desbarataram dezenas de pontos de gângsteres nas últimas 24 horas. Deram batidas em hotéis e apartamentos. O que Pat Roche mais queria no mundo era o rei. E Pat era o promotor público.
Alguém tinha sido sequestrado. Seu nome era Lynch. Ele publicava um jornal com informações confidenciais sobre corridas de cavalos. Os boatos diziam que os sequestradores exigiam 250 milhas pela sua libertação. Achando que Al Capone talvez soubesse alguma coisa sobre isso, a polícia de Chicago pediu ajuda ao rei para encontrar Lynch. Sua Majestade concordou graciosamente e, logo depois, Lynch foi encontrado sem pagar um tostão de resgate.
Al Capone não tolera certos tipos de negócios ilícitos, e o sequestro é um deles.
Ele se reclinou um pouco mais na confortável cadeira de escritório e acendeu, pela décima sétima vez, o charuto Tampa. Nós já estávamos conversando há mais de uma hora.
“Esse inverno vai ser terrível”, continuou. “Temos que abrir a carteira para sobreviver. A gente não pode esperar pelo Congresso, pelo senhor Hoover ou por qualquer outra pessoa. Temos que ajudar a manter as barrigas cheias e os corpos aquecidos. Se não fizermos isso, nosso estilo de vida vai fracassar. O senhor sabe por que os Estados Unidos estão à beira da maior convulsão social da sua história? O bolchevismo está batendo à nossa porta. Não podemos deixar que ele entre. Devemos nos organizar contra ele, ficar lado a lado. Precisamos de fundos para combater a fome”.
Será que eu estava ouvindo direito? Será que estava no meu juízo perfeito? Ali, na minha frente, perto da sacada da janela, atrás de uma grande mesa de teca, sentava-se o mais temido de todos os escroques. Muito mais alto do que eu esperava, e mais forte. Um sujeito com um aperto de mão fortíssimo, uma janela com uma sacada digna de um banqueiro e o sorriso de vencedor característico de todas as raças latinas. E, mesmo assim, em vez do tipo de conversa que se espera de gente como ele, Capone fazia um discurso como eu nunca tivera a oportunidade de ouvir.
Ele continuou:
“Temos que manter os Estados Unidos inteiros, seguros e intactos. Se as máquinas tirarem os empregos dos trabalhadores, eles vão precisar encontrar outra coisa para fazer. Talvez voltem a trabalhar a terra. Mas temos que olhar por eles enquanto acontece a mudança. Nós temos que mantê-los afastados da literatura e das artimanhas dos bolcheviques; devemos cuidar para que a cabeça deles continue saudável. Porque não importa onde nasceram, eles agora são americanos.”
Os garotos anunciavam as edições extras lá embaixo. Al Brown, como gosta de ser chamado, levantou-se da cadeira e andou para a esquerda. tirou um par de binóculos de um armário, colocou-os diante dos olhos e leu devagar a manchete de um vespertino: “Pat Roche confiante na rápida prisão de Capone.”
Abriu um sorriso largo: “O Pat é um cara legal”, disse com calma, “só que gosta de ver seu nome nos jornais com muita frequência.”
E pensei, “se o Pat falasse sério sobre prender você, ele podia fazer isso em um minuto.”
Ele leu meu pensamento: “Acho que sou como o senhor, senhor Vanderbilt: a multidão prefere me culpar pelo que não fiz do que me elogiar pelo que fiz de bom. A turma da imprensa está sempre atrás de mim. Parece que sou culpado por todos os crimes que acontecem neste país. O senhor deve achar que tenho poderes ilimitados e uma carteira recheada de dinheiro. Eu tenho poder, sim, mas o talão de cheques sofre com esses tempos difíceis tanto quanto o de qualquer um. A minha folha de pagamento continua grande, mas os lucros diminuíram. O senhor ficaria surpreso com o tipo de cara de quem eu já tive que cuidar.”
Eu podia responder que nada me deixaria surpreso, mas preferi ficar quieto. Al Capone não é um tipo comum de gângster que subiu na vida. Ele é um organizador e um político capaz. Aos 32 anos, tem a máquina mais eficiente que este país já viu. É tão poderoso em Chicago quanto qualquer chefão da Tammany (organização central do Partido Democrata) já o foi em Nova York. Para tomar conta de todos os seus negócios, ele tem uma folha de pagamento de mais de duzentos mil dólares por semana.
Até o momento, a máquina de Capone não foi superada. “Como pode um homem jovem como ele manter intacta a organização que construiu?”, perguntei-lhe. A resposta veio sem hesitação:
“As pessoas não respeitam nada hoje em dia. Houve um tempo em que a virtude, a honra, a verdade e a lei eram colocadas em um pedestal. Nossos filhos eram educados para respeitar certas coisas. A guerra acabou. Tivemos quase 12 anos para nos reeguer e veja só que bagunça nós fizemos! Os legisladores da guerra aprovaram a 18ª emenda. Hoje em dia as pessoas bebem mais álcool em bares clandestinos do que se bebeu em cinco anos em todos os Estados Unidos antes de 1917. Essa é a resposta delas ao respeito à lei. Mesmo assim, a maioria dessas pessoas não é ruim. Não se pode classificá-las como criminosas, embora, tecnicamente, eles sejam. O sentimento de que a Lei Seca é responsável por muitos dos nossos problemas está crescendo. Mas o número de violadores da lei também cresce. Há 16 anos vim para Chicago com quarenta dólares no bolso. Três anos depois, estava casado. Meu filho está com 12 anos. Ainda sou casado e amo muito a minha mulher. A gente tinha que se sustentar. Eu era jovem e achava que precisava de mais do que isso. Não acreditava em proibir as pessoas de ter o que elas queriam. Achava a Lei Seca uma lei injusta e ainda acho.
“Seja como for, segui o caminho natural do contrabando. E acho que vou continuar até que a lei seja revogada”.
“Então, o senhor acha que ela vai ser revogada?”
“É claro”, foi a resposta rápida. “E quando for, não vou ficar mal porque tenho outros negócios. O contrabando de bebidas, senhor Vanderbilt, constitui menos de 35% da minha renda.”
A declaração seguinte caiu como uma bomba:
“Acho que talvez o senhor Hoover faça uma sugestão ao Congresso na sua mensagem de dezembro para que os legisladores da nação aumentem a percentagem de álcool nas bebidas. Essa será a sua melhor cartada para receber nova indicação. Além disso, o senhor sabe que ele sempre se referiu à Lei Volstead como uma nobre experiência. Mas com o tempo, nem mesmo essa mudança vai deixar as pessoas satisfeitas. Elas vão exigir a volta das bebidas normais; e se fizerem muita pressão vão derrotar a Liga Antibares e os industriais que prosperaram e enriqueceram às custas da sede.
“A lei vai ser revogada. Não vai haver mais necessidade de segredo. Vou ser poupado de uma folha de pagamento enorme. Mas enquanto a lei vigorar e as pessoas continuam violá-las, haverá lugar para pessoas como eu, que acham que essa lei nos torna responsáveis pela manutenção de um canal aberto. As pessoas que não respeitam nada detestam o medo. Por isso construí minha organização sobre o medo. Aqueles que trabalham comigo não têm medo de nada. Os que trabalham para mim são leais, não por causa do pagamento, mas porque sabem o que pode acontecer se eles não forem.
“O governo dos Estados Unidos é muito mole com os violadores da lei e diz que vai mandá-los para a cadeia se eles desafiarem a lei. Os violadores riem e arrumam bons advogados. Só os que não têm dinheiro são punidos. Mas o público em geral não tem mais medo de uma prisão do governo do que de Pat Roche. As pessoas acham graça das coisas que ficam sabendo. Elas gostam de fazer piada e rir dessas coisas. Quando tem uma batida em um bar clandestino, pouca gente fica histérica; a maioria está tranquila. Por outro lado, o senhor acha que algum dos seus amigos ia achar graça se tivesse medo de ser levado para um passeio sem volta?”
Eu ficaria com medo? Essa pergunta poderia responder, e rápido.
Na parede atrás do rei, havia um retrato de Lincoln em uma moldura barata. Ele parecia sorrir benevolente. Sobre a mesa principal, havia um peso de papel de bronze da estátua do Great Emancipator do Lincoln Memorial. Uma cópia do discurso de Gettysburg enfeitava outra parte da parede Era fácil perceber que Lincoln era o americano mais respeitado por Capone.
Lá embaixo, nas calçadas, havia policiais fardados e à paisana. Todo mundo sabia que eles estavam nas ruas. Desbarataram dezenas de pontos de gângsteres nas últimas 24 horas. Deram batidas em hotéis e apartamentos. O que Pat Roche mais queria no mundo era o rei. E Pat era o promotor público.
Alguém tinha sido sequestrado. Seu nome era Lynch. Ele publicava um jornal com informações confidenciais sobre corridas de cavalos. Os boatos diziam que os sequestradores exigiam 250 milhas pela sua libertação. Achando que Al Capone talvez soubesse alguma coisa sobre isso, a polícia de Chicago pediu ajuda ao rei para encontrar Lynch. Sua Majestade concordou graciosamente e, logo depois, Lynch foi encontrado sem pagar um tostão de resgate.
Al Capone não tolera certos tipos de negócios ilícitos, e o sequestro é um deles.
Ele se reclinou um pouco mais na confortável cadeira de escritório e acendeu, pela décima sétima vez, o charuto Tampa. Nós já estávamos conversando há mais de uma hora.
“Esse inverno vai ser terrível”, continuou. “Temos que abrir a carteira para sobreviver. A gente não pode esperar pelo Congresso, pelo senhor Hoover ou por qualquer outra pessoa. Temos que ajudar a manter as barrigas cheias e os corpos aquecidos. Se não fizermos isso, nosso estilo de vida vai fracassar. O senhor sabe por que os Estados Unidos estão à beira da maior convulsão social da sua história? O bolchevismo está batendo à nossa porta. Não podemos deixar que ele entre. Devemos nos organizar contra ele, ficar lado a lado. Precisamos de fundos para combater a fome”.
Será que eu estava ouvindo direito? Será que estava no meu juízo perfeito? Ali, na minha frente, perto da sacada da janela, atrás de uma grande mesa de teca, sentava-se o mais temido de todos os escroques. Muito mais alto do que eu esperava, e mais forte. Um sujeito com um aperto de mão fortíssimo, uma janela com uma sacada digna de um banqueiro e o sorriso de vencedor característico de todas as raças latinas. E, mesmo assim, em vez do tipo de conversa que se espera de gente como ele, Capone fazia um discurso como eu nunca tivera a oportunidade de ouvir.
Ele continuou:
“Temos que manter os Estados Unidos inteiros, seguros e intactos. Se as máquinas tirarem os empregos dos trabalhadores, eles vão precisar encontrar outra coisa para fazer. Talvez voltem a trabalhar a terra. Mas temos que olhar por eles enquanto acontece a mudança. Nós temos que mantê-los afastados da literatura e das artimanhas dos bolcheviques; devemos cuidar para que a cabeça deles continue saudável. Porque não importa onde nasceram, eles agora são americanos.”
Os garotos anunciavam as edições extras lá embaixo. Al Brown, como gosta de ser chamado, levantou-se da cadeira e andou para a esquerda. tirou um par de binóculos de um armário, colocou-os diante dos olhos e leu devagar a manchete de um vespertino: “Pat Roche confiante na rápida prisão de Capone.”
Abriu um sorriso largo: “O Pat é um cara legal”, disse com calma, “só que gosta de ver seu nome nos jornais com muita frequência.”
E pensei, “se o Pat falasse sério sobre prender você, ele podia fazer isso em um minuto.”
Ele leu meu pensamento: “Acho que sou como o senhor, senhor Vanderbilt: a multidão prefere me culpar pelo que não fiz do que me elogiar pelo que fiz de bom. A turma da imprensa está sempre atrás de mim. Parece que sou culpado por todos os crimes que acontecem neste país. O senhor deve achar que tenho poderes ilimitados e uma carteira recheada de dinheiro. Eu tenho poder, sim, mas o talão de cheques sofre com esses tempos difíceis tanto quanto o de qualquer um. A minha folha de pagamento continua grande, mas os lucros diminuíram. O senhor ficaria surpreso com o tipo de cara de quem eu já tive que cuidar.”
Eu podia responder que nada me deixaria surpreso, mas preferi ficar quieto. Al Capone não é um tipo comum de gângster que subiu na vida. Ele é um organizador e um político capaz. Aos 32 anos, tem a máquina mais eficiente que este país já viu. É tão poderoso em Chicago quanto qualquer chefão da Tammany (organização central do Partido Democrata) já o foi em Nova York. Para tomar conta de todos os seus negócios, ele tem uma folha de pagamento de mais de duzentos mil dólares por semana.
Até o momento, a máquina de Capone não foi superada. “Como pode um homem jovem como ele manter intacta a organização que construiu?”, perguntei-lhe. A resposta veio sem hesitação:
“As pessoas não respeitam nada hoje em dia. Houve um tempo em que a virtude, a honra, a verdade e a lei eram colocadas em um pedestal. Nossos filhos eram educados para respeitar certas coisas. A guerra acabou. Tivemos quase 12 anos para nos reeguer e veja só que bagunça nós fizemos! Os legisladores da guerra aprovaram a 18ª emenda. Hoje em dia as pessoas bebem mais álcool em bares clandestinos do que se bebeu em cinco anos em todos os Estados Unidos antes de 1917. Essa é a resposta delas ao respeito à lei. Mesmo assim, a maioria dessas pessoas não é ruim. Não se pode classificá-las como criminosas, embora, tecnicamente, eles sejam. O sentimento de que a Lei Seca é responsável por muitos dos nossos problemas está crescendo. Mas o número de violadores da lei também cresce. Há 16 anos vim para Chicago com quarenta dólares no bolso. Três anos depois, estava casado. Meu filho está com 12 anos. Ainda sou casado e amo muito a minha mulher. A gente tinha que se sustentar. Eu era jovem e achava que precisava de mais do que isso. Não acreditava em proibir as pessoas de ter o que elas queriam. Achava a Lei Seca uma lei injusta e ainda acho.
“Seja como for, segui o caminho natural do contrabando. E acho que vou continuar até que a lei seja revogada”.
“Então, o senhor acha que ela vai ser revogada?”
“É claro”, foi a resposta rápida. “E quando for, não vou ficar mal porque tenho outros negócios. O contrabando de bebidas, senhor Vanderbilt, constitui menos de 35% da minha renda.”
A declaração seguinte caiu como uma bomba:
“Acho que talvez o senhor Hoover faça uma sugestão ao Congresso na sua mensagem de dezembro para que os legisladores da nação aumentem a percentagem de álcool nas bebidas. Essa será a sua melhor cartada para receber nova indicação. Além disso, o senhor sabe que ele sempre se referiu à Lei Volstead como uma nobre experiência. Mas com o tempo, nem mesmo essa mudança vai deixar as pessoas satisfeitas. Elas vão exigir a volta das bebidas normais; e se fizerem muita pressão vão derrotar a Liga Antibares e os industriais que prosperaram e enriqueceram às custas da sede.
“A lei vai ser revogada. Não vai haver mais necessidade de segredo. Vou ser poupado de uma folha de pagamento enorme. Mas enquanto a lei vigorar e as pessoas continuam violá-las, haverá lugar para pessoas como eu, que acham que essa lei nos torna responsáveis pela manutenção de um canal aberto. As pessoas que não respeitam nada detestam o medo. Por isso construí minha organização sobre o medo. Aqueles que trabalham comigo não têm medo de nada. Os que trabalham para mim são leais, não por causa do pagamento, mas porque sabem o que pode acontecer se eles não forem.
“O governo dos Estados Unidos é muito mole com os violadores da lei e diz que vai mandá-los para a cadeia se eles desafiarem a lei. Os violadores riem e arrumam bons advogados. Só os que não têm dinheiro são punidos. Mas o público em geral não tem mais medo de uma prisão do governo do que de Pat Roche. As pessoas acham graça das coisas que ficam sabendo. Elas gostam de fazer piada e rir dessas coisas. Quando tem uma batida em um bar clandestino, pouca gente fica histérica; a maioria está tranquila. Por outro lado, o senhor acha que algum dos seus amigos ia achar graça se tivesse medo de ser levado para um passeio sem volta?”
Eu ficaria com medo? Essa pergunta poderia responder, e rápido.
Na parede atrás do rei, havia um retrato de Lincoln em uma moldura barata. Ele parecia sorrir benevolente. Sobre a mesa principal, havia um peso de papel de bronze da estátua do Great Emancipator do Lincoln Memorial. Uma cópia do discurso de Gettysburg enfeitava outra parte da parede Era fácil perceber que Lincoln era o americano mais respeitado por Capone.
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