(Do livro Do Miolo do Sertão
A História de Chico Rolim contada a Sebastião Moreira Duarte
pags. 61 a 63)
Mas, acima de tudo, era nas noites de serestas que mais nós quebrávamos a monotonia da vida em nossa vila esquecida. Uma vez por mês, pelo menos, conforme combinado, nós nos juntávamos em frente à mercearia de Majestoso Gondim e saíamos noite a dentro a cantar. Era um grupo afinado na voz e no sentimento. Renato Gondim e seu irmão Santino puxavam pelas cordas dos violões. Zeca Ferreira, Leonísio, filho do Delegado Zé Granjeiro, e eu acompanhávamos em respeitoso silêncio ou em solos dos mais inspirados. A melhor voz era de Majestoso Gondim, abrindo-se em barítono à porta de uma das nossas namoradas, embriagada de êxtase:
O luar cai sobre a mata
Qual uma chuva de prata
De raríssimo esplendor.
Só tu dormes, não escutas
O teu cantor.
Tínhamos por princípio não ingerir um único trago de bebida alcoólica. Lembro-me que uma vez, como os tocadores se atrasassem seu compromisso para além do tempo previsto – de meia noite a uma hora da manhã – Zeca Ferreira e Leonísio me desafiaram para ver quem bebia uma garrafa de madeira de Lei sem titubear. Era uma provocação à nossa inexperiência etílica. Para descartá-la propus:
- Tudo bem. Aceito entrar na brincadeira, com uma condição: abrimos uma garrafa e a dividimos em três copos cheios. Cada um de nós se obrigará a tomar a cachaça de uma só vez e sem cuspir no fim.
Para meu desapontamento, os meus colegas aceitaram o desafio. Em vez de uma garrafa, tomamos três, repetidamente. Tudo parecia uma patuscada inocente, menos para Zeca Ferreira que quase perdeu as tripas ao desfazer-se do álcool mal amigo.
Comportadíssimos na serenata, nós nos permitíamos de vez em quando sair do sério, quando elas terminavam. Tendo encontrado certa vez, na mercearia de Majestoso, uns molhos de palha de carnaúba para fazer cangalha, nós resolvemos esticar a noite nua presepada de causar inveja ao melhor truão de picadeiro. Cobrimo-nos com essas palhas, amarrando-as com barbante, encobrindo o corpo todo, da cabeça aos pés. Com voz de assombração, saímos em bando, “rezando” num vozerio soturno no rumo do cemitério. A vilazinha de Umari era tão tranqüila àqueles tempos, que um de seus habitantes, tendo se deitado na própria calçada para aproveitar o frescor da noite, aí adormeceu, deixando a casa aberta. Quando acordou em pleno sono com o barulho daquelas “almas do outro mundo”, correu como um tresloucado a fechar portas e janelas. Indo e vindo em torno do cemitério, nós continuamos a “reza”. Na manhã do dia seguinte, não foi surpresa ver o coitado procurar o coronel José Leite Ribeiro para contar-lhe o ocorrido. Quatro soldados apareceram na semana seguinte para patrulhar a noite do Umari. Só agora saberão que aquilo não passava de uma pândega de rapazes se divertindo noite a dentro numa rua deserta.
Fonte: http://domiolodosertao.blogspot.com/
A História de Chico Rolim contada a Sebastião Moreira Duarte
pags. 61 a 63)
Mas, acima de tudo, era nas noites de serestas que mais nós quebrávamos a monotonia da vida em nossa vila esquecida. Uma vez por mês, pelo menos, conforme combinado, nós nos juntávamos em frente à mercearia de Majestoso Gondim e saíamos noite a dentro a cantar. Era um grupo afinado na voz e no sentimento. Renato Gondim e seu irmão Santino puxavam pelas cordas dos violões. Zeca Ferreira, Leonísio, filho do Delegado Zé Granjeiro, e eu acompanhávamos em respeitoso silêncio ou em solos dos mais inspirados. A melhor voz era de Majestoso Gondim, abrindo-se em barítono à porta de uma das nossas namoradas, embriagada de êxtase:
O luar cai sobre a mata
Qual uma chuva de prata
De raríssimo esplendor.
Só tu dormes, não escutas
O teu cantor.
Tínhamos por princípio não ingerir um único trago de bebida alcoólica. Lembro-me que uma vez, como os tocadores se atrasassem seu compromisso para além do tempo previsto – de meia noite a uma hora da manhã – Zeca Ferreira e Leonísio me desafiaram para ver quem bebia uma garrafa de madeira de Lei sem titubear. Era uma provocação à nossa inexperiência etílica. Para descartá-la propus:
- Tudo bem. Aceito entrar na brincadeira, com uma condição: abrimos uma garrafa e a dividimos em três copos cheios. Cada um de nós se obrigará a tomar a cachaça de uma só vez e sem cuspir no fim.
Para meu desapontamento, os meus colegas aceitaram o desafio. Em vez de uma garrafa, tomamos três, repetidamente. Tudo parecia uma patuscada inocente, menos para Zeca Ferreira que quase perdeu as tripas ao desfazer-se do álcool mal amigo.
Comportadíssimos na serenata, nós nos permitíamos de vez em quando sair do sério, quando elas terminavam. Tendo encontrado certa vez, na mercearia de Majestoso, uns molhos de palha de carnaúba para fazer cangalha, nós resolvemos esticar a noite nua presepada de causar inveja ao melhor truão de picadeiro. Cobrimo-nos com essas palhas, amarrando-as com barbante, encobrindo o corpo todo, da cabeça aos pés. Com voz de assombração, saímos em bando, “rezando” num vozerio soturno no rumo do cemitério. A vilazinha de Umari era tão tranqüila àqueles tempos, que um de seus habitantes, tendo se deitado na própria calçada para aproveitar o frescor da noite, aí adormeceu, deixando a casa aberta. Quando acordou em pleno sono com o barulho daquelas “almas do outro mundo”, correu como um tresloucado a fechar portas e janelas. Indo e vindo em torno do cemitério, nós continuamos a “reza”. Na manhã do dia seguinte, não foi surpresa ver o coitado procurar o coronel José Leite Ribeiro para contar-lhe o ocorrido. Quatro soldados apareceram na semana seguinte para patrulhar a noite do Umari. Só agora saberão que aquilo não passava de uma pândega de rapazes se divertindo noite a dentro numa rua deserta.
Fonte: http://domiolodosertao.blogspot.com/
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