domingo, 6 de setembro de 2009

Domingo memorioso


As tardes quentes do sertão deixam a gente meio mole, uma sensação de indolência que me consome quando saio da rotina. Olho da porta da minha casa e o ar parece que está tremendo. Esse fenômeno tem um nome mas não lembro agora. É preciso disposição para botar a moleira no sol e sair de casa.
O sol quente parece que vai derreter o juízo. Mas a conversa com Júlia é tão rica que pego meu caderno de anotações e lá vou eu.
Dobro a esquina de Zé de Bidu, sigo pelo beco de Zé Alves e subo a rua do cemitério. Penso no verso de Cecília Meireles:

Dize-me tu, se é muito tarde
se a vida é longa e a dor é perto
e é tudo feito de acabar-se."
("Serenata", in Retrato Natural).

Passo defronte ao que um dia foi o clube da cidade. Dá pena. O velho clube tá um lixo. Passo na frente da Toca do Jia e subo pela rua estreita da cadeia e da antiga casa do motor da luz. Tudo descuidado. Ip tem uma vocação especial para o descaso com o seu patrimônio.

Chego na pequena rua de casas humildes onde mora Júlia. Atrás fica o muro do cemitério. Chama-se Presidente Kennedy. Qual o sentido de uma rua com esse nome em Ipaumirim?

Chego na expectativa do café de Elza. Fico mais à vontade para observar o entorno e ver detalhes. O piso sempre brilhante. (Eu e a minha paixão por piso de cimento queimado)
Na estante, além da foto do neto, um jogo de pratos e duas floreiras. Um conjunto de quatro cadeiras de plástico, brancas, duas cadeiras de balanço.Na mesinha coberta com uma toalha vermelha sob uma toalha de crochê, percebo outras imagens que lá estavam mas que eu não havia visto na visita anterior. Menino Deus, Nossa Senhora da Rosa Mística, Nossa Senhora desatadora dos nós, Santa Joana D’Arc.
Na casa humilde e bem cuidada, não há camas. A água que bebemos é sempre fresca. Elas não possuem geladeira mas tem um pequeno gelágua que lhes garante água gelada o dia inteiro.
Tomamos o nosso café e retomamos a conversa. Elza é discreta, sai de perto para nos deixar mais à vontade.
ML
28.12.2002

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